O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Pedra de encanto




Canto e cantaria a pedra?


Feitiço para encantar as pedras.

"Ainda terás alento e pedra de canto" (Vitorino Nemésio)

pedra de canto
encantada pedra
pedra de perfil sereno
pedra velha
pedra febril em pedra fina
e pedra na parede
em roxa pedra
pedra do poema
pedra!

catedral de pedra
pedra do funil
fumo de pedra
pedra da noite
longa noite de pedra
pedraria do amor
amor de pedra
toque de pedra
em pedra arrefecida
pedra de pão
pedra de sexo
pedra do poema
pedra de chama
e pedra do sentido
vivo sonho de pedra
pétrea petra derruída
pedra negra
empedrada vida
pedra!

carne de pedra
pedra diluída
pedra no meio do caminho
pedra entre as pedras
pedra de alcanfor
e pedra fria
pedra que se levanta
pedra que caminha
pedra que se inquieta
pedra de coração
pedra nativa
pedra de luz
pedra perdida
pedra desperta
e pedra adormecida
pedra!

pedra sonâmbula
pedra prometida
pedra figurada
e pedra no caminho
pedra literal
e pedra do destino
pedra de moisés
pedra divina
pedra anómima
pedra da marinha
pedra do rei
pedra da farinha
pedra!

pedra sem fim
pedra definida
pedra arcaica
pedra da memória
pedra minha
pedra em carne viva
pedra da palavra
pedra ressuscitada
rosa de pedra
pedra amada
pedra de espinhos
pedra de flor
rosa empedrada
pedra encoberta
rosa viva
pedra!


http://navegare--preciso.blogspot.com/

16 comentários:

José António Lozano disse...

Este poema foi, em parte, provocado por Soantes. Quero agradecer-lhe esse estímulo. Sabê-lo em Angola não diminui o sentimento de próximidade. Tenho aqui um livro que lhe resultará familiar, "Disperso e Vário" e que é uma mostra de mestria que ocasionalmente me acompanha nos últimos tempos. Francamente é muito bom. E eu espero que isto não seja anatemizado como parte da "confraria do elogio mútuo" ou algo assim. Ás vezes liguei, neste estranho devir da serpente, Soantes com Saudadesdofuturo, e vejo que não me equivocava. Um forte abraço e os melhores desejos para o próximo ano. Que aquilo que deva ser realmente seja.
Muitos abraços também para Paulo Borges, que generosamente abriu este ziguezagueante caminhar e que se lembrou de mim no momento certo. Abraços e beijos para Luiza Dunas, cujos poemas haiku nos inspiram e nos falam de sinceridade e coração como flores abertas na primeira manhã.
Um forte abraço para Isabel Santiago que também é parte da minha volta à escritura (com o que me custa!)Ela é uma poeta e uma filósofa de extradinária sensibilidade. Quero dizer-lhe que na poesia persa os poetas falam sempre da lâgrima que caindo sobre o mar desceu ao fundo convertendo-se em pêrola.Há uma grande riqueza à sua espera, que não fechará livro nenhum, pois na verdade, é um livro aberto.
Para Saudades e Obscuro cuja luminosidade e transparência nos perturbam e inquietam, cujo sentido da beleza nos assombra, um grande abraço. As "coincidências" que provoca a irrupção do Obscuro são, como diria, algo mais que interrogantes.
Para Lapdrey, fonte de saberes imensos de nobre erudição também os meus melhores desejos. A sua palavra parece erigir-se entre as silvas da incompreensão, de pessoas que quiça são ainda demasiado novas para que tenham iniciado o caminho da actitude correcta perante o que realmente importa. Muitas graças, professor.
Enfim, um forte abraço a todos os Amigos da Serpente que com a sua melhor intenção fomentam o movimento perpetuo que é símbolo do caminhar da serpente e que tão bem reflectiu Carlos Paredes.
Obrigado pelas vossas lições

Anónimo disse...

Na Grécia as ruas ardem, toda a Europa se desagrega, o mundo entra em colapso e vocês andam aqui a felicitar-se pelos textinhos e demais bombonzinhos que publicam!? Crêem que o Apocalipse vos poupará? Não serão vocês os mornos, cujo único destino é serem eternamente vomitados da boca das coisas!?

Anónimo disse...

Já venho aqui, "Santiago" afinal é o meu nome. Hei-de saber-lhe o caminho. Vou tentar colocar o texto que também te era dedicado lá em cima, mas sou lenta com estas coisas da informática e perdi uma "árvore" e agora no meio das lágrimas, da febre e da tosse isto está deveras complicado. Fica sem "árvore", mas ainda não perdi a coragem...
Mas virei aqui falar-te da "Casa do Silêncio" em que me deixaste ou da pedra em que me tornaste. Antes do fim de ano, seja lá isso o que for...

Anónimo disse...

Caro José António Lozano,

Chego tarde, mas não falto. Muito interesse tenho eu achado nos seus textos sobre o sufismo e essa mesma contemplação! Penso que aí a minha alma também se acha ou perde, não sei. Do poema que aqui nos traz só poderei dizer que uma pedra também me dança assim na boca e no espírito. Terei de ler o poema uma e outra vez, para melhor o saborear. Foi em boa hora que o poema lhe foi provocado por Soantes. Para vermos que não há distâncias entre nós, antes encontro.
Para o próximo ano que seja o que for, para ser o que é.

Um abraço, Saudades e Obscuro

luizaDunas disse...

Oh José, não me é fácil apanhar a Serpente.
Quando dei por ti há umas semanas atrás já não estava a Serpente. E quando dou por mim na Serpente não estás tu.
Mas hoje revejo-te e por ora apanho-a aqui, ao pé de ti. Decerto estarás.

Belíssimas, as tuas Quadrinhas Imperfeitas. Encontro nelas simbologias que me são muito caras. Quão perfeitas as tuas quadras! Secretas no que à luz do dia se encobre.

Belas pedras.

Abraço-te,
Que estejas feLiz.

Anónimo disse...

Grande Durrutti! É isso! Um blog que não se transforme em palco de guerrilha urbana só merece que lhe cuspamos em cima e o ignoremos!

julio disse...

Durruti,
que faz aí, parado?

Pegue em armas, em vez de ficar aí na frente do computador!

Compre bastante gasolina e meta fogo em tudo.

Mas deixe aqueles que a água oferecem a quem tem sede em paz.

Anónimo disse...

Caro Julio, não ligue ao Durrutti, que é um ingénuo!... Aqueles que têm sede em paz já ardem no meu fogo: essa mesma sede em paz.

julio disse...

Se bem entendi, meu caro Diabo, e se vc mesmo reconhece o fogo que de seu pai, Daemon irradia, essa sede é das únicas que nunca serão saciadas: do saber.

Desse Daemon que é Deus Inverso.

Bendito fogo e bendita essa sede!

Anónimo disse...

as armas estão nos poços e oleadas, existe algum mergulhador...
gora

Luiz Pires dos Reys disse...

Caro José António Lozano,

Grato pelo seu poema, litânico em pedra de ser homem.
A palavra (pedra) parece ziguezaguear ali, de cima a baixo, e o inverso, como tijolos desencontrados em levantar de parede.
O Nemésio, que cita, é-nos dador de esperança: na solidez da firmeza que se nos exija, tanto quanto na elasticidade do alento de que sejamos necessitados.
"Encantar pedras" - eis algo que porventura, por aqui (ou alhures também), alguns de nós sentimos o livre dever de cumprir.
Nada isso nos acrescenta, mas isso pode decrescentar o que de pouco ou nada valha ali onde de todo não valha.
Entre o "hipnótico", por litânico, e o mântrico, por "apneico", corre por ventura o "feitiço" de que fala.
De tudo o que haja pedra ou a pedra nos seja: da pedra de canto iremos, à pedra... pedra pedra...

... por entre os marcos miliários da catedral de pedra, da carne de pedra, da pedra sonâmbula e da pedra sem fim...

É muita pedra... sejamos, pois, pedras de pedra.

Abraço, amigo


P.S. Uma precisão: não sou professor: não porque não quisesse ou não pudesse querer mas, tão simplesmente, porque não saberia como sê-lo.

(Vinde a mim, anónimos, vinda aos despojos, estou a jeito para as vossas ardentes setas: hoje,sou "são" Sebastião lusófono!)
- o que eles vão rir, os "manóinimos"... -


P.S. Agora vou atirar-me no "correio"!

Luiz Pires dos Reys disse...

Duruti
(nova grafia, segundo o "acordo", para nos habituarmos),

Quero um bombom, quero!
Onde é que os tem? Fiquei aguado.
Há Pralines?

No que respeita ao apocalipse.
Meu caro, quanto ao que não é evitável, não cabe senão minorarmo-nos ao máximo.
Daí, sabe, os paradoxos que por aqui pululam.
Quanto ao ser morno, não sei: vou tirar a temperatura, e logo lhe digo.

Quanto ao vomitado, que já teve por aqui honras de camarote, baste dizer o seguinte: somos feitos da mesma matéria das coisas, meu amigo.
A fazer fé no que diz, o que veremos será: coisas a vomitarem coisas, pelos vistos.
Que festival! Nem os satânicos pensaram nessa...
Vou já falar nessa ao Anton Szandor LaVey: ele é mesmo um amador ingénuo!
Francamente!


Malatesta,
cuidado com isso de cuspir: lembre-se de sair primeiro de baixo (daqui, claro)
Ok? Óptimo!
(Ah, e cuidado com a cabeça, perdão, com a testa, Malatesta!)

Anónimo disse...

Sentada tua pedra,-
a tua escrita de pedra ou na pedra? - oiço como elas, as outras rolam para dentro de mim: as de perfil sereno, as velhas, as febris.

Oiço as tuas catedrais, as da pedra do poema e de Santiago (onde fui logo depois da morte da minha mãe), vislumbro as tuas noites com pedras de onde saem os anjos negros e sinto o cheiro do cereal na pedra que moendo faz o pão. Talvez a mesma esculpa o Amor que é pão espiritual.
Mas, mais atentamente, vejo presenças nas que escutaram e adivinharam os teus sonhos, as que se levantaram quando inquieto ías no caminho.
As de luz, as pedras de luz, oferecem-me reflexos e nelas tudo vejo, mesmo o que não há, Moisés algum no caminho, qualquer lei para além do livro.
Mas um livro teu é como a pedra prometida, a da memória e a ressuscitada, porque só renascem na escrita os que, como tu, guardam a memória do mundo.

Um dia a minha mãe deu-me um pedaço de xisto e disse-me que ali se escrevia. Por esse tempo, quando ainda nem ler nem escrever sabia, sentia apenas que as letras me traziam o Distante. Guardei o pedaço sem saber o que guardava e aprendi, depois de saber ler e escrever, que guardei um nome que traçou o meu destino: Distante.
Bom ano cheio de bons augúrios. Recebe nestes votos o agradecimento pelo exagero das tuas palavras que escrevem nas pedras e não atiram pedras.
Um grande sorriso da Isabel para o ano de 2009!

Anónimo disse...

Querido Lapdrey, ao que parece hoje não recebe só farpas, mas também as lança ... risos, risos carinhosos.
Gostamos mais da versão "Lapdrey, salvador das mulheres ofendidas", gostamos mais do cavalheiro de capa e espada! Esse sim, receberia muitas setinhas pequeninas, mas seriam de Cupido!
Bom Ano!

José António Lozano disse...

Sr Ladprey,
há já alguns anos conecheci a um velho cavalheiro. Um homem de cabelos brancos, que como ele gostava dizer, não eram de estar deitado ao sol. Ele deu-me um bom conselho: "Olha para o que fazem as pessoas não para o que dizem. Ao longo da vida, disse-me, observa como reagem ao elogio e á censura. Através da censura podes conhecer uma parte das pessoas mas será pelo elogio que terás um saber mais completo". No seu momento não comprrendi plenamente as suas palavras. Mas estes dias tive uma clara manifestação do significado das mesmas, pronunciadas na minha presença há mais de 10 anos. Sr Ladprey, há algo que hoje me resultaria francamente um pesadelo, e isso seria estar no seu lugar.
Adeus

Luiz Pires dos Reys disse...

Caro José António Lozano,

Com colocou este mesmo comentário em outro local aqui na Serpente, também aqui, acho, devo responder-lhe.
Remeto-o, pois, e a quem isso interesse, para a minha resposta a um seu comentário, em quase tudo idêntico a este, sito entre os comentários ao poema de Saudades do Futuro, dedicado a Paulo Borges, e que deu em certo acentuar "burburinho", que acabou por me valer a melhor prenda que dei a mim mesmo neste final de ano: uma bela lição de humildade a mim mesmo, para lá de outras óbvias miudezas (que apenas sei tê-las) e insignificâncias (que sempre sou insignificante), que por lá deixei, de mim para quem tudo isso era muito devido.
Mais lhe agradeço aqui o nobre e leal posicionamento - a quem sentiu dever ser leal - no referido entrecho.
Abraço

P.S. Como é coisa nada incomum entre as lusas gentes, num piscar de olhos se passa de bestial a besta e, presumo, também o vice-versa disso.
Entenda, caro amigo, que isto ou aquilo me é indiferente mesmo, se bem que mo não sejam as pessoas "isto" ou "aquilo".
Elas são "lugares de ser e sua paradoxal ausência", que sempre reverencio, note, de todas as formas, modos e maneiras.
Não creio que isto seja de menos, e não creio igualmente que seja demais.

Novo abraço, e os melhor votos para o Ano que aí vem.