A grande admiração contemporânea pela pólis ateniense e pelas suas instituições, assim como pela arte, filosofia e literatura que nela se desenvolveram tem ensombrado a espectacular criação da cosmópolis e da cultura helenística, cuja plena compreensão ainda está, na nossa opinião, por acontecer. Efectivamente, a época clássica da cultura grega tem sido restringida aos séculos V e IV a.C., considerando-se o período imediatamente sucessivo, a época helenística, como o início da decadência, em muitos aspectos, dos valores clássicos originais. Não há dúvida de que a época clássica foi um momento glorioso e de grande esplendor na história da Antiguidade; embora se tenha convencionado designar como «clássica» toda a cultura greco-romana, a exemplaridade do classicismo é tradicionalmente atribuída àquele momento específico da cultura grega. Constatamos, contudo, que a rígida indentificação do Ocidente com uma «pátria grega» criada na Alemanha há duzentos anos atrás, num contexto histórico-cultural bem concreto – marcado sobretudo por um forte nacionalismo etnocêntrico – se revela, na actual conjuntura planetária, improdutivo. Como europeus e ocidentais encontramo-nos, quanto à nossa identificação cultural, numa crise: para além do facto de se considerar obsoleto e desnecessário o conhecimento em primeira mão da cultura clássica, insistimos em identificarmo-nos exclusivamente com um determinado e bem delimitado momento da cultura grega, que nada tem de cosmopolita, quando, na verdade, nos encontramos numa realidade que nos exige, imperiosamente, uma visão cosmopolita do mundo.
A passagem do polítēs para o cosmopolítēs representa uma profunda mutação na noção de ser humano, mutação essa que conduziu a cultura grega, em determinados aspectos, à sua maturidade espiritual. A partir do momento em que, após as conquistas de Alexandre, a colossal ecúmena persa passa a estar sob o domínio da cultura grega, a dicotomia aristotélica grego/bárbaro, fundada na oposição entre a liberdade grega e o despotismo persa, deixa de fazer sentido. Na verdade, se por um lado o homem helenístico perde liberdade em termos de exercício político, que passa a estar nas mãos do soberano (encontrando-se aqui uma das principais justificações para a desvalorização desta época), por outro lado, o sentido de liberdade desloca-se da exterioridade cívica para a interioridade filosófica e espiritual. É sobretudo no Egipto ptolemaico, com o seu centro em Alexandria, que se dá a grande síntese cultural das tradições grega, egípcia e orientais. O encontro e a convivência entre múltiplas raças, mentalidades, filosofias e religiões promove uma «refinada época de fusão e difusão culturais»[1], da qual irá surgir uma concepção universal do ser humano até então inexistente. A especulação filosófica, com o surgimento do estoicismo e do epicurismo, passa a concentrar-se sobretudo no estudo e na análise da alma humana e na liberdade individual. «O homem sábio dos Cínicos e dos Estóicos, dos Epicuristas, dos Cépticos não está especificamente ligado a um povo ou uma raça. Qualquer elemento, fosse qual fosse a região de onde viesse ou a raça a que pertencesse, podia ter acesso a esse ideal. Assim se elimina a distinção entre Gregos, não Gregos ou escravos»[2].
A maioria dos imigrantes era constituída por homens, pelo que as novas fundações procuravam mulheres entre as populações nativas, dando origem a frequentes casamentos mistos – prática que era incentivada desde Alexandre e que contribuiu para diluir a já frouxa dicotomia grego/bárbaro e ajudou a estabilizar a sociedade [...]. Isso vai provocar a lenta infiltração de costumes e práticas locais, sobretudo em matéria de religião. Esta torna-se mais individual e menos oficial e estatal, o que constitui um progresso. Novas inquietações levam à convivência das divindades gregas com as orientais, convertidas em algo de supranacional. As divindades semíticas eram identificadas com as do pateão grego. No Egipto, ao lado dos deuses helénicos e egípicos tradicionais, Ptolomeu I Soter favorece a afirmação de uma divindade nova, Serápis, com traços mistos, destinada a ser cultuada por gregos e indígenas.[3]
Do ponto de vista do pensamento filosófico e religioso, a cultura egípcia sempre mereceu um profundo respeito e uma grande consideração por parte dos gregos. A dimensão poética e religiosa da tradição órfico-pitagórica – da qual deriva a origem mítica da poesia e da música, assim como a importante doutrina da divindade e imortalidade da alma – era reconhecida como de proveniência egípicia (Heródoto, Isócrates)[4]; ainda que os mitos também associem a origem do orfismo à Trácia, a tradição fala-nos das viagens de Orfeu, de Pitágoras e de Platão ao Egipto[5]. De qualquer das formas, os gregos estavam bem conscientes da origem estrangeira desta tradição, que veio a desempenhar um papel absolutamente fundamental, como se sabe, no pensamento platónico, no neoplatonismo e, através deste, no Cristianismo (ou seja, em toda a mentalidade Ocidental). De máxima importância é igualmente a tese de Heródoto – que nos revela a consciência que os Antigos tinham acerca da evolução do fenómeno religioso – segundo a qual o Egipto teria sido o local de origem não só de quase todas as divindades gregas, mas também de muitas divindades de diversos povos.
Os egípicos sabiam, tal como os babilónios, que os deuses são os mesmos e que só os seus nomes mudam de cultura para cultura. É possível fixar as equivalências se se conhecer a definição dos deuses tendo como base a sua função e/ou manifestação cósmica: o deus do Sol de uma religião corresponde ao deus do Sol de outra e assim por diante. O que os egípcios queriam dizer a Heródoto era que eles tinham sido os primeiros a descobrir a natureza dos deuses e a estabelecer a sua mitologia e teologia assim como o contacto cultual com os mesmos, e a fixar as definições conceptuais. A eles os outros povos tinham ido buscar os seus conhecimentos sobre os deuses.[6]
Ora, a consciência de todas estas questões ampliou-se consideravelmente não só pela síntese alexandrina das culturas grega e egípcia, mas também pelo grande afluxo de sábios babilónios, judeus e indianos para aquela cidade. Embora ainda haja muito a explorar e a descobrir sobre a difusão das ideias filosóficas e religiosas na Antiguidade, a complexidade de toda esta questão aumenta quando temos em conta as semelhanças entre a filosofia grega, o cristianismo e as doutrinas da tradição indiana.
Mas também as influências indianas se fizeram sentir no mundo mediterrânico. Ashoka enviou missionários para o Egipto (para Alexandria), para Cirene, para a Macedónia, para o Epiro. Nos seus éditos ele proclama que, até nos países mais remotos, a lei budista encontrou os seus adeptos. Alexandria foi um dos grandes centros de trocas, não só comerciais mas também artísticas, filosóficas e científicas entre a Índia e o mundo ocidental. Clemente Alexandrino não hesitava em afirmar que "os Gregos tinham roubado a sua filosofia aos Bárbaros". As analogias entre o Samkhya e a filosofia pitagórica são evidentes, facto sublinhado já, em finais do século XVIII, por William Jones. Durante o século VI a.C., ou seja na época de Pitágoras, o império aqueménida, que se estendia desde a Índia até à Grécia, tinha transformado a Pérsia no grande centro de encontro entre a Índia e o mundo mediterrânico. Shröder sublinhou (Pythagoras und die Inder, Leipzig, 1884) que quase todas as doutrinas filosóficas e matemáticas atribuídas a Pitágoras estavam na época difundidas pela Índia, sob uma forma muito mais evoluída.
Eusébio, citando Aristóxenes, conta que um indiano tinha encontrado Sócrates e lhe tinha perguntado qual era o objectivo da sua filosofia: "O estudo do fenómeno humano", ter-lhe-á respondido Sócrates. Então o indiano terá rido dizendo: "De que maneira um homem poderia compreender o fenómeno humano, se ignora os fenómenos divinos?". Isto indica, de qualquer modo, que os filósofos indianos viajavam para a Grécia e falavam grego durante o quinto século anterior à nossa era. Os conceitos fundamentais do Samkhya podem ser encontrados em Anaximandro, Heraclito, Empédocles, Anaxágoras, Demócrito e Epicuro.A contribuição hindu, jaina e budista é considerável na formação do pensamento dos cépticos, tal como no dos neo-platónicos. Muitas das seitas que se desenvolveram na Palestina durante o século I a.C. inspiraram-se em conceitos indianos. Os Essénios e o Cristianismo dos primeiros tempos foram decerto profundamente influenciados pelas ideias vindas da Índia.(Daniélou, A., Storia dell’India, Roma, Ubaldini Ed., 1992, pp. 94-95).
Sem dúvida que uma das mais interessantes criações da cultura helenística, com um teor universalizante que ainda não foi alcançado no mundo contemporâneo, foi a instituição, por parte de Ptolomeu I Soter, de um novo deus e de um novo culto ecuménico «de síntese» olímpico-faraónica, Serápis, o qual reunia os elementos simbólicos necessários (Ámon, Osíris, Ra, Zeus, Hades, Dioniso, Hélio, Ptah, Hefesto) [7]para que nele se pudessem reconhecer diversas religiões de diversas culturas. Associado a este novo culto, foi também instituída e amplamente difundida uma forma helenizada dos mistérios de Ísis, que se tornou igualmente numa divindade «omnicompreensiva, transnacional, transcultural e transreligiosa»[8]. Diz-nos o hino a Ísis inscrito no templo de Medinet Madi:
Todos os mortais que vivem na terra infinita,Trácios, Gregos e bárbaros,pronunciam o teu belo nome, um nome altamente honrado por todos,[mas] cada um fala na sua própria língua, no seu próprio país. Os Sírios chamam-te Astarte, Ártemis, Nanaia; as estirpes lícias chamam-te Leto, a Senhora; os Trácios chamam-te Mãe dos deuses, e os Gregos chamam-te «Hera do grande trono», Afrodite, Héstia a benévola, Reia e Deméter. Mas os Egípcios chamam-te Thiouis [pois sabem]que tu, a Única, és contemporaneamente todas as que são invocadas pelos povos dos homens.[9]
Neste culto a religião mistérica de Elêusis (Ísis = Deméter) e os mistérios báquicos (Osíris = Serápis = Dioniso) combinam-se com os mitos e os rituais egípcios. O fascínio que os gregos sentiam pela cultura egípcia encontra neste culto um enquadramento institucional e espiritual. Aqui, com as aretologias isíacas gregas e com os hinos a Ísis de Isidoro de Narmuthis, também eles escritos em grego, nascem textos de uma cultura mista greco-egípcia, que se furta a uma atribuição únivoca à parte grega ou à egípcia. (ibidem, p. 415)
Da mesma maneira, Lúcio Apuleio, no século II, ou seja em pleno império romano, fala-nos de Ísis como «a única divindade, que sob múltiplos aspectos, vários ritos e diversos nomes o mundo inteiro honra»[10]. Esta mentalidade, que se difundiu amplamente por todo o mundo antigo – tendo sido o mais aguerrido concorrente do Cristianismo – concebe um «Ser Supremo» ou «o Altíssimo» (Hýpsistos, em grego), como o princípio divino universal e único, do qual derivam todas as tradições espirituais; o estoicismo é considerado como o desenvolvimento filosófico desta consciência.
A influência da concepçção estóica foi verdadeiramente extraordinária, sobretudo no homem da época helenística e das imediatamente posteriores. Esta concepção uniu de maneira indissolúvel a filosofia e a religiosidade. A Stoa coloca o homem numa estrutura grandiosa e ensina-o a considerar-se como membro dessa grandiosa estrutura. Em primeiro lugar, vê-o sob uma perspectiva cósmica: o homem é uma parte do cosmos, que se encontra mais próximo da divindade. A sua alma é uma partícula viva, uma centelha divina. O conceito de humanidade é um conceito criado pela Stoa sobre as bases que oferecia o império de Alexandre, depois de ter ficado superada a antiga oposição entre Gregos e Bárbaros.[11]
Efectivamente, no mundo contemporâneo, que muitos consideram como «cosmopolita», ainda não se generalizou globalmente um pensamento filosófico-religioso que conceba e aceite as diversas religiões e filosofias do mundo como diferentes expressões culturais de um único princípio universal - o princípio a que Agostinho da Silva deu nome de Espírito Santo. As três grandes religiões adâmicas - judaísmo, cristianismo e islamismo - continuam, mesmo nos dias de hoje, envolvidas em infindáveis carnificinas e «culturicídios», justificados pelo dogma obstinado de que o seu deus é o único deus verdadeiro. A difusão de outras culturas no Ocidente contemporâneo, e em especial de culturas orientais, não é propriamente uma novidade e tem contribuído para o surgimento de uma consciência verdadeiramente cosmopolita. Não obstante, a cultura geral veiculada pelas escolas e universidades atribui um reduzidíssimo valor cognitivo a outras tradições culturais, tão ou mais antigas do que a ocidental; continua a ser prática corrente julgar as tradições do outro como cognitivamente inválidas a priori, ou seja, sem um conhecimento razoável sobre as mesmas. Não há dúvida de que a tese hegeliana – irremediavelmente condicionada pela mentalidade do século XIX – segundo a qual os gregos teriam eliminado tudo o que fosse estranho à sua própria cultura, se encontra subjacente a esta mentalidade limitada que, em comparação com o universo helenístico, não pode deixar de ser considerada como provinciana. Para além de sabermos que a «pátria do Ocidente» pensada por Hegel, a pequena pólis dos séculos V e IV a.C., não surgiu, como que por milagre, isoladamente em relação à complexíssima rede de relações e intercâmbios culturais do mundo antigo, essa mesma «pátria» tornou-se, nos séculos sucessivos, numa gigantesca cosmópolis em que sábios oriundos de toda a ecúmena helenística, que se estendia até ao vale do Indo, reuniram diferentes tradições sapienciais sob o signo da cultura greco-egípcia, a qual se expressava em língua grega. Mais uma vez, embora as nossas instituições de ensino continuem, ainda hoje, a habituarmo-nos a preconceber o helenismo como um período decadente da cultura clássica (sendo muitas vezes estudado, por essa mesma razão, à pressa e «por alto») foi precisamente nessa época que se deu um espectacular e inédito desenvolvimento cultural.
O nacionalismo helénico, nesta época, já era mais cultural do que racial. Dissera Isócrates, ainda no primeiro quartel do séc. IV a.C., que o nome «Helenos» já não designava uma raça, mas uma cultura (Panegírico, 50) [...]. As pessoas cultivadas, mas não apenas elas, tornam-se gregas e os Gregos, sobretudo os filósofos, tornam-se cosmopolitas.[12]
A Biblioteca de Alexandria, a mais famosa da Antiguidade, foi o centro da cultura helenística e ali se reuniam, sob a protecção real, eruditos e artistas de todo o mundo.[13]
A filosofia do período helenístico é bem o símbolo de que se ultrapassara o espaço restrito da pólis e se caminhara para o universalismo e para a unidade da raça humana [...]. Aliás os estóicos, com uma filosofia de domínio universal, pugnaram pelo princípio da igualdade de todos os homens, se bem que isso não implicasse a exigência da libertação dos escravos, e consideravam de importância insignificante as diferenças nacionais (cf. Plutarco, Moralia 329 A-D). Para eles a pátria não era a pólis, mas o mundo. Os primeiros cínicos, com o seu ideal de homem sábio, parecem não apresentar o preconceito contra os Bárbaros e os escravos e colocam de lados as afinidades políticas: Diógenes considera-se cidadão do universo e Crates proclama que a sua cidadela e fortaleza é a terra inteira (cf. Diógenes Laércio 6.96)[...]. Se Arsitóteles considerava o bárbaro um escravo por natureza – o filósofo morre em 322 a.C., portanto no dealbar da época helenística – Teofrasto, seu discípulo e continuador da escola, afirma ser a terra a morada comum dos deuses e dos homens e mostra a existência de um parentesco a unir todos os homens e até os seres vivos; primeiro os laços de membros da família, depois os cidadãos da pólis, de parte integrante do ethnos ou raça e da humanidade; por fim, parentesco de todos os seres que vivem.[14]
O que interessa, como se depreende do passo de Isócrates (Panegírco, 50) já citado e que, ao que parece, também em Menandro, não é pertencer a um povo ou a uma raça, mas estar integrado em determinada cultura, ter um determinado ideal ou concepção da existência. Desde que assim aconteça, não importa que seja grego, persa, trácio, judeu ou romano. A difusão fora feita, a fusão em grande parte conseguida. A oikoumene estava formada.[15]
Só para terminar, nesta tentativa de abrir um Horizonte à vocação ecuménica da cultura lusófona, não poderíamos deixar de citar umas breves palavras de Selma Velho. Esta ilustre goesa defende que a obra de Luís de Camões revela uma profunda compreensão comparativa das tradições culturais com as quais o poeta entrou em contacto. Julgamos que este trabalho, fruto da cultura luso-indiana, é um de entre os vários exemplos que ilustram as reais potencialidades - e responsabilidades - da Lusofonia.
Conseguiria Camões, com a sua bagagem cultural greco-romana, entender e comparar as culturas e civilizações da Índia e do Extremo Oriente com a sua herança ocidental? Teria sido Camões o primeiro poeta e humanista da Renascença a entender as semelhanças existentes entre a Índia e a Grécia (e algumas vezes até o Egipto), quanto às suas mitologias e filosofias? Até que ponto essas semelhanças encontraram eco na obra de Camões? Sabemos que Camões viveu mais de dezasseis anos na Índia e no Oriente. Sabemos também que quase todos os historiadores portugueses que se debruçaram sobre a herança indiana após a viagem de Gama apontaram flagrantes semelhanças que eles viam entre mitos gregos e hindus, como também se referiram algumas vezes ao Egipto. (Velho, S., A Influência da Mitologia Hindu na Literatura Portuguesa dos séculos XVI e XVII, tese de doutoramento (1983), Universidade de Bombaim, ed. Instituto Cultural de Macau, 1988. p. 449).
Uma leitura cuidadosa de Camões veio reforçar a nossa opinião de que Camões utilizou as tradições hindus que tinham paralelos com a Grécia e às vezes também no Cristianismo, explorando-as através da sua familiaridade greco-romana, e não através da novidade e do exotismo, como seria de esperar ao primeiro impulso. (ibidem,p. 463).
[1] J.Ribeiro Ferreira, A Grécia Antiga,Ed. 70, Lisboa, 1992. p. 209.[2] Ibidem, p. 241.[3] Ibidem, 228.[4] Cf. M. Vegetti, «L’io, l’anima, il soggetto», in I Greci 1 (noi e i Greci), S. Settis (coord.), Turim, Einaudi, 2001, p. 444.[5] W. Nippel, «La costruzione dell’ “altro”», in I Greci 1 (noi e i Greci), S. Settis (coord.), Turim, Einaudi, 2001, p. 168.[6] J. Assman, «L’immagine greca della cultura egiziana», in I Greci 3 (i Greci oltre la Grecia), S. Settis (coord.), Turim, Einaudi, 2001, p. 423-424.[7] Ibidem, p. 430.[8] Idem, ibidem, p. 432.[9] Idem, ibidem, p. 431-432.[10] Idem, ibidem, p. 432.[11] W. Capelle, apud M.H. Rocha Pereira, Estudos de História da Cultura Clássica – Cultura Grega, Lisboa, Gulbenkian, 1993.[12] J.Ribeiro Ferreira, A Grécia Antiga,Ed. 70, Lisboa, 1992, p. 229.[13] Ibidem, p. 232.[14] Ibidem, p. 237.[15] Ibidem, p. 241.
8 comentários:
Caro João Beato,
Grata pela lição. Já anteriormente tinha abordado, do que me recordo, a extraordinária riqueza desse fusão de tradições filosóficas e religiosas. Nesta,ainda se torna mais claro o sincretismo daí resultante, e o seu cada vez maior interesse no pensamento actual.
E, no entanto, ainda existem tantas resistências em aceitar com naturalidade essa visão ecuménia da religião. Esclareceu com erudição as questões colocadas por mim, no "Pensar Pessoa" do post anterior.
Obrigada e um sorriso.
João, devo-te algumas respostas, mas terá de ser mais tarde, pois ando sobrecarregado de trabalho. Saúdo os teus textos sempre muito estimulantes!
É claro que também valorizo o ecumenismo, mas tenho reservas perante o sincretismo, embora reconheça o seu valor depurativo das pretensões unilaterais à verdade.
Um abraço
O que fazem os sincretismos é abrir caminho aos dogmatismos musculados e inquisitoriais, como as democracias caóticas o fazem às ditaduras. Depois dos actuais devaneios "new age" o que vem aí é uma nova inquisição religiosa. O mundo é um círculo vicioso de absurdo e não possui qualquer sentido evolutivo. A única libertação é individual, para bem de si e de todos.
João, a questão directa que coloco é se consideras que a Lusofonia pode assumir uma função análoga à de Alexandria no passado e inaugurar um análogo período helenístico. Se assim for, poderá a matriz disto ser a proposta ecuménico-paraclética de Agostinho da Silva? Não será isto pretender criar uma nova religião, sem fundamento num mestre espiritual autêntico? É a questão que a mim mesmo coloco, enquanto autor do "Línguas de Fogo"...
Abraço
Paulo, considero que a Lusofonia poderá vir a desempenhar, em alguns aspectos essenciais, um papel semelhante ao da cultura helenística. Se assim for, não seria suposto surgir uma nova religião: Alexandre foi considerado pelos sacerdotes egípcios como filho de Ámon e sucessor legítimo do poder faraónico. Uma religião que já existia passou a ser chefiada por gregos. É claro que a grande maioria das mentes ocidentais, para as quais os mitos gregos e egípicos não passam de histórias fantásticas, olha para esse acontecimento como uma mera estratégia "política", no seu sentido mais limitado. Pessoalmente não penso assim e acho que esta questão é infinitamente mais complexa. Os cultos de Serápis e de Ísis também não podem ser considerados propriamente uma nova religião, mas sim a universalização de uma forma helenizada da religião egípcia. A ecúmena helenística também não é nada que se possa assemelhar ao monolitismo do império romano e muito menos ao da Igreja Católica. Para além do facto de o império de Alexandre se ter transformado, muito rapidamente, em vários reinos independentes unidos por uma mesma cultura, não se deu qualquer tipo de imposição e homogeneização religiosa como aconteceu com o cristianismo ou o islamismo. Deu-se sim foi a compreensão de que as diversas religiões e cultos derivam de um pricípio comum, sendo que a cultura egípcia foi reconhecida como a que mais perto estava desse princípio. Deste ponto de vista poderíamos dizer que existe uma só religião, a qual se manifesta de variadíssimas formas. De todas as religiões que existem actualmente, haverá alguma que seja reconhecida como a que está mais próxima desse princípio? O que eu acho é que nem sequer esse princípio foi reconhecido a um nível global, mas esse é precisamente o trabalho da Lusofonia. De qualquer das formas, não vejo aí nenhuma pretensão para se criar uma nova religião nem é assunto que me preocupe: o cristianismo foi uma nova religião, o islamismo e o budismo também... Qual foi o fundamento e o mestre espiritual de Cristo, Maomé, Buda? Até nos poderíamos perguntar: o que é uma religião? Se nos ativermos ao pensamento de Krishnamurti, que rejeita as autoridades espirituais, exorta os outros a não se submeterem cegamente às tradições religiosas e a procurarem a libertação por si mesmos, então nunca mais sairíamos daqui.
Estou perfeitamente consciente de que uma das grandes tarefas da Lusofonia é a questionação do conceito de religião e do fenómeno religioso, assim como do apuramento do que se entende por "libertação da consciência" e "espiritualidade". Que dessa questionação surja uma nova religião, não sei, mas julgo que é inevitável que surjam novas correntes de pensamento, nas mais diversas áreas: filosofia, sociologia, política, direito, medicina, arte, etc. E claro, inevitável também que essas novas correntes de pensamento influenciem as religiões existentes...
Ainda assim, Paulo, não posso deixar de dizer que ter tantas reservas em relação ao sincretismo (ainda que seja necessário esclarecer devidamente o que se entende por isso) não faz muito sentido para quem deveria ter uma consciência clara sobre a natureza do Espírito Santo. Pretender que a libertação da consciência só possa ser realizada através da dedicação exclusiva a uma única via parece-me uma violação aos mais elementares princípios de liberdade, criatividade, autonomia e independência. É um facto que todas as grandes religiões estão pejadas de sincretismos (o que é o cristianismo senão uma síntese de diversas tradições... Negar a quem quer que seja, por princípio,a possibilidade de ser inteligentemente capaz de se relacionar com o Espírito Santo sem a necessidade de pertencer exclusivamente a uma única via é o mesmo que negar o próprio Espírito Santo e a centelha de genialidade que existe na inteligência humana. Como se a imitação e a repetição mecânica de uma dada e exclusiva prática, escola, autor, guru ou religião fosse a única maneira de libertarmos as nossas consciências! Isso é o mesmo que me dizerem: «escolhe uma via, dedica-te a ela e só a ela e fecha os olhos para tudo o que não lhe diga respeito»... Como se saúde espiritual, psíquica e física fossem coisas separadas e eu não pudesse recorrer a um psiquiatra porque sou budista, ou recorrer a um pensador cristão, a um médico ayurvédico, a um artista muçulmano. Religião, ciência, música, literatura, dança, filosofia, pintura: como se o Espírito Santo fosse só «isto» ou só «aquilo», como se estivesse só «aqui» ou só «ali»; como se de todos os «istos» e «aquilos», e de todos os «aquis» e «alis» eu não fosse capaz de abstraí-Lo e deixar de necessitar de uma via em particular! Repito: afirmar que só é possível obter a Saúde através da imitação mecânica, para toda a vida, de uma única via exclusiva é o mesmo que afirmar que ainda não se compreendeu o fenómeno religioso, é afirmar que ainda são se compreendeu o que é a espiritualidade, é afirmar que ainda não se intuiu a verdadeira natureza do Espírito Santo.
João, surpreende-me que te precipites tanto, concluindo das minhas reservas perante o sincretismo um mundo de coisas que nunca disse!... Acusares-me de propor a imitação mecânica de uma via, toda a vida!... Que via se pode seguir mediante uma "imitação mecânica"!?
Na verdade não cheguei a tomar posição sobre esta questão complexa, por falta de tempo, e o que mostras é identificares Espírito Santo com sincretismo e não admitires nada fora disso... Não arriscas transformares assim o sincretismo num novo dogma e verdade única, semelhante ao que supõe superar?... E o que é isso do Espírito Santo? Explica então, já que tão bem intuis a sua "verdadeira natureza".
Um Abraço
Entre o sincretismo, que importa dilucidar o que seja (e se sirva ele, e para que sirva), o ecumenismo “depurativo das pretensões unilaterais à verdade” e “a dedicação exclusiva a uma única via”, aqui brevíssimas notas se me suscitam.
Sem de todo querer ser impreciso (e muito menos injusto), se bem entendi o que quis dizer, João, parece-me que se coloca numa situação digamos de “incerteza quântica” (que não digo seja, por isso, incerta ou in-certa), nem “dúbia” (não digo também que de dúvida seja), mas porventura demasiadamente “confortável” (ainda que prazeroso lhe possa não ser tal “conforto”) por aparentemente cuidar o João em demasia (parece-me) de cingir-se a um como que imperioso manter-se “de fora” de todo o comprometimento firmado, quer, como diz, na “dedicação exclusiva a uma única via”, quer numa qualquer expressão de "religiosa fidelidade".
Desde logo, coisa que o João parece não aperceber-se, isso impede-o claramente de "saber" – posto que para o saber e o sabor, importa obviamente alguma dose do provar - de saber quanto aqui se pondera, para assim mais distintamente lograr ver, vivenciar e pensar o que veja, vivencie e entenda, ou contrário disso.
Talvez por isso, fala com argumentos do lado da “religião” e da história dela (vide os exemplos dela retirados, com que ilustra de forma aliás interessante o seu pensar), quando isso convenha ao que se propõe provar, mas posiciona-se, de algum modo, mais do lado duma certa “espiritualidade” - não diria do das imprecisões nem das carências de precisão desta, diria sim da sua ambiguidade, que não das suas ambíguas expressões hodiernas -, quanto ao que o João pretenda objectar.
No fundo, ao que se me afigura, e apesar do luxo do aparato das referências em nota, o João parece, muito convenientemente, digamos, querer aparentar ter o pé em vários mundos diversos, por não querer, pelas aduzidas razões, tê-los em nenhum.
Como mais ou menos diz o povo: quem assim não prova, assim não come.
Seja como for, gratíssimo pelo seu belo e estimulante texto.
(Explicarei em separado, e mais tarde, quando o tempo e o discernimento mo permitam, o que seja eu capaz quanto a alguns aspectos do que aqui fica por dizer quanto a certas questões ponderosas, mais estritamente “religiosas” ou re-ligantes.
Outras ficarão, para outra ocasião e lugar, designadamente na margem do importante excerto de “Tempos de Ser Deus. A espiritualidade ecuménica de Agostinho da Silva”, de Paulo Borges, por ele aqui publicado, e que me parece lugar bem mais indicado para a devida ponderação de tais outros questionamentos)
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