O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 9 de março de 2008

Canção de Lisboa (na Hora última)

Canto o sol a morrer nos telhados de Lisboa
a serpente a ondular sob as colinas que pisamos
o Tejo que corre para o fim de tudo
a saudade de onde jamais regressamos

o A-deus que há nisto tudo
o longínquo apelo do mar
o delírio em que me transmudo
na fúria de a tudo abraçar

o infinito crepúsculo que a todos irmana
a hora última que em tudo soa
o fado dançado, cantado e liberto
da multidão que nos povoa

o derradeiro arrebatamento das coisas tristes
o fulvo hálito do mais nocturno alento
o bem-aventurado andar de si perdido
de tudo o que vive do vento

este turbilhão que a tudo subleva
esta vertigem maior que o ser
este canto que a tudo desperte
no sempiterno hausto de Renascer !

Miradouro da Graça-Penha de França, em Lisboa, capital da Terra das Serpentes, do Mundo e do Nada (3.11.2007 – 9.3.2008)

5 comentários:

Anónimo disse...

Desperto em sonho


A chamarem-nos, os sonhos,
Saúdam-nos, de longe
Têm asas nos pés
E loiros, os cabelos,
Deixam crescer o espaço
À roda deles.


São os anjos doirados
Dos meus dias, os sonhos.
Trazem sandálias nos seus pés rosados
E a relva cresce, por onde andam
Acompanham-me sempre
Para onde vou
E onde fico,
Eles poisam a sua cabeça.


Adormeço com eles
Quando me doem as horas
E a noite é uma almofada triste
Creio neles porque são verdade.
Sinto os seus deditos nos meus dedos
A tocarem sons de liras e palavras,
Palavras que brilham na noite
Como lantejoulas
No infinito colorido dos meus sentidos.

Anónimo disse...

Renascer!
Da sombra surgir
qa luz una
que há-de cumprir
o círculo perfeito,

Da esfera do império
matéria mais sutil.


Um abraço, Paulo Borges

Ana Margarida Esteves disse...

E os anjos vivos que te chamam da Terra, obscuro? Nao sao dignos que reconhecas que tambem te indicam o caminho do ceu?

Nao e a materia bruta do mundo material a materia prima de onde surge a materia mais subtil?

Se olharmos para o alto sem antes realmente apreciar o que nos rodeia acabamos por nos destruir a nos mesmos, acabamos por nos detestar pelo simples facto que somos humanos.

Querido obscuro, nao notas como o Transcendente se revela no claro/obscuro da vida diaria?

Que viver nao seja o eterno tormento de nao sermos tudo.

Que amar nao seja apenas tanger a lira em honra de criaturas etereas que vivem dentro no nosso pensamento.

"O fado nao me faz arrepender."

Anónimo disse...

Querida Ana Mrgarida,

Não sei se compreendi as tuas preocupações comigo. Não as tenhas.
Sou tão real que até me dói a cabeça. Vivo a vida com alegria e danço ridiculamente perante uma multidão de ruidosos estudantes...
Claro que amo a vida e tudo o que existe... É isso que me faz cantar e ser com os outros, intensamente.
Não sou um isolado, a escrita não é sublimação é «a minha maneira de estar sozinho», de pensar com as palavras. Embora as obrigações sociais e o mundanismo me aborreçam cada vez mais e me desviem do que realmente gosto de fazer: ler, pensar, escrever... e contemplar... Sou absolutamente humano.
resta-me agradecer...
Dorme bem, princesa...

Anónimo disse...

O poema é lindo Paulo Borges.
A saudade triste...