domingo, 20 de setembro de 2009
"Indo para Deus pelo caminho-Deus (- procurando o Deus-caminho pelo caminho-Deus)" - Dalila Pereira da Costa
Imagem: Remedios Varo, "Transito en Espiral", 1962
Sobre esta terra existe uma certa antiga e maravilhosa igreja redonda: foi feita pelos homens. Para quem? Em que intenção, ou serviço?
Esses homens, de nós desconhecidos, transmitiram (totalmente) essa coisa.
Ela subsiste aí, inclusa e intacta, completa; assim veio através dos tempos: e pode ser ainda transmitida a nós, ainda uma vez e sempre; em toda a sua primitiva e terna exultação.
E agora, poderemos, ousaremos, pensar que, para nós todos, tudo seria igual, se esta igreja tivesse já desaparecido da superfície da terra?
Que ela tenha vindo e subsistido intacta no seu corpo terrestre através de mais dum milénio para ser ainda gozada por nós durante só três minutos, é suficiente e é toda a sua justificação: em plenitude.
Pois, será verdade que, tudo que foi sentido, conhecido outrora por esses homens, por esses seus criadores (ou transmissores) não possa ser conhecido, sentido de novo por nós, na sua vivência actual-passada? Ou tudo será intransmissível e assim, perecível? Será então totalmente inútil tentar conservar, perseverar, as altíssimas criações do passado: uma igreja românica , um quadro de Thierry Bouts…
Mas é justamente essa coisa, este cerne conhecido, sempre o mesmo e diverso, através das idades do homem, o que será possível de ser sempre apreendido, ou reapreendido, por nós, incessantemente. É sempre a esta eternidade, a esta integridade, que é preciso ser fiel e submisso.
E tudo será sempre uma auto-revelação: nosso acto, nosso louvor, será sempre a única finalidade e justificação de nossa vida.
Porque aí, nesse preciso lugar evocado, as camadas espessas e inumeráveis, soba as quais vemos sempre essa coisa, escondida e inapreensível, não foram elas rompidas? Aí, não a vemos e sentimos sempre capturada por um momento, aí subsistindo sempre, sempre oferecida a nós, passível dum novo gozo (por nós ou por ela própria?). Aí não sentimos uma reunião de força, súbita e poderosa contenção, e exultante, na sua serenidade? E não sentimos um novo espaço à nossa volta?
(Essa força, ela era esse espaço, ele mesmo (como seu verdadeiro corpo), ou dada, possível de ser atingida por esse espaço, aí realizada: como seu veículo ou analogia? (ou símbolo?) Ou então, o que se criou aí, e o que nos davam, era o Centro ele mesmo? Em toda a sua força).
Essa igreja foi baseada, ou construída sobre o círculo, ou mais exactamente, na esfera: mas para um movimento em altura, em elevação.
(in "O inapreensível e intransmissível")
(a ordem)
Espiraliza-te no teu ser - e sobre o teu centro, ergue-te.
(in "Jogos de água")
Dalila Pereira da Costa
"Encontro na Noite", Lello & Irmão Editores, Porto, 1973, pág.39
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6 comentários:
...A essa “igreja redonda”... e “É sempre a esta eternidade, a esta integridade, que é preciso ser fiel e submisso.” à espiralada flor do espirado ser, esse mesmo e diverso que pelas eras se cria nas heras do seu mesmo variado, íntegro e submisso criar na esfera sem idade dos tempos. Esse é o anjo real que na face dolorosa, nova e sempre renovada primitiva origem de grão e semente. “E tudo será sempre uma auto-revelação” e nesse tudo está o tudo e o nada das nossas vidas e das nossas aparições e fulgurações. Este é o Anjo que nos leva as asas de Hermes na viagem, esta é a viagem e a nave na qual navegamos, os que em espiral se movem pelas esferas azuis do tempo. A face pura que nos espreita do lago e é lotus... ou lys... ou a silente ausência de uma semente na igreja da Terra, universal e livre.
Um bom Domingo
Onde se lê (na linha 4), "espirado", deve ler-se "espiralado"...
O comentário foi escrito directamente na janela e "à janela"... tem erros que não afectam o sentido.
Ou, por outras palavras, a premência da integral sacralização da vida.
Obrigada, Luis Santos,
Não diria (nem disse) melhor! Isso mesmo! "a premência da integral sacralização da vida."
Um abraço n'Isso aos dois.
Abraço.
CRUCIAL DESASSOSSEGO
Onde te escondes, Deus, que não te vejo?
que aspecto tens, como é a tua face?
qual é, deveras, a palavra-passe
para te contactar, como desejo?!...
Que nome tens nos vários idiomas
falados sobre a terra, cada qual
com sua construção gramatical,
seus sons, suas cadências, seus aromas?
Onde é que tens a tua residência,
como é que lá se chega, quando um dia
vier a ser... a minha moradia?
Podias-me dizer... sem nenhum medo
de eu revelar, traindo, o teu segredo,
caso me faças... essa confidência!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Coimbra, 19 de Setembro de 2009.
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