O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 24 de setembro de 2009

refúgio


















Ficou no fundo do mar

O grito suspenso do fim

O fio de luz e pranto

Não resistiu ao gume do contentamento

A última vontade de ser sem mais

A capitânia S. Gabriel naufragada

No cais antes da partida

Uma vida inventada ao sabor da espuma

Animada pelo vento sem dentro ou aconchego

Feito de bruma e sofrimento cristalino

O desejo é um barco e um berço

As barcas vão e se regressam trazem nos remos o hálito de nunca

O gélido arrepio dos que só se perdem depois

Pois se há um aqui é para isso

Nem paraíso nem inferno

Corpo combustivo lavrado de anímica impaciência

Alma feita de escuridade e esquecimento

Nem eternidade até

Nem o que seja água para matar a sede

Se se nasce não há saciedade que não seja regressiva

E só regressam os fantasmas

As almas penadas que acreditaram na morte

Não há véus que velem nem luz que dê a ver

As velas são para voar na flor das águas

Rumo à perdição

A Índia onde se jugulam as promessas

Onde os perdidos nunca se encontram

Não se perde o que não se tem

Só sente o que parecia seu

A explodir num voo de pombas de todas as cores

Susto de liberdade incontida a estilhaçar o céu

Para que choras os dias esgotados

É sem salvação o que vive para si

Não te agasalhes se a noite cair de repente

Se de dentro rebentam os diques da claridade contida

A força do ocaso leva tudo numa cavalgada de ser ninguém

Tirésias sabe o travo do beijo eterno de Ofélia

Enleada nas águas negras pelo som incandescente

Dos violinos que segregam a impossibilidade da aurora

Há que deixar no fundo o que é do fundo

As portas fechadas pelo medo são versos arrancados ao silêncio

Pelos passos dos que fogem da inquietação

Tomados pelo terror de serem só infinito

1 comentário:

Semente disse...

É. Refúgio.
Este lugar do mundo é refúgio.
E é tudo aquilo que se pode dizer de um refúgio.
Ou é ficar em silêncio, neste lugar. Quem sabe naufragar, derivar, seguir no embalo*

E fotografia, Paulo!