quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Oração
Declaração de Imposto a Deus
venho por este modo informá-lo/a, não obstante duvidar da sua existência e persistir nessa dúvida debruçada nesses livros que em si teimam crer e descrer comitantemente –como disse, existindo ou não, venho informá-lo/a que desejo ser tocada por si . Repito. Na sua existência ou inexistência. Já não sou picuinhas.
O toque de Deus nos meus cabelos.
Bem sei que Deus não tem mão, não tem dedos e ainda por cima, quando escreve, escreve direito por linhas tortas, e por mais que as minhas sejam sinuosas, a sua escrita jamais será perigosa, jamais conduzirá acidentes e privações. Deus só poderá verbo, só poderá sopro, Espírito.
Por conseguinte, e recorrendo à trinitária possibilidade da incarnação, venho propor a si, Deus, que existe ou que não existe, que me toque em mim, intermediado pelo seu mais tresmalhado carneiro, o brandaniano “pobre de mim”, lábio cortado que queria ser um viaduto.
Eu sei que a escolha não é a melhor. Aliás, até incorro na via perifrástica: no dia do Senhor, da Casa do Senhor, (re)corri ao dito carneiro tresmalhado que teima em não soltar a vedação dos meus sonhos e deixar-me cair nesse sono divino, na mão direita de Deus, entre a vigília do poema e da visão, um amor puro e desinteressado, quietista, e por isso, mesmo, segundo a bula de Inocêncio XI Coelestis Pastor, inquietante.
Como já deve saber, graças à sua omnisciência, que as tentativas dos meus cabelos serem tocadas, ainda que intermediariamente, por si, foram goradas. Eu, por mim própria, pelo meu amor próprio, alma, espírito, pernas e seios, ancas e dedos mindinhos, já realmente me houvera contentado (ou habituado) a não ser tocada por si, e jamais eu própria, o meu amor próprio, a minha alma, espírito, pernas, seios ancas e dedos mindinhos permitiria tal contestação.
No entanto, os meus cabelos – outorgantes destas tristes e infiéis cruzadas – persistem em reclamar: que nós (cabelos meus) sejam tocados por si, por intermédio dele, o carneiro tresmalhado.
Que se ratifique: não sou eu, são os meus cabelos.
Confesso até que toda a minha una, dúbia, trina pessoa – excepto os meus cabelos – começa a ficar ligeiramente indisposta
1) quer com a ausência divina (intermediada)
2) quer com o presença do desejo.
A declarante chegou, ao extremo de, no dia de Senhor, 6 de Setembro, dia dos cabeleireiros e do Profeta Zacarias, cortar os seus próprios cabelos, pintar os olhos de ferrugem e pedir ao resto do mundo que a tocassem. E eles disseram: "E “olharão para mim, a quem trespassaram.” (Za12,10).
Ninguém a tocou, e se a tocaram não foi nos poucos cabelos que nela restaram.
Pelo acima referenciado, e com isto termino a minha demanda, oh-Deus-que-poderás-até-nem-existir: toca-me nos cabelos!
Se é aquele o intermediário, ele que se apresse a chegar aos meus cabelos, ou então Deus que não existes mas tudo podes, manda-me outro, um carneiro sem dedos, sem medos, um viaduto aberto onde a estrada começa, sem circulares internas ou vias derramadas. Manda-me um viático- viaduto- via- viagem para largar os cabelos.
Eu, exceptuando os meus cabelos, desejo imperiosamente largar a minha língua, a que Deus me deu, para a outra, a que ganhei ao mar, e escrever coisas impossíveis. Em vez disso, aqui estou, com a minha língua de fora, a proferir palavras que não entendo, enquanto os segredos dos diques rebentam na minha língua cortada pelo fio dos cabelos.
Aguardando atenciosamente a sua resposta, defiro-me com as maiores saudações, saudades e salvações – para si e para a toda sua criação.
A sua infiel,
Joana
venho por este modo informá-lo/a, não obstante duvidar da sua existência e persistir nessa dúvida debruçada nesses livros que em si teimam crer e descrer comitantemente –como disse, existindo ou não, venho informá-lo/a que desejo ser tocada por si . Repito. Na sua existência ou inexistência. Já não sou picuinhas.
O toque de Deus nos meus cabelos.
Bem sei que Deus não tem mão, não tem dedos e ainda por cima, quando escreve, escreve direito por linhas tortas, e por mais que as minhas sejam sinuosas, a sua escrita jamais será perigosa, jamais conduzirá acidentes e privações. Deus só poderá verbo, só poderá sopro, Espírito.
Por conseguinte, e recorrendo à trinitária possibilidade da incarnação, venho propor a si, Deus, que existe ou que não existe, que me toque em mim, intermediado pelo seu mais tresmalhado carneiro, o brandaniano “pobre de mim”, lábio cortado que queria ser um viaduto.
Eu sei que a escolha não é a melhor. Aliás, até incorro na via perifrástica: no dia do Senhor, da Casa do Senhor, (re)corri ao dito carneiro tresmalhado que teima em não soltar a vedação dos meus sonhos e deixar-me cair nesse sono divino, na mão direita de Deus, entre a vigília do poema e da visão, um amor puro e desinteressado, quietista, e por isso, mesmo, segundo a bula de Inocêncio XI Coelestis Pastor, inquietante.
Como já deve saber, graças à sua omnisciência, que as tentativas dos meus cabelos serem tocadas, ainda que intermediariamente, por si, foram goradas. Eu, por mim própria, pelo meu amor próprio, alma, espírito, pernas e seios, ancas e dedos mindinhos, já realmente me houvera contentado (ou habituado) a não ser tocada por si, e jamais eu própria, o meu amor próprio, a minha alma, espírito, pernas, seios ancas e dedos mindinhos permitiria tal contestação.
No entanto, os meus cabelos – outorgantes destas tristes e infiéis cruzadas – persistem em reclamar: que nós (cabelos meus) sejam tocados por si, por intermédio dele, o carneiro tresmalhado.
Que se ratifique: não sou eu, são os meus cabelos.
Confesso até que toda a minha una, dúbia, trina pessoa – excepto os meus cabelos – começa a ficar ligeiramente indisposta
1) quer com a ausência divina (intermediada)
2) quer com o presença do desejo.
A declarante chegou, ao extremo de, no dia de Senhor, 6 de Setembro, dia dos cabeleireiros e do Profeta Zacarias, cortar os seus próprios cabelos, pintar os olhos de ferrugem e pedir ao resto do mundo que a tocassem. E eles disseram: "E “olharão para mim, a quem trespassaram.” (Za12,10).
Ninguém a tocou, e se a tocaram não foi nos poucos cabelos que nela restaram.
Pelo acima referenciado, e com isto termino a minha demanda, oh-Deus-que-poderás-até-nem-existir: toca-me nos cabelos!
Se é aquele o intermediário, ele que se apresse a chegar aos meus cabelos, ou então Deus que não existes mas tudo podes, manda-me outro, um carneiro sem dedos, sem medos, um viaduto aberto onde a estrada começa, sem circulares internas ou vias derramadas. Manda-me um viático- viaduto- via- viagem para largar os cabelos.
Eu, exceptuando os meus cabelos, desejo imperiosamente largar a minha língua, a que Deus me deu, para a outra, a que ganhei ao mar, e escrever coisas impossíveis. Em vez disso, aqui estou, com a minha língua de fora, a proferir palavras que não entendo, enquanto os segredos dos diques rebentam na minha língua cortada pelo fio dos cabelos.
Aguardando atenciosamente a sua resposta, defiro-me com as maiores saudações, saudades e salvações – para si e para a toda sua criação.
A sua infiel,
Joana
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8 comentários:
Bom texto, talvez até pelo controverso conteúdo.
Vai continuar por aqui, ou onde podemos (posso) procurá-la para a ler de novo?
eu ando sempre pelo meu jardim das virtudes
Adorei!
Joana, tenho "ânsias" de cortar o cabelo!
Um beijo e muito, muito gosto em relê-la em outra "Oração".
Sorriso desta aqui saudosa Saudades, "a careca"!
Gostei mesmo do poema.
Com esta oração, a Joana obteve decerto a Salvação eterna.
Agora pode fazer o que quiser. Até escrever neste blogue.
Por recordar a palavra, como "viaduto". Talvez faça aqui mais sentido, em trespasse nítido de tudo o quanto já ardeu.
"Esmiúço-me vida em um ínfimo grão de pó. Aparo-lhe as arestas e das raspas que sobejam construo a ponte sobre a qual passeio.
O gigante viaduto fragilmente alicerçado."
Esta sua declaração é, por certo, um leve toque nos cabelos...
Um abraço Joana.
obrigada saudades ansiosas por voltar a reler, aind apor cima, careca, de tão agraciada pelo Verbo.
E agradecida, Senhor, por me permitir voltar à sua morada.
Quanto ao Rui, por falar em viadutos, descobri, agora, a posteriori, esse magnifico verso aqui, numa tarde de Novembro. Quem é o Vergilio Torres?
A vida que eu tenho perdido por causa dos meus cabelos.
Um abraço ansioso a todo/as
Joana
"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"
- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente
Será Vergílio essa cinza de criação? - Como pele largada, chegado aqui vindo de fora?
Por certo será, e o mais certo é estar errado, no entanto não deixa de ser dele, que sou eu, o verso mascarado em falsa identidade, "paradigmaticamente" pragmática essa, que bem pode não ser a sua. E não é, como se vê...
Obrigado pela questão, e peço desculpa pelas metáforas e algum eufemismo que utilizei para que, enfim, tentasse responder, também, responder-me.
Calorosa saudação Joana, estou-lhe grato.
Desculpe por, provavelmente, não ser atempada a resposta, pois só agora regressei ao caminho da serpente. Um sorriso, bem grande!
Até breve.
Invejo-lhe, Rui-Vergilio, essas peles qu consegue deixar pelos trespasses do seu caminho, Eu só cosnigo ser Joana (há um verso tão belo no Húmus de Raúl Brandão sobre as Joanas), `as vezes Aonia, mas é uma menina e moça que cada vez se assemelha mais a um Narciso emplumado. Apesar de estar na serpente emplumada, mais por obrigações ao meu Senhor do Presente e `as Saudades do Futuro, quero convidá-los ao meu jardim, o das virtudes, onde posso partilhar convosco a ciência (do bem, do mal) da Botânica, que terei logo gosto atirar ao vento, para quem a apanhar. Uma botânica com joaninhas, infelizmente sem peles soltas, sei lá o quê.
Um abraço a todos os vegetais e minerais e os que não têm alma)
j
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