O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


terça-feira, 8 de setembro de 2009

(...)Transformar a serpente em águia? E depois da águia o que virá? Uma nova seara? Decerto, lugares sagrados onde a bicharada ainda não terá chegado: porque ainda não integrámos a Totalidade que é coisa nenhuma, uma outra Realidade pouco acessível, a Divindade que há em nós, Tudo e nada ao mesmo tempo.

É bom viver (quase) absolutamente integrado.

11 comentários:

Luiz Pires dos Reys disse...

"Transformar a serpente em águia?"

Só se for na Grande Águia tolteca de Carlos Castañeda, símbolo e arquétipo do universo uno e ao mesmo tempo duplo, com as suas duas asas Tonal e Nagual.

O Tonal representa tudo aquilo que captamos e percebemos diariamente, o nosso mundo e o modo como o apreendemos, nele aprendemos a viver e nele vivemos. E nele, também, adormecemos acordados, reféns de todos condicionamentos.

O Nagual é, por seu turno, tudo aquilo que existe, mas raramente conseguimos perceber, é o mundo não vulgar ou incomum, o reino do desconhecido.

Dom Juan Matus, o "brujo" tolteca que ensinou Castañeda, dizia (cito de memória):

"A essência do ser é o acto de perceber, e a magia do ser, o acto da consciência. Percepção e consciência formam uma unidade que possui dois domínios: a primeira e a segunda atenção.
A primeira atenção consiste na capacidade de organizar o mundo quotidiano; a segunda, na capacidade que todos têm (mas pouco utilizam) de organizar esse mundo incomum."

baal disse...

a essência do ser é a criação, o acto de consciência advêm da criação e da liberdade, é um caosmos é fluir através da arte, da ciência e da filosofia,a consciência não é um eu subjectivo, é uma criação que parte da imanência.não existe transcêndencia, só imanência absoluta.

Estudo Geral disse...

Caro Damien, acrescentaria só uma pequena coisa às suas palavras: o tonal e o nagual são conceitos que, à semelhança de todos os outros, separam a unidade da realidade. Nós utilizamo-los para classificar a realidade, mas Ela, segundo me parece, é a soma de tudo, conceitos incluídos.

Estudo Geral disse...

Caro baal, obrigado pela partilha. Os agradecimentos são também extensivos ao Damien.

afhahqh disse...

A serpente é águia. Voa longe pelos céus de sons, imagens e textos. Voa longe por cada um de nós, e cada um de nós nela voa longe. A águia são as nossas mentes, as nossas experiências e vivências porque a serpente somos... nós.

Paulo Feitais disse...

Nada de bicharada implume: Sepente emplumada e pomba serpentina!
Abraço do mais fundo!

Paulo Feitais disse...

'serpente'; ser-pente; ;)

Luiz Pires dos Reys disse...

Caro Luis Santos, o derradeiro préstimo da linguagem e dos "conceitos" (nosso máximo agrilhoar pensante no esteio ou no carril da língua) é porventura o tender ela, a cada momento e a cada instante, para uma explosão/implosão de si mesma, que a si mesma constantemente faça consumir-se no seu próprio ardor e arder, e que empós isso a faça re-nascer das próprias cinzas. Incessantemente. É esse, porventura, o despir e revestir da(s) pele(s), pela serpente, emplumando-se

O que aqui, e porventura em toda parte, nos importa é o cuidado que se nos impõe, creio, de sempre discernirmos o "produto" labiríntico da mente ou do intelecto, em frenesim analítico e conceptual (seja qual for a grelha e os códigos de linguagem utilizados), e o resultado estruturado, e conceptualmente coerente, duma mente que vive no silêncio, ainda que se exprima em linguagem.

A questão é que tende a confundir-se "silêncio mental" ("categoria" de qualquer disciplina "meditativa" ou "orante") com silenciamento ou mutismo, e não com uma mente que não esteja já refém nem dos simiescos saltitos entre fluxos intelectivos fragmentados em ideias e conceitos, nem refém sequer das pulsões vitais emotivamente ancoradas em tais impulsos da mente.

O facto de se "de-finir" aqui dois "conceitos" complementares (tonal e nagual) é como mostrar duas metades duma laranja: a da esquerda é "a da esquerda", a da direita é "a da direita", mas ambas, se juntas de novo (como sempre e não deixam jamais de estar "de factu", perfazem o todo da laranja.

Aqui, na imagem tolteca que usei, a águia é a Totalidade e o mais-"além" inatingível do "real", e tonal e nagual são as duas asas com que ela voa cósmica e metacosmicamente. É claro que, para voar, ela precisa (como toda a ave natural, mitológica ou símbólica) de duas asas: três seria complicar, e quatro, pior ainda.

De todo o modo, não é por se discernir as complementares di-ferenças e di-versidades de ambas as "metades" da Águia, ou de qualquer coisa, que isso indica, por si só, que se perca de vista o todo e a totalidade da laranja (ou do que seja) enquanto tal.
Aqui é o mesmo: aliás, é o mesmo (e o Mesmo) por toda a parte.

Aquilo para que, entretanto, eu quis chamar a atenção - também, aliás, no comentário que fiz a um texto (creio) de Baal - é que é, parece-me, estéril ou, ao menos, pouco ou relativamente pouco profícuo, pensar por frases de aparente e só aparente lógica linear.
Elas têm, em si mesmas princípio, meio e fim: e pronto - está "tudo dito". Nem mais, nem menos.

Ou seja (exemplificando): ao dizer-se, por exemplo, como aqui se diz, que "ainda não integrámos a Totalidade que é coisa nenhuma" está, permita-se-me, a dizer-se que a Totalidade é ausência e não (também) presença. O que é facto é que ela é necessariamente ambas (uma e a outra, não uma ou a outra), bem como o todo indiferenciado de ambas, e a sua in-diferença trans-diferenciante: uma "na" outra, sem distinção de "partes", nem de "todo", aliás.

Obrigado a ambos, e aos demais, todos!

Rasputine disse...

Traduza isso por Vida, não por palavras.

Luiz Pires dos Reys disse...

Preocupado com a vida, caro Rasputine? Nem parece coisa sua! (Será que são apenas espasmos ainda do frio mortal das águas geladas do Neva?)

Óbvio que a Vida não cabe em palavras (a vida, ou a "vidinha", talvez, sim), pois nem palavras as há bastantes que cheguem para dizer ou nomear a Vida.

Mas, estamos nós aqui para "traduzir em Vida", ou tão-só para traduzir (ou trair) em palavras?

Fazer "viva" a Vida é, por certo, essa incumbência (a bem dizer, redundante) que impende sobre cada um, que a aceite e não enjeite, mas ela é coisa solitária - ainda que a evidência disso porventura o não seja, ou não o seja tanto.

Estudo Geral disse...

Paulo Feitais, foi mesmo el pleno voo, senti mesmo o abraço.

Damien, agora achei o seu comentário mais composto. O anterior achei-o insuficiente, embora desse para ver que a falta estava pronta para ser preenchida. Porventura, fê-lo em excesso... fico em dívida por não querer explicar porquê. Por mim dou-me por satisfeito e, provavelmente, continuaremos a conversa um pouco mais à frente.

olivromorreu, tenho muitas dúvidas que a serpente, mesmo a emplumada, seja águia. Logo se verá.

Rasputine, as palavras são só um apêndice, embora importante, de todo o organismo, universos fora.