O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

"Wer gross denkt, muss gross irren."



O horizonte



O caminho de Heidegger





"No pensamento qualquer coisa vai ser solitario e lento"





O caminho do Ser





A casa do Ser



A porta do Ser



O Ser



Quem pensa grande, deve enganar-se grande.

15 comentários:

Anónimo disse...

Que interessante!

Luiz Pires dos Reys disse...

“Absent partout où l’on fête un absent”(in «Lettera amorosa»), Monsieur Char répond "lusographiquement" à Herr Heidegger:

O horizonte
“Il me semble que ce soit le ciel qui ait le dernier mot. Mais il le prononce à voix si basse que nul le n’entend jamais.”
(«Les dentelles de Montmirail»)

O caminho de Heidegger
“Les pluies sauvages favorisent les passants profonds” (id.)

O caminho do Ser
“Il n’y a pas de repli; seulement une patience millénaire sur laquelle nous sommes appuyés » («Les dentelles de Montmirail»)

A casa do Ser
« Vivre, c’est s’obstiner à achever un souvenir?
Mourir, c’est devenir, mais nulle part, vivant?»
(«Les compagnons dans le jardin»)

A porta do Ser
“La réalité ne peut être franchie que soulevée”
(«Les dentelles de Montmirail»)

O Ser
“L’éclair me dure”
(«La bibliothèque est en feu»)

“Quem grande pensa, deve enganar-se grande”.(Heidegger)
“O survie encore, toujours meilleure!”
(«Les compagnons dans le jardin»)



(As citações são de “La Parole en Archipel”, de René Char, Gallimard, 1962)

Paulo Borges disse...

Muito grato, caro Lusograph, por estas imagens e palavras tão sugestivas, que não deixam de fazer parte da minha mitologia pessoal!
Pergunto se aceitarias a inversão: "Wer gross irrt, muss gross denken" ["Quem pensa em grande, deve errar em grande"]. Interpreto "irren" mais no sentido do errar da "errância".

Lisboa aguarda o alemão mais lusófono do planeta!

Anónimo disse...

Perfeito! Eis finalmente desvelado o Ser do ente: Martin Heidegger!

Luiz Pires dos Reys disse...

Entre horizonte mal ainda vislumbrado ou já avistado, caminho caminhado e o ainda a caminhar, alcançar a insituável morada de si e transpor a porta que a oculta ("entrada aberta para o palácio fechado do rei", como diz Philatethe), longo caminhar há, até que se chegue ao ponto, sem chegada nem retorno, que está em toda a parte e em parte alguma.
Como diz Vergílio Ferreira: “Jamais o homem terá atingido os seus limites, porque jamais terá deixado de ser tudo aquilo ‘em que’ existia”.
Primeiro, portanto, cuidando de bem seguir os marcos do caminho - de outros que antes de nós a ele se fizeram -, o nosso caminhar guardamos de todo o desvio, até que compreendamos por fim que é mais no errar e muito mais na errância, no perder e no perder-nos, no cair e no levantar, que em nós (e sem nós também) mais se mostra e faz caminho.
Ali onde não há vivalma, lá onde ninguém está, porque ali ainda ninguém foi - aí é onde mora o caminho que nos convida e espera.
Só por tal "caminho de campo" (quanticamente unificado em nós), que conduz a nenhures, se nos apresenta aquele descaminho que melhor nos leva onde nada conduz.
“O segredo da Busca é que não se acha” (Fernando Pessoa). Algo deve haver, algo tem de haver, então, que a cada momento “con-cilie” horizonte, caminho, morada e porta, pois, a não ser assim, sempre seremos como um paradoxo de Zenão ao vivo, em nosso corrermos afanosamente como lebre atrás de nós mesmos, ou de quanto em nós seja mais aparentemente “tartarugante”.
Nunca lá chegaremos, é mais que certo, nunca nos alcançaremos, talvez precisamente porque a meta, se a há, a tartaruga que nos importa alcançar, esteja em todo o lugar menos em nós, ou esteja apenas quando em nenhures mais estejamos, e assim, como diz Paulo Borges, sejamos "Tudo e Ninguém".
Por isso, diz-nos o sábio que “caminhar bem é caminhar sem deixar rasto” (Tao Te Ching, XXVII, 1), porque “em breve espaço se [muda] tudo aquilo que longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava”(Bernardim Ribeiro)

Anónimo disse...

"E de vez em quando descer à gravidade de mim, à profundidade do meu ser. E verificar então que tudo se transfigura. Que é que significa este garatujar quase gratuito, este riso superficial, todo este modo de ser menor? A melancolia profunda, tão de dentro que ela se iguala à alegria sem medida. Espaço rarefeito de nós, é o lugar da grandeza do homem, do que é nele fundamental, o lugar do aparecimento de Deus. Mas Deus não me aparece - aparece apenas a inundação que me vem da infinita beatitude, da grandeza e do assombro. Nós vivemos habitualmente à superfície de nós, ligados ao que é da vida imediata, enredados nas mil futilidades com que se nos enchem os dias. Mas de vez em quando, o abismo da natureza, um livro ou uma música que dos abismos vem, abre-nos aos pés um precipício hiante e tudo se dilui num sentir que está antes e abaixo e mais longe que esse tudo. Há uma harmonia que em nós espera por um som, um acorde, uma palavra, para imediatamente se organizar e envolver-nos. E aí somos verdade para a infinidade dos séculos."
Vergílio Ferreira

rmf disse...

Se as portas da percepção fossem apagadas, cada coisa apareceria ao homem como ele é, infinito.

William Blake

Abraços

Anónimo disse...

É pá, não compliquem tanto! Comam batatas fritas.

Luiz Pires dos Reys disse...

Uma citação - e uma citação, ou é um aforismo e vale por si, ou será sempre uma incisão fruto do mero arbítrio dum nosso propósito -, uma citação pode ser como uma ponte, um elo, ou pode ser tão-só uma pedra, de ângulo ou de tropeço, o que talvez seja sempre o mesmo, num e noutro caso.
Será uma ponte ou um elo, quando liga ou desliga uma distância ou um hiato entre alguma e alguma outra coisa.
Será ângulo ou tropeço quando solitariamente nos interrogue e questione, qual esfinge com sua boca por intermináveis enigmas desenhada.
Mas, terceiramente, pode também ser uma armadilha sempre que nos antoje um belo cristal que tão apenas nos cristalize, com a promessa de fazer o contrário.
Entre, pois, uma afirmação aberta e outra fechada, há-de sempre preferir-se aquela a esta, pois se bem que esta nos dê a ilusão de algo apercebido, é aquela que nos mantém lúcidos na exactidão cirúrgica de jamais termos por findo o que não o tem, nem pode.
Por tudo isto, talvez Blake possa também citar-se a si mesmo e deixar-nos também estas:

“O néscio não vê a mesma árvore que o sábio” [“A fool sees not the same tree that a wise man sees”]

“Nunca sobe alto demais a ave que sobe com suas próprias asas” [“No bird soars too high if he soars with his own wings”]

“Onde o homem falta, a natureza é estéril” [“Where man is not, nature is barren”]

Seja como for, Blake que me perdoe, ou melhor me explique: sem “portas da percepção”, que “coisas” apareceriam ao homem?
E, sem elas, que percepção seria essa?
Quididade será o avesso da percepção? Ou será uma outra "percepção" que suspende a "apercepção"?
Se o néscio não vê a mesma árvore que o sábio é porque o ver não está na percepção, mas no ver que entende o percebido.
Assim, é indiferente haver portas da percepção ou não, o que importa é saber ver nelas e através delas.
As nossas asas são, por outro lado, as necessárias e suficientes para o voo que nos cabe e importa.
As asas estão por nós, assim como a subida está pelo ver que em nós tende para o abismo de si, onde ele se ilumina na própria cegueira.
Quanto ao onde do homem haja carência e da natureza daí advinda: a inversa também é verdadeira.
Grato, Vergílio, pelo Blake.


[Citei Blake com base na tradução de João Ferreira Duarte (Via Editora, 1979), nalgumas passagens algo discutível.]



Ao "puto":

Um detalhinho: é melhor não dizer "É pá!", e dizer, sim, "Eh, pá!". (isto de blogues será também uma espécie de avaliação contínua? Cá me parece.)

Quanto à "complicação":
isso não será batata frita a mais, rapaz?
Um conselho:
Cuidado com os fritos natalícios. Não compliques, "miúdo", ok?
Olha, que vem aí o segundo período...

rmf disse...

Grato Lapdrey pelo seu pensar!
E as suas dúvidas, minhas também quando se fala de percepção.

Essa percepção, é realmente o reflexo da inteligência e da genialidade. Muitos dos seres que hoje a história classifica como "grandiosos na sua inteligência", tinham - e esse o factor de contraposição ou distanciamento dos demais - limites amplos na sua percepção. Esse ver para lá ou através das coisas. Esse esgar de inteligência, uma simples E=m.c2 ou espirrar para um godet de cultura bacteriana! No fundo, embora com metodologias completamente díspares, diga-se, para não soar a disparate meu, são exemplos disso.
Mas estou a falar de percepção. Não de inteligência como vago conceito de QI.

Um abraço Lapdrey, e aproveito para lhe endereçar Festas Felizes!

Luiz Pires dos Reys disse...

De acordo, Vergílio, quando a e à percepção.

Quanto ao mais, a “genialidade” (que é sempre uma “anormalidade” face à pressão do padrão nivelador, e me parece sobretudo um “feliz acaso” de circunstâncias confluentes), creio que concorda que seja uma espécie de “anomalia social” que o tempo se encarrega, mais cedo ou mais tarde, de levar ao ponto de ser impossível rejeitá-la.
É precisamente essa “anomalia” que serve, porventura, de interruptor ao que o Vergílio chama (com sentido de achado) de “esgar de inteligência”.
É isso também, parece-me, que pode aqui legitimar um paralelismo com a teoria do caos ou dos sistemas complexos.
Com efeito, é o carácter “disfuncional” da incerteza e imprevisibilidade do caos (que não é aqui meramente des-ordem) que mantém activa e “auto-sustentável” a ordem.
Ao mesmo tempo que a faz impermanecer, permite um fluxo estável de instabilidade que se auto-“controla” e preserva.
Daí podermos dizer que os “E=m.c2 ou o espirrar para um godet de cultura bacteriana” são talvez aqueles momentos em que a maior e mais insistente tensão para o caos encontra a mais resistente tentativa de preservar a ordem: disso resulta, amiúdes vezes, chapados atestados de estupidez à “inteligência” vigente.
Bom tema, este!

(Retribuo os votos festivos… e o caloroso abraço!)

Anónimo disse...

gostei das fotografias... são tuas?

rmf disse...

Por força do trabalho, entre o há bocado, o agora e o instante separei-me 300 km da comunicação...
Enfim em casa, no conforto da lareira da minha imaginação :)

Meu caro...
Isto tem sido só dúvidas...
Documentos entretanto lidos mostram-me "com cada teoria" sobre a inteligência... E mais, o confronto entre, aquilo que reconhecemos como percepção e inteligência, ambas entidades próprias, imiscíveis, antagónicas (esta é que é...), enfim, um mar de definições e falsas complementaridades.
Estou em vias de "ter" opinião na matéria, vamos a ver se a minha intuição não me trai.
Vou continuar a(s) leitura(s)...
O tema é, como diz, um bom tema!
Esse e realidade!
Ai, ai... isto vai dar confusão :)
Vergílio, calma...

Estou focado nas perspectivas físicas e matemáticas das concepções.
Como a formação é científica, mais facilmente a interpreto, no entanto, é pano para mangas!

Caro Lapdrey, quando me falou de sistemas caóticos... pronto! Há também referências a interpretação do(s) fenómeno(s) inteligência Vs percepção...

a seu tempo, acredito que possamos voltar a este tema. Aliás, não estou a passar a batata quente :)... posso voltar a este tema, com tempo.

Deixo-lhe entretanto a referência a quatro geniais matemáticos de todos os tempos que muito fizeram, alguns ou mesmo todos, em vão na suprema tentativa de serem explicadas estas dúvidas: Georg Cantor, Ludwig Boltzmann, Kurt Gödel e Alan Turing...
Curiosidades, um dos meus professores de análise matemática (bons tempos) referia-se muito a Ludwig Boltzmann e Georg Cantor, e pessoal dizia, entre dentes: - Se forem tão malucos como tu... não há rei nem roque que nos valha para dar por concluído semelhante cadeirão :) Enfim, curiosidades. Acho que é de referência o trabalho apresentado por estes e tantos outros "artistas supremos do concreto". Outra curiosidade... Blake, também, de alguma forma, soube (saber talvez não seja a palavra adequada) também exprimir a dúvida transportando-a para um nicho de conforto do saber, este sim. O saber. e todos nós sabemos o que é estar em posse do saber. Acesso ao conhecimento, possivelmente... também dava tema! E que tema!

Bom, despeço-me com amizade, não sem antes citar Blake...
Perdoem-me, mas hoje é dia de William Blake :) pelo menos para mim... acalma, de certa forma, inexplicável, direi.

"To see a world in a grain of sand,
And a heaven in a wild flower,
Hold infinity in the palm of your hand,
And eternity in an hour
(...)"

in Auguries of Innocence

Amigo é um prazer dialogar consigo.
Sem falsas modéstias.
Quem agradece sou eu, permita-me.
Um abraço.

PS- E mais uma vez contemplei a mensagem original. Soberba! A excelência de um registo.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
dmh disse...

eu sou grato pelos pensamentos, pelo pensamento que sabe surgir da paisagem contemplada -paisagem e pensamento: Onde a natureza falta, o pensamento é estéril.

Tambem aceito a inversao, toda inversao e tambem prefiro mais Odysseus do que Heracles...

as fotografias sao minhas...mas a paisagem nao...

Saude