O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Natal

És deveras tu a mais excelsa Árvore
que agora
de glória e espanto nimbada
no íntimo de cada lar
ergues e iluminas

Tu que
sagrado e primordial
de ti despido
desde sempre e para sempre
Céu e Terra congraças

Em ti
o ouro e a prata eternos brilham
as velas se acendem
fulvas as estrelas cintilam

Em ti circula a seiva das coisas
o Dom
a anónima Alegria que perpassa
abrindo a mão que dá
e a que recebe

Em ti se acende a Luz
que súbita a noite ilumina
e tão mais esplende
quão menos se apercebe

És tu que na gruta do Coração
no Presépio de cada instante eterno nasces
entre o bafo e a adoração do mundo
e os coros celestiais

Tu que trazes o universo no coração
e com ele infante a sorrir brincas
suspenso, irradiante e puro
a girar na palma da mão

Pois em ti
nu, inocente e mudo
o tempo ainda não é
e já finda:
adamantino tudo a florir ressuscita
da ilusão de haver distância

És esplendor, prodígio, maravilha
Promessa, Anúncio, Presença

Festa

Todo o Mundo e Ninguém

Natal

...

Com votos de Feliz Natal e Ano Novo solar, dedico este poema, embora imaturo ainda em forma e conteúdo, a toda a comunidade serpentina emplumada, nomeada, heterónima e anónima, grato pelas vossas/nossas luzes e sombras, harmonias, zizânias e demais folias. Que neste Carnatal (belíssimo achado, Saudades!), agora e sempre, haja Folia!

20 comentários:

Anónimo disse...

Obrigada Paulo!

Em mim, o louco, o burro riem de mim mesma, a inocente espera que toda a comunidade serpentina sinta o Natal como um advento permanente do que está por vir como Espírito, infância e perdão.

E que todos aproveitemos os Sonhos para a cada instante sentirmos a polpa doce do mistério da vida. E nesse degustar, nesse intenso sabor/ear encontrarmos o gosto do Bem, a sua leveza, a sua forma abrupta de se dar e desaparecer.
E bem-aventurados os que ainda Sonham o Natal que nunca houve!

Anónimo disse...

Os mesmos votos para ti,amplificados a mil. Que a presença dessa árvore luminosa e iuminada resplanda em nós no silêncio da escuta da ante-manhã de tudo.

Um Natal pacificado e repousado são os meus votos.

Luiz Pires dos Reys disse...

Ousadamente presumindo da sua permissão de citá-lo em respeitoso e fraterno "pastiche", meu caro Paulo:

Que "esplendor, prodígio, maravilha, Promessa, Anúncio, Presença" nos congracem no abismo d' "o universo no coração", para que com "ele [,] infante a sorrir", "entre o bafo e a adoração do mundo e os coros celestiais", "suspenso[s], irradiante[s] e puro[s]", vivamos sempre e morramos "na palma da [sua] mão", aos pés de "ouro e [...] prata eternos" da “mais excelsa Árvore”, aquela divina árvore vivente que sempre nos dá "a seiva das coisas" - "o Dom" de sermos infantes a coroar imperadores.

Abraço fundo, no Mesmo que nos di-fere.

(Que enorme oferenda, este poema!)

platero disse...

grato pelos votos implícitos

Feliz pela descoberta do poeta
escondido sob a capa
do amigo

Natalão para os dois

platero disse...

já agora, a minha receita natalícia para um amigo:

que o mnino Jesus te ponha
plo Natal no sapatinho
uma arroba de vergonha
de sem ela um alqueirinho

paz alegria saúde
tudo muito arrumadinho
de honestidade um almude
de malícia um pucarinho

guvidu disse...

Agradeço e retribúo os vostos de Feliz Natal!!!:)

Luz e Paz

Anónimo disse...

Feliz Natal!

Luiz Pires dos Reys disse...

Feliz Natal, não, meu caro Anónimo!
Natal Feliz, assim é que é!
(Pronto, o recado está dado!)

Abraço fraterno emplumado
(as serpentinas ficam para o Carnaval!)

"Jingle bells! Jingle bells!..."

fas disse...

apanhaste a simbologia toda da árvore de natal, tão pagã...

rmf disse...

Feliz Natal Paulo!

Tudo de bom para si e todos os seus!
Saúde!

PS1- mensagem rápida... as azevias recheadas de pão e erva-doce estão em banho de azeite fervente. A folia da fritura :)
O bacalhau e as couves reclamam pelo caldo ardente da cozedura!
Tudo regado por um bom vinho alentejano para dar folga à vínica uva alto-duriense!
Não dispensando é claro o belo dentinho de alho, tão salutar, e tão bem faz à circulação sanguínea!
Pão, casqueiro! À antiga!

PS2-Amigo Platero.... está aprovada a ementa?
Um abraço fraterno companheiro!

PS3-A todos sem excepção, uma noite feliz:)

Anónimo disse...

Era bom que o houvesse festa para todos, que bom seria se o Natal fosse verdadeiramente uma noite para comemorar!

guvidu disse...

li agora com vagar o poema e está de facto fantástico, parabéns Paulo! :)

Anónimo disse...

De tanto querer passar despercebida ao Natal
De tanto querer fugir ao consumismo
ao bafo quente e doentio dos centros comerciais a abarrotar de gente de olhos tão alheios

Descubro-me arregalada a não sentir
nem o sagrado nem o profano
Esqueci o menino que me comovia na gruta interna a dormir sorrindo numa promessa de estrelas vida fraterna

de tanto fugir ao sentido desgarrado dos natais d'agora
agora
nem o sagrado nem o profano.

Vou para a terra
evitar o peru e o leitão
argilar no silêncio que escuto
sininhos e laços

Luiz Pires dos Reys disse...

“O divino é a inteira combinação cósmica renovada pela natureza: pois é no divino que a natureza tem o seu lugar”(“Corpus Hemeticum”)

Grato pela rasgada e despida partilha, amiga “arregalada a não sentir nem o sagrado nem o profano”.
Achei extraordinária a expressão (talvez, quem sabe, lhe não tenha apreendido toda a vasta extensão de sentido): “vou para a terra (…) argilar no silêncio que escuto”.
Falamos em “ir à terra” no sentido de um certo regresso às origens, ou da ou de certa infância feliz (ou apenas marcante para o que depois viemos a ser), ou como reencontro do círculo mais chegado a nós, pela carne e pelo sangue.
Mas “ir à terra” poderá (pode sempre, e em qualquer altura do ano) corresponder a um regresso ao mais telúrico fundamento em nós, nisso em que nos reencontramos com a natureza, mãe e irmã e avó que sempre nos convida a um abraçar as coisas mais simples.
Ela, exigentemente, reclama-nos lembrança e memória do que somos, no mais alto de nós como no mais fundo, e quer de nós coerência de vivê-lo, no fio da lâmina em que precisamente o profano adquire a luminescência do sagrado, e em que este toma o lugar assíduo da profanação a que amiúde nos consentimos.
No assim vivermos ou no não vivermos, tentando “fugir ao consumismo [,] ao bafo quente e doentio dos centros comerciais a abarrotar de gente de olhos tão alheios”, nem aprendemos o pouco ou nulo valor que a vida tem hoje, que quiçá nem a sagramos nem profanamos, nem descobrimos sequer quão valiosa é a memória insepulta dos que partiram já (se a guardamos como mais merece) ou a presença nova dos que nos nascem do ventre dos dias.
Só isso, o recordarmos o ido na memória dos dias porventura sem sentido, nos confere o não esquecermos o que realmente importa para que não seja uma vã inutilidade o estarmos vivos e, na saudade do futuro que no agora mesmo jorra, estarmos vivos realmente, sermos de facto seres sagrados, e sermos também verdadeiramente pro-fanos, nessa profania do que haja de em nós nascer e ser, no natal de cada dia.

Anónimo disse...

Se houvesse também Natal para a hecatombe dos seres vivos sacrificados - bacalhaus, perús, borregos, polvos, camarões e muitos outros - à gula dos ogres humanos!... Como se podem queixar de holocaustos se a cada instante e sobretudo agora, para celebrar o nascimento de um filho de Deus, os cometem!...

Luiz Pires dos Reys disse...

Meu caro animalzinho, não estará na conversa errada, amiguinho?
Ou será que vamos desconversar (sempre podemos, claro!), em dó sustenido menor, a melodia calamitosa da Greenpeace - preciosa, sim, mas quando a conversa, a razão e a ocasião a chamem...

Quem sabe, até, se eu não tenho uma paz menos verde hortaliça e mais dourada de flor (obrigado Herr Richard Wilhelm!)...

(A propósito, meu bichinho: que comeu na noite da consoada? E que terão comidos os esfomeadinhos leões e os outros pobres predadores, coitadinhos? Estou num abismo de dúvida.)

Anónimo disse...

Desiludes, Lapdrey! O teu amor não vai além dos da tua espécie (que a ela por enquanto pertencem, pois ao morrer quem sabe que forma assumirão!...)... Muito espírito, pouco coração...

Luiz Pires dos Reys disse...

Desiludes-me também, Dom Animal!

Se reconheces o Filho de Deus, como escreves (o que para bicho é obra, convenhamos), não sei como lidas com Deus Pai que permitiu o sacrifício de Seu Filho Único, inocente de qualquer crime, o mesmo Deus que não consentiu o sacrifício de Isaac, quando Abraão, firme na fé, nem pestanejou em cumprir a ordem de Deus? (Acabou Deus por enviar-lhe um carneiro para o sacrifício devido.
Ups, Deus deve ter-se distraído nesta…
Demais, não é julgando os outros que isto melhora, meu caro.
Aliás, que eu saiba, e talvez eu saiba, animal não tem faculdade de julgar (Danke, Herr Professor Kant!), ou tem?
Se não tem, acharia eu melhor, além do mais, não te pores a adivinhar que, qual e quanto seja o amor que os outros tenham por isto, aquilo ou aqueloutro. Erras sempre, tal como eu.
Raramente nos surpreendemos, mas os outros (animais aqui incluídos entre os todos “bichos”), esses, sempre nos dão surpresas quando menos as esperamos.

"Muito espírito", não direi: muita mente ainda. Mas, antes isso, que demente.
Estou a trabalhar nela, ou seja, a deixar que deixe de assim trabalhar.

"Pouco coração", por certo. Quem sou eu?
A capacidade de amar é a coisa menos abundante por estes reinos. Mas os exemplos de amor, nas coisas e pelos meios mais inesperados e surpreendentes, dão-me a certeza certa (bom pleonasmo!) de que o homem vale ainda a pena, de que há a esperar ainda, entre os humanos, coisas dignas dos animais, e vice-versa. Também estou a trabalhar nisto: por isso, também, entre outras razões, ando por aqui.

Não sei, por outro lado, que forma assumirei ao morrer, e também para nada me interessa - isso seria partir do pressuposto, pessimista, de que cá volto de novo.
E se não voltar? E se voltar? Adiantaria alguma coisa se soubesse? E como poderia sabê-lo se a balança do deve e haver ainda mexe? E tu, já sabes em forma de que é que vais nascer na próxima?)
Seja como for, estou certo que, com muita probabilidade, assumirei a forma de quem é então justiçado, bem creio, como todos os seres.
Entre mundo “inferior”, mundos "intermédios" (paralelos, oblíquos e ubíquos) e mundo "superior", algum lugar me arranjará a omnipresente justiça que a tudo pesa, Maat cósmica que nos exige a leveza da pena de avestruz na insubornável balança da vida e da morte. Difícil, não?
Quanto pesa a tua alma, animal amigo?
Hum…nem às paredes confessas...?
(A ver se, na hora, não me esqueço de perguntar à Amália)


N.B. By the way! Não te chamei animal, amigo: tu já to tinhas chamado, certo?
Na verdade, animal, entre animais, é prestígio ou refeição: entre os humanos é refeição também , ou desprestígio.
Quase não há diferença, pelos vistos...

Anónimo disse...

Finalmente te revelas: és da mesma raça da Maria da Conceição, os energúmenos que em nome de Cristo assassinam o mundo!... A vossa miséria moral é vertiginosa! Ser Filho do Homem é a maior prova da não divindade de Cristo! Antes o Filho de uma Lesma!

Luiz Pires dos Reys disse...

Revelei o quê, caro usuário “Animal”?
Será que citar uma passagem de tal ou tal livro sagrado para uns tantos, ou outro anatematizado por outros tantos, é um atestado de pertença a determinada religião ou confissão religiosa? Não me parece nada. Parece-lhe? Melhor é mesmo deixar de parecer-lhe.
Mal estariam os romancistas e os historiadores do que seja, se assim fosse.
As guerras sobre que aqueles escrevessem e estes estudassem transformar-se-iam em guerras que na realidade travariam.
Mas não é assim, se bem que provavelmente ainda haja que haver alguns Salmon Rushdie mais, amaldiçoados e condenados à morte por seres humanos pouco humanos, que a morte quiçá já condenou a uma vida de amaldiçoada infelicidade, ou caricaturas ridículas a que pessoas igualmente ridículas não conseguem achar graça alguma, e outras bugigangas de incivilidade global hodierna.
Tudo coisas de que as futuras gerações se partirão completamente a rir, como quem ri de zanguinhas parvas entre garotos, mas a que se acha já menos piada quando tais brincadeirinhas passam a ser perigosas para o quarteirão inteiro, que aqui no caso é um quarteirão mais avantajado.

Parece, meu caro, é que a Inquisição está de volta, mas desta vez sem Roma e sem um Turquemada identificável: pior a emenda que o soneto! Estamos bem arranjados!
E, amigo ou amiga, “energúmeno” em rigor quer dizer aquele que está a ser dirigido, por algo ou alguém que o controla e domina. Aqui, no meu caso, é ...? ...Obrigado.
Por outro lado, se eu aplicasse o mesmo tipo de raciocínio básico - desculpe, mas não há como furtar-me a dizê-lo - à sua frase (“Ser Filho do Homem é a maior prova da não divindade de Cristo! Antes o Filho de uma Lesma!”), poderia dizer-lhe exactamente a mesmíssima coisa que me disse: “Finalmente te revelas: és da mesma raça da Maria da Conceição, os energúmenos que em nome de Cristo assassinam o mundo”. Certo? Pois é!

Caro usuário “animal”, a lesma também é filha de Deus, sim, meu amigo. Como não? E as lesmas humanas também o são. Se bem que estas se afigurem de outra ranhoca.
Quanto a miséria moral, quer explicar-se, ou é pedir muito pouco?
Já agora, um argumento bem fundamentado daria melhor impressão. Fico então ansiosamente a aguardar.
Deixe-se, entretanto (qual Don Quijote pós-moderno), de caça às bruxas que só existem nos grafittis de subúrbio da sua pobre cabeça revoltada (quem sabe, se com as suas muito boas razões), e falemos desassombradamente e sem essa coisa que quer parecer ausência de máscara, mas que no fundo lhe está mais agarrada à cara que a do filme “The Mask”: querendo arrancá-la, vem pele do rosto atrás; vindo pele atrás vem parte da alma atrás.
Cá me parece que isso não tem volta a dar: ou se arranca assim, e dói que se farta, ou então ela fica ali para sempre, e depois passa a confundir-se com o próprio rosto. Humm... não me parece boa coisa...

Quanto à (outra) “coisa” do Filho do Homem, meu caro, isso no fundo é bem semelhante ao Super-homem de Nietzsche, apenas com características míticas contrárias, não é mesmo?
Ninharias para quem saiba ler com os olhos rasgados de lés a lés da alma.

Finalmente, quanto à minha querida “amiga” Maria da Conceição, deixe lá estar “a senhora”: cada Maria da Conceição na sua Ladeira do Pinheiro (paz à sua alma!).
Aliás “esta” nossa amiga nem é dessas berrarias histéricas.
Se bem que seja talvez de outras. Mas dá-se o devido desconto.

Bem, gostei muito deste bocadinho, meu muito caro amigo “animal” (isto o digo sem qualquer ponta de ironia).
Agora, se o meu bom amigo me permite, vou “assassinar o mundo” mais um bocadinho, ok?

(Ah, e desculpe o “esticado” destas pobres linhas: foi o
assuntinho que as elasticou...)

N.B: Eu tenho cá uma pachorrinha para aturar "madurinhos"...
(Ups! Ah, isto não é consigo, amigo "animal", nada disso!)

...Onde isto já vai: começou a propósito de Natal...!
Isto, meus meninos, é que é teologia da libertação (... do tema, claro!)