quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Saudade e Instante
"Para a radical imobilidade da nossa vertiginosa vida e para o gritante silêncio com que clama absurdamente por si mesma, onde encontraremos uma mais sensível figura que nessa Saudade em que o mesmo Pascoaes resumiu o nosso ser profundo? Enganam-se os que vêem nela apenas a disposição anímica prevalente da nossa particular existência. É só uma atenção aguda ao que ela traduz o que nos pode ser imputado. Enganam-se mais ainda os que nela denunciam a mera complacência pelo nosso pasado. A Saudade é a sensível existência humana, a si mesma incessível e próxima. Inacessível porque próxima. Como a de Teseu, a nossa circular aventura decorre num labirinto buscando o dono dele, desde sempre aí esperando-nos, mas impossível de tocar se para ele não nos encaminham os fios do amor e da esperança. São eles que nos asseguram o regresso que a Saudade significa. Nela vemos que os meandros sem fim da nossa caminhada não conseguiram expulsar-nos da terra incircunscrita do Instante. Quem encontramos é o mesmo que buscava, o labirinto é a própria busca antes que a Saudade, de súbito, a faça reverter para o lar da nossa perpétua infância. Aí vemos que o esquecimento não triunfou, que o Instante onde enraizamos corre imóvel sob o seu reflexo tornado criatura a que chamamos Tempo. A segunda vez, o re-conhecimento que a Saudade manifesta é a verdadeira primeira vez, terra de nascimento e não túmulo. Com profunda justiça foi que Pascoaes lhe chamou Criação..."
- Eduardo Lourenço, "Tempo e Poesia", in Tempo e Poesia, Lisboa, Relógio d'Água, 1987.
- Eduardo Lourenço, "Tempo e Poesia", in Tempo e Poesia, Lisboa, Relógio d'Água, 1987.
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4 comentários:
O verdadeiro nascimento e a verdadeira criação: reconhecimento no que Insta, no que In-sta, no sempiternamente antes que não se sedimenta no estar, no ex-istir! E que por isso o torna hiper-sensível...
Hmm... "inst-eressante". :)
Paulo Feitais:
o mundo inteiro é uma espera
um lençol do mais fino linho
sudário e toalha
frio resguardo
e lá no fundo
à beira do horizonte de eu estar no mundo
a última estrela desvanece-se contra o azul claro
da madrugada que há por haver luz
mesmo antes do sol ressuscitar
e sei
que a alma da serra
cabe num coração de homem
e é maior que todo o firmamento
e tem um sorriso de não ter sido
;)
O nosso ser profundo é Saudade, mas essa saudade é divina, porque é esperança. É instante, mas não é nossa. Memória sem passado a que chamemos nosso; Visão que só se reconhece na Criação. É a criação a Saudade? É a sombra, a verdadeira luz? Sombra de nós? Sombra de Deus?
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