O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Cada Homem fala a Sua língua própria

Agora percebi porque eu, como muitos outros portugueses, aprecio tanto falar com pessoas que não falam a minha língua, ao menos assume-se isso de início e a comunicação faz-se com atenção a esse facto, que se mantém quanto aos falantes do idioma português entre si, pois cada ser humano fala a Sua língua pessoal, cada um usa as palavras de acordo com a sua Alma própria. Ninguém, no fundo, fala a mesma língua, cada Homem fala uma língua distinta, pois mesmo usando as mesmas palavras, o sentido que elas têm para si nunca é o mesmo que para outra pessoa.

A música, essa, fala uma língua universal, pois não remete ao pensamento, mas directamente ao sentimento. No Brasil, o povo, caracteristicamente, fala dum modo que supera a compreensão mental, a alma brasileira fala mesmo a cantar (na Bahia então...), praticamente não é necessário pensar no que se ouve, para entender as palavras daquela gente basta usar os sentidos, basta senti-las, pois elas nascem do coração, mantêm-se originais.

As palavras ligam-nos entre nós, mas o que nos liga às palavras somos nós mesmos. São a ponte que nos liga, mas quem percorre a ponte somos nós, quando nos desentendemos a falar, não é a ponte que deixa de lá estar, nós é que a deixámos de cruzar. Quando deixamos de ser as palavras que falamos a ponte desaparece, pois elas só existem em nós, ao serem o próprio corpo da nossa alma.

4 comentários:

Unknown disse...

A dança da solidão

http://br.youtube.com/watch?v=s9DaltKYEkU

Ana Moreira disse...

Magnifico texto, Anita. Tomar como pressuposto que os outros nos entendem e que todas as palavras são absolutamente claras, fazer delas um trono, é a causa de todos os mal entendidos, de todas as guerras. Quem fala ou escreve tem que estar preparado para o debate e para clarificar as ideias que expõe.Assim se constroem pontes, viadutos, vias para o entendimento.

"All mankind is of one author, and is one volume; when one man dies, one chapter is not torn out of the book, but translated into a better language; and every chapter must be so translated...As therefore the bell that rings to a sermon, calls not upon the preacher only, but upon the congregation to come: so this bell calls us all: but how much more me, who am brought so near the door by this sickness....No man is an island, entire of itself...any man's death diminishes me, because I am involved in mankind; and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee."

John Donne,1572-1631,Devotions Upon Emergent Occasions, Meditation XVII

Unknown disse...

:) Às vezes dá vontade de ser mudo ou louco. Pois se não há vontade de abertura para se ser entendido, mais vale não ser mesmo. E deixam-nos da mão... "Oh pobrezinho... não bate bem." Com esta sociedade de gente aparentemente tão ajuizada é mesmo esse o caminho que chama, o de ser louco, e esse é que é o ser humano natural, original. (De preferência louco de amor!...) Isto é, tanto louco racional obriga-nos a regressar à nossa loucura verdadeira. ;)*

Anónimo disse...

Não é primavera…não, é uma estação diferente
Cada olho deve a sua lanquidez a um gozo singular.
Ainda que dancem todos os ramos
Cada uma dança por um motivo diferente.
(in, Rubayat)