O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 10 de março de 2008

Ó Mar (Fausto)

Ó Mar Leva tudo o que a vida me deu Tudo aquilo que o tempo esqueceu Leva que eu vou voltar Ó Mar Como quem vem E regressa ao fundo Do ventre da mãe

Tão indiferente Consumiste na força bravia Todo o encanto das coisas que havia E lançaste na praia ardente Náuseas e pragas Despojos de almas As carnes em chagas As mágoas Condenaste-me à noite De sangue e fogo E vento e sombras Ao teu quebranto Mas deixa-me ao menos O corpo despido Em descanso


Ó Mar Lago imenso de oceanos salgados Onde os rios também naufragados Vão por fim descansar Ó Mar Tecem murmúrios Sensuais Como os amantes Depois Repousam em paz
No teu ciúme Ó sereia do braço da ira Seduziste na tua mentira E arrastaste contigo o mundo Todos os sonhos Os meus desejos Os suaves Outonos E o Tejo São saudades que eu tenho Leve memória Do que já fui Que já não sou Mas se tudo levaste Leva enfim esta dor Que ficou

2 comentários:

Anónimo disse...

De toda a obra de Fausto esta é a que a pessoa que sou mais ama.
O humano que ainda há em mim, ouve-a, agora... e o que a Ana é, de humano, para além dos nomes, dos jogos e da nossa vontade de transcendência ouve as palavras e amúsica sem se deixar prender, apenas paricipando no som profundo de todoa alma portuguesa a chamar pelo mar... Ó Mar... Ó Mãe... ó Morte... Uma litania, um faodo de embalar...semelhante em ecos à Noite de Pessoa... esse rosto de ninguém... o mesmo som fundo de Pascoaes... "Senhora da Noite"... Manuel Alegre em alguns momentos...
A voz humana de Portugal que era e ficou, mesmo depois de adormecidas as índias da alma...Esse mesmo Mar salgado que cai nos meus olhos, por detrás de todas as máscaras... inundando de uma nostalgia e dor rediviva e benéfica. Ó pátria... Ó ilhas distantes e afortunadas ... Ó antiga raiz onde me fundo, matriz daquilo que sou, para além dos astros e das falas...

O murmúrio fundo do mar/essevelho canto duma igreja sem tectos /universal e livre...

Que bela maneira de limpar os restos sonho que ainda moram na claridade baça do olhar...

O ar segredado/pela boca dos búzios/ anoitece no mar/Belo e grande/como a humanidade.

Para ouvir as vezes que for necessário, para além daquelas que já ouvi...

Obrigado, Ana Margarida

Saudades regeneradoras...

Ana Margarida Esteves disse...

Eu e que agradeco, obscuro.

Sabes, a America, nas suas contradicoes e em todo o extase e toda a dor que me faz viver, tem sido a minha maior mestra.