Naquele dia trocámos algumas palavras, à conta de uma bola que veio parar aos meus pés.
- Senhor, a bola…?
- Aqui tens, desculpa. – Disse-lhe.
- Eu é que peço desculpas, distraí-me. Acho sempre que a rua é completamente minha.
- E não é? – Perguntei . O estranho aqui sou eu. Turista. De visita, de passagem.
- Eu acho que a rua é minha. E é aqui que vivo, passo os meus dias quando não estou na escola. Gosto de aprender as coisas da escola, mas na rua também se aprende muito. – Respondeu-me.
Eu já lhe tinha entregue a bola. E ele conversava comigo, lançando a bola de uma mão para outra. Um movimento pendular tão hipnotizante quando o brilho dos seus olhos.
- Diz-me uma coisa que tenhas aprendido na rua.
- Eu? Eu cá aprendi a crescer. A deixar de ser criança. Só quando brinco com os meus amigos – e virou-se para apontar o grupo que o esperava – é que consigo ser um bocado criança e brincar sem pensar muito nisso. De resto, viver na rua é coisa de gente grande. E eu tive que crescer. Não em altura, mas para sobreviver.
Sorriu. Disse-me adeus, acenando com a bola na mão. Voltou para o grupo de amigos e nem olhou para trás. Fiquei a observá-los durante algum tempo, a observar a magia de ser criança «sem pensar».
No dia seguinte, voltei ao mesmo sítio, na esperança que a bola o encaminhasse de novo para mim. Mas as férias acabaram sem que o voltasse a ver. Enfim, também eu tive que deixar de ser «criança» para voltar a pensar em muitas coisas, no meu regresso aos dias de todos os dias. Nesses dias, lembro-me daquele pequeno, para quem a rua era o palco do seu crescer. Aqui os meus palcos são outros.
Comprei uma bola igual ao do pequeno. Guardo-a na gaveta do meu escritório, que é a «minha rua», onde «aprendi a crescer».
texto de Joana Sousa | fotografia de João Sousa
projecto Olhar a Palavra [em olharapalavra.com]
1 comentário:
coisa linda
ternurenta.Só agora li.
beijo
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