terça-feira, 22 de junho de 2010
Só não prego o evangelho pelas portas por falta de tempo e honestidade. Cada um deve comer pelas suas próprias mãos e ninguém tem nada que ir levar deste género alimentício à boca dos outros. Além de que, tenho mau feitio.
Sou uma mistura de raiva com descontentamento.
Os caminhos foram feitos para caminhar, portanto, cada um que avance para o lado que quiser. Estou farto de que me venham com ideologias todo-o-terreno.
Só me deixo enganar pela verdade. A existência para mim é um pau de quatro bicos. Comer, beber, foder e depois escrever um poema é o meu lema. Acreditar é tornar-nos loucos e impacientes. Esperamos que a montanha cresça na mão de uma criança.
A Irene foi-se. Foi bom enquanto durou. Apaixonou-se por um cliente que lhe dava boas garantias futuras. E foi-se. E eu de novo à estaca zero. Aprecio os recomeços. Tenho a sensação de que a obscuridade se torna mais visível. Segundo a minha data de nascimento e hora, a astrologia diz tratar-se de uma ruindade.
Leio livros porque não há carne no frigorífico. Engana-se a fome e a porra da solidão. Há dias em que as noites são bem melhores. A sensação que tenho é que, se me cortarem as pernas, ainda assim eu corro, eu correrei para lá do que sou. As minhas qualidades são inqualificáveis.
Falo de mim porque à minha volta não existe ninguém. Eu só, neste quarto que fede a silêncio e sémen. Mesmo cá em baixo sinto-me no topo do mundo. A realidade é um sonho. E o sonho é uma história mal contada.
Acredito em sereias mas elas não acreditam em mim. É um dilema, este, o de acreditar em livros. Para felicidade tenho o wisky barato. Para tristeza basta-me a sede constante. Meto ambas num saco e tiro à sorte. Hoje calhou-me a felicidade. Estou safo só de pensar nessa possibilidade. Ter costas direitas não significa que seja gente séria. Ouvi dizer que sou surdo e mudo. É preciso ser-se necessário.
Do que falo só há provas no que escrevo.
Sim e não são talvez.
Coragem é pensar.
Pensar é fazer florir rosas brancas num tabuleiro de xadrez.
A guerra começa onde termina.
Não apostes tudo no sim. Deixa fluir o sol. Eu amo porque conheço-lhe a dor. Daqui ali faz-se um filho.
À parte de tudo somos nada. À parte do nada somos outro tanto.
Tenho deus algures no coração do coração.
Tecto e chão são os meus melhores amigos. Sou triste e isso alegra-me. A minha posição no mundo é de guarda-redes.
Só não vendo ideias porque não as tenho. Sou um presumível assassino da morte. Matei a morte.
Não pensar é ouvir-se. Fui Cristo e buda e não me lembro de mais nada e, a sensação que tenho é que ainda dói. Na fúria do mar alto o pensamento tem altos e baixos. Atrás de mim estou eu outra vez. Se o amor fosse digital, amaríamos em série? Felicidade é quando duas moscas batem palmas. Olhos nas orelhas não falta quem. Se a mentira desse subsídios, estávamos podres de ricos.
Juro que além da verdade só digo mentiras. Encontro-me perdido. Achei-me para me perder outra vez. A base de tudo é quem está lá em cima. Nada vezes nada é igual a política. O cigano rouba porque tem vergonha de pedir.
O homem é como a serpente, fabrica o seu próprio veneno. Grande é aquele que tem noção que há muito para crescer. A vida tem encontros imediatos com a morte.
Apesar de tudo foi só uma marca no joelho. Quem tem ferros sabe a tábua que isso é.
Deus alimenta-se de almas, logo, é guloso. No estreito de mim, alarga-se a dúvida. Se, só morre quem está vivo, então, só vive quem está morto. Alguém também é ninguém. Ninguém também é gente. Por vias das dúvidas estamos certos. O bicho come a carne do morto porque não há salgadinhos. É estranho eu não me estranhar.
É azul o verde pranto. A mentira é como a loiça, parte-se, e não foi ninguém. Sonha que ainda a luz não vem abaixo. A vida inteira, a morte incompleta. O que envelhece é a luz. O bom seria partir para o regresso.
Às vezes acontece não haver acontecimentos. O exacto nunca soube como nasceu. O cavalo corre, não pela sua felicidade, mas sim pela sua ignorância. Sejamos menos cavalos. O silêncio é o melhor remédio para a idiotice.
A Irene foi-se embora. Podíamos ter sido felizes. Mas faltava o melhor: a poesia.
Estamos perto de chegar a lado nenhum. Roubar o pão não significa matar a fome. O amor é doce mas sem sexo torna-se amargo. Se não tens para onde ir, desagua num livro. Eu sempre soube que não sabia. Ama primeiro num segundo. Dinheirinho faz dinheiro, e sangue faz sangue.
No circo não fui mais que um simples homem-bala. Em tempos pertenci a um gang de poetas mal inspirados. Agora faço dança de salão numa folha branca. Na verdade, em termos legais e logísticos, estou em ponto-morto. Se a vida tivesse pedais eu podia ir mais longe. Enfim, o fim.
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7 comentários:
E se eu tentasse escrever um poema
à Flávio Lopes da Silva
gostei muito
abraço
Faz lembrar a paladar do loucura.
Gostei muito dos poemas iniciais do Flávio, mas penso que depois começou a repetir a fórmula. Penso que tem muito talento e que, por isso, pode inovar-se naquilo que melhor faz: pequenos (em tamanho) poemas minimalistas.
bom dia!
platero:
sim, amigo poeta platero gostaria de ler um poema dos teus na base dos meus. seria inetressante ver o resultado
Fm- Ra: para dizer que isto não é um poema, nem para lá caminha, mas sim uma crónica humorística, com tiradas aforísticas. só isso
abraço
platero: interessante em vez de inetressante. foi mesmo um lapso.
abraço
E não és tu a ideologia?
Faz-te!
Bem sei que não é um poema. Quando falo em poemas, refiro-me aos poemas iniciais do Flávio, como escrevo no comentário.
a Irene foi-se embora
não sei se profético
no mínimo poético
-Irene é um nome poético
foi-se embora
na minha terra se diria
abalou
:
abalou Irene...
uma espécie de Bernardim Ribeiro
versão para bailado
em sala CCB
homem-bala de Circo - maravilha
homem-canhão de Feira
motard Poço da morte
deus alimenta-se de almas
quem diria
está um calor de frigi-las
se a vida
tivesse pedais
os dias seriam
bicicletas
quem sabe Irene
não voltaria nelas
(novo abraço pelo teu belo texto)
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