O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 12 de junho de 2010

Itinerarium mentis in Deum

O que move a mente no acto intelectivo? Para que fim se encaminha o pensamento? A investigação filosófica é uma busca pela Verdade? Ou a Verdade já está dada por revelação e a especulação é o iluminar desta Verdade que, por revelação, é obscura? Uma outra alternativa ainda é que não existe qualquer Verdade e a especulação avança a partir de si própria, isto é, existe uma dinâmica própria do pensamento, ele é o seu próprio motor (leis da lógica). Logo se segue a pergunta pelo fundamento da lógica. As suas leis têm o seu fundamento no mundo ou são os andaimes do pensamento, só a eles dizendo respeito? Se assim é, tudo acontece num mundo mental desprovido de relação com o exterior.
Filosofia e felicidade. O exercício filosófico apenas faz sentido se proporcionar a felicidade? É a felicidade ou o seu desejo que impulsiona a especulação? O pobre que especula no deserto. O deserto é um local inóspito, despido de vegetação, onde não há água, que causa sofrimento. Local de purgação, ascese, de confronto com os demónios que assolam a alma e que moram nela, lugar agónico. É também local de passagem. Para ir à paz é necessário passar pelo deserto (da razão?).
Em última instância, a felicidade deixa de ser o que move o homem a especular. Quando se dá o apercebimento de que não se necessita de nada para ser feliz e, ao mesmo tempo, que nada deste mundo pode fazer absolutamente feliz, a procura da felicidade deixa de ser o que preocupa e move. A especulação passa a ser fruto do amor. É o amor a Deus que move ao Anúncio. A paternidade e maternidade espiritual é, neste estado, a aspiração da alma. O amor a Deus e aos homens impele a alma a especular e a comunicar. Fazer gerar ideias nos outros. Ajudar a conceber ideias que reflictam a Bondade de Deus. A condução das almas para Deus é a dinâmica que anima a especulação filosófica. E isto é pobreza, na medida em que nada se possui, só o amor que anima a vontade e a vontade que anima o amor.

8 comentários:

Nuno Maltez disse...

A luz ilumina a escuridão. Para lá da luz há sempre (?) escuridão. Quero com isto dizer que quando começamos a especular, é como se vissemos algo que antes não viamos, mas algo que é obscuro no seu ser para nós ou nas suas relações. Por vezes a luz, depois de acesa, apaga-se. Por que se acende? Por que começamos a reflectir? Para semos felizes? Talvez. Porque nos dá prazer saber? Curiosidade?

Paulo Borges disse...

Excelente reflexão. Porque se há-de o amor confinar a Deus e aos homens? Porque se não estenderá a todos e tudo?

Nuno Maltez disse...

Sabes que está lá, mas não sabes o que é.

castus disse...

Estou de acordo consigo, Paulo. "Louvado sejas, meu Senhor, com todas as Tuas criaturas..."

Nuno Maltez disse...

Está de acordo porque está de acordo? Ou está de acordo porque esse texto está de acordo?

castus disse...

Estou de acordo porque estou de acordo. Não me vai pedir para explicar a teoria da univocidade do ser, pois não? Um abraço

Nuno Maltez disse...

Não sei o que é o ser, nem tampouco se há alguma coisa unívoca. À parte cumprimentos, o post está muito bonito. Um abraço, Nuno.

castus disse...

Já somos dois!:)