O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 21 de março de 2010

a Primavera só existe se acreditarmos que houve Inverno

não há primavera

nos campos eternos

na nervura do mundo

que acende nos olhos

o fogo das constelações perdidas

que mostram um céu invertido

no fundo abissal

onde a treva rebrilha ao som furtivo

das lâminas impregnadas de longe e terminação

não há retorno quando o princípio é a alada expansão

de não ter que haver depois

a exacta geometria da contemplação

vulcão de agonia mental

interrogar é sentir a ondulação do oceano sem começo

os ossos em flautas convertidos

harmonia da carne que é vegetativa anunciação do efémero

por momentos a maré vazia descobre as rochas do abandono

por momentos inamovíveis e peremptórias

nada nasce

o esquecimento dá a aparência de nascer às vidas transitórias

o eterno é instante

terrível abrupto inclemente

são as palavras ânforas no bojo dum navio naufragado

restos de viagem na impossibilidade de chegar

chega um momento em que a vida é só isso

a espera crava-se na nudez da fantasia

e fere de firmamento a capacidade de desejar

2 comentários:

platero disse...

só dizer que gostei muito

abraço

Anaedera disse...

e houve.