quarta-feira, 11 de março de 2009
Inocentes do Leblon
Os inocentes do Leblon
não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe imigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.
Carlos Drummond de Andrade
In Sentimento do Mundo
Irmãos Pongetti, 1940
não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe imigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.
Carlos Drummond de Andrade
In Sentimento do Mundo
Irmãos Pongetti, 1940
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6 comentários:
"Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram" - estas palavras perpassaram-me como um calafrio que fosse eco duma ausência em que me exaurisse num nunca que nos fosse fatal.
Como se uma ignorância que se imagina sabedora fosse a própria rédea do mundo e o braço longo que nos ousa deter a mais extreme liberdade de sermos...
Mas, a areia será sempre quente, ainda quando não haja já "óleo suave" para esquecer o que se encontra ao passarmos nas costas de tudo...
Obrigado, Liliana, por mais este arrepiante "sentimento do mundo" drummôndico...
"Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,"
também em mim se retém.
*
Ninguém se apercebe que este poema se refere ao sofrimento de tantos Europeus fugidos da guerra, do extermínio e da pobreza (vejam a data)? O alheamento dos “inocentes” do Leblon estende-se ao outro lado do Atlântico?
Caro Joel,
O tempo e o pretexto dum poema são exactamente isso: como carácter do jorro do seu fulgor, mas também como limite para o funil da leitura.
Que interessa, por exemplo, que o "Werther" de Goethe, seja um derrame arrebatado e melancólico do grande poeta, perpassado pessoalmente por um determinado drama passional? Isso é perfeitamente irrelevante. É história morta, para os historiadores da literatura. A poesia aí inexiste, ou apenas está como cadáver da autópsia crítica.
Prefiro não fazer isso, também aqui, com o imenso Drummond, ou antes, é o próprio poema que em mim o não faz: supera-se da fonte da sua mesma origem.
Aí, ele é eterno. Ali, podemos nós (querendo) aceder a uma chispa disso que o supera.
Grato, na mesma, amigo, pelo esclarecimento a quem o não soubesse.
A questão que deixa ("O alheamento dos “inocentes” do Leblon estende-se ao outro lado do Atlântico?") é, todavia, pertinentíssima e merecedora de nela nos determos, crua e lucidamente.
Abraço.
Mamãe deve estar dando voltas no túmulo, o número tatuado no pulso dela ainda coçando, Lapdrey. Sabe do que estou falando, sabe?
Claro que sei do que está falando! E daí, meu caro? Sem desrespeito pela memória de tantos, terá o povo judeu o exclusivo do sofrimento à face da terra? Todos os outros não são gente, com ou sem número?
É sempre melhor ver, por exemplo, perdão e orgulho nas marcas do suplício (como Paulo de Tarso, e tantos outros, o fizeram), do que um ressentimento que parece não ter final à vista. Isto, mesmo sem meter o abstruso do sionismo pelo meio da história.
Parte sempre do principio de que os outros não entendem o que está a dizer, meu caro Joel?
Isso é bom princípio, se nele dermos igual margem a que os outros tenham, não a Razão, que é um ídolo, mas a sua (deles) razão ou razões...
É disso de que aqui se trata. Tão só.
Ler como parece fazer, meu caro amigo Joel, com um funil de pressupostos, resulta quase inevitavelmente (ou pouco menos) em tresleitura.
Noutros históricos contextos, como bem sabemos, e bem sabe o seu povo (mas sabem também todos os perseguidos por Stalin, em bem maior número, por sinal), isso resultou em tresloucura, coisa que, feliz ou infelizmente, está muito mais espalhada e dissimulada do que à primeira vista se nos evidencia aparente.
À memória dos inocentes: um abraço respeitoso e reverente!
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