Sorve do fogo a chama que é potência
Da memória – mundo que regressa.
Enlaça o corpo. Traga a carne nessa
Sofreguidão. Percorre e sente a essência,
A emanação do sangue, a experiência
Autofágica. Nada há que a impeça.
O mundo nascerá da sua glória
E será em corpo e alma traduzido.
Luta de opostos. Arte tresloucada.
Eterno canto em íntima vitória
-Pendão ungido, erguido e ofendido -
Afirmada, negada e superada.
Xavier Zarco
14 comentários:
saudades,excelsa camarada das letras menores, 'es um dragão ou uma serpente (urobouro)
ADOREI!
*
Uroboros, a imagem do círculo vicioso da vida-morte. Tudo o de que temos de nos libertar.
saudades 'se for antes lembra-te-ás de mim'
ricardo reis
baal,
Primeiro um sorriso. A Saudades é amiga de todas as artes maiores e menores e também nada tem contra as letras que, sendo maiores ou menores - não digo minúsculas ou maiúsculas - como são as "letras" enormes, a meu ver, de Xavier Zarco. Nomeia ele o símbolo alquímico, meio dragão, meio serpente que devora a própria cauda. Representa este símbolo o “nous” devorado pelas próprias trevas ao ser abraçado pela “physis”: "Enlaça o corpo. Traga à carne nessa/Sofreguidão. Percorre e sente a essência," Sendo que “nous” e “physis” se encontram misturados um no outro inicialmente como caos. Eles são activados pela consciência e, tal como Jonas, vivo no coração da baleia, no seu ventre é retido.
O que importa é a transformação, a finalidade da operação alquímica. O "tesouro" que oculto vive na matéria primordial...
Os alquimistas afirmam que no caos reside uma substância que oculta o ouro, mais pesada ela é: o chumbo. É pois o ouro que nos interessa, meu amigo.
"Uroboros", "Ouroboros" contém em si o elemento feminino e masculino, é pois, de natureza hermafrodita: espírito e matéria. O "nous" o "espírito" na matéria-prima inicial é uma "natura abscondita".
Pode-se dizer que sim, que temos todos esse carácter numinoso, divino e sagrado, mas também corporal, a dimensão humana.
Tudo se joga nesse equilíbrio entre os pares de opostos: divino/humano; grande/pequeno; espírito/matéria; claro/obscuro...
A pedra, o fogo, tem aqui um importante papel, por forma a não tornar compulsivo o fogo do conflito. É preciso que esse fogo gerado pela oposição de forças seja o fogo do amor, da arte, da criatividade e do bem. O fogo que é a "Imago Christi", o bem a superar as forças da destruição...
Era isto que queria perguntar?
(baal deu-me trabalho, mas hoje tenho tempo...)
Eu estou mais inclinada para o bem e para além dele... Sou uma "serpente emplumada"
Um abraço
Sereia,
Também acho o poema bem conseguido, em termos estéticos, e BELO na sua mensagem.
Um beijinho salpicado.
Anónimo,
Isso! Libertemo-nos
Gostaria de lhe perguntar, cara Saudades, como vê a relação de Uroboros com o Caminho da Serpente indicado por Fernando Pessoa.
Caro Paulo Borges,
Tenho tempo, mas não é muito. Sabemos que Pessoa é um autor complexo, denso, e também ele difícil de se deixar “agarrar”. O Caminho da Serpente, parece-me, é um dos textos que Pessoa deixa
fragmentado, como outros, mas certamente o exemplar mais claramente esotérico da sua obra.
O entendimento que tenho é de que não existe uma diferença, embora a haja, mas não muito substancial e essencial, entre a "Uroboros" e o mesmo caminho apontado.
Sendo desse excerto, sobre o qual já iniciámos conversa há algum tempo, nunca concluída pela mesma falta de tempo, a seguinte afirmação: “É preciso, quando se é Serpente, passar em Satan, para chegar a Deus."
Conhecemos ambos a obra que é aqui citada no início da Serpente, de resto, no seu “melhor pedaço”.
Mas todo o caminho, se iniciático, pesem os diferentes processos, rituais, labores, etc. é sempre um dissipar gradual ou mais súbito, da ilusão, no sentido de se assumir o homem como Identidade Divina. No caminho da serpente é referido o caminho para um Além-Deus. sendo que, se compreende esse caminho como a “tomada de posse do Ser” pela libertação do mesmo caminho, onde ainda chegam as ilusões, para assumir-se identidade divina, no para além do próprio nome de Deus. A libertação faz-se na dissipaçao e na ultrapassagem, digamos assim, dessa última prisão: a de Deus.
Não sei se me fiz entender ou se respondi. Voltaremos(voltarei) a pensar nisto.
Um abraço, Paulo!
...O símbolo da Serpente é a S deitada, não feita por ascensão, senão por evitação.
Penso já ter dito em outra conversa, que vejo “O Caminho da Serpente” mais como uma daquelas obras que constituía uma invenção teórica de Pessoa. Séria nele, como o era o seu pensamento nestas matérias. Pois penso que essa construção é habitual nele, é um processo, natural ao modo como se desenrola o seu pensamento: Recolhendo,assimilando,compreendendo e criando. (Eia, tanto gerúndios!...) Mais do que de uma “nova” via, penso tratar-se de uma “pessoal” “Nova Ordem Secreta e Iniciática”, para a qual era necessário, tal como para os outros heterónimos e outros pensamentos filosóficos, criar tudo de origem, "passá-los pelo fogo" do seu pensamento O homem era assim...
mas quero mesmo voltar a esse caminho da Serpente, sempre me fascinou e fascinará penso... nele sempre se descobrem novos entendimentos, já para não falar nos mistérios que sempre em alguns textos subjazem e se não podem pensar de forma muito "racional".
...Ainda volto para lembrar, salientar diferenças entre as vias e a "via" que o não é:
"No seu feitio de S (que, se se considerar fechado, é 8, e, deitado, egualmente serpentino, Infinito), a Serpente inclue dois espaços, que rodeia e transcende. (O primeiro espaço é o mundo inferior, o segundo o mundo superior.) Em outra figuração serpentina — a da cobra em circulo, a bocca mordendo a cauda — reproduz-se, não o S, de que a letra é signal, mas o circulo, symbolo da terra, ou do mundo tal qual o temos. No feitio de S a Serpente evade-se das duas Realidades e desapparece dos Mundos e Universos.
A illusão é a substancia do mundo, e, segundo a Regra, tanto no mundo superior como no mundo inferior, no occulto como no patente. Assim, quando fugimos do mundo inferior, por elle ser illusorio, o mundo superior, onde nos refugiamos, não é menos illusorio; é illusorio de outra, da sua, maneira. Só a Serpente, contornando os infinitos abertos — ou os círculos «incompletos» — dos dois mundos foge á illusão e conhece o principio da verdade."
"A G.O. é a libertação, no homem, de Deus, a crucifixão do desfolhavel no morto, do perecível no perecido, para que nada pereça. A G.O., em outras palavras, é a creação de Deus.
A magia e a alchimia são caminhos de illusão. A verdade está só no instincto directo (representado nos symbolos pelos cornos) e na linha directa da sua ascenção ao instincto supremo; no instincto directo, cuja fôrma activa é a sexualidade, cuja fôrma intermedia é a imaginação, fantasia, ou creação pelo espirito, cuja fôrma final é a creação de Deus, a união com Deus, a identificação abstracta e absoluta comsigo mesmo, a verdade."
De contradição e oposição é constituído o pensamento...
Pode, de facto, encontrar-se bastante afinidade entre o pensamento expresso em "O Caminho da Serpente" e a prática de religiões e filosofias orientais, nomeadamente o Budismo. Parecem-me evidentes essas analogias, claro.
Cara Saudades, agradeço a paciência da afinal tão longa e cuidada resposta. A minha pergunta deve-se ao facto de me inclinar a ver um contraste entre um(a) Uroboros que se devora e regenera continuamente, símbolo da perenidade da roda da vida mortal e condicionada, o que os indianos chamam bhavachakra e samsara, e o Caminho de uma Serpente que se evade de tudo porque de si mesma se liberta, não se detendo em nenhuma identidade, sobretudo divina, o que seria a suprema armadilha e ilusão.
Claro que se pode fazer uma outra leitura de Uroboros, mais convergente com a Serpente pessoana e com o que designo por Serpente Emplumada, mas foi este contraste que explorei no "Línguas de Fogo".
Um Abraço, na evitação-cumprimento de todas as vias!
saudades, ofereço-te
'cem vezes a chamma se reascende e se extingue antes de ficar accesa e brilhante. cada christo, cada deus, faz duas tentativas por meio de uma serie de percussores.por toda a parte esses ficam perdidos, isolados nos séculos. mas esses solitários, que não se conhecem, veem no horizonte o mesmo ponto humano.
abraço
Retribuo:
Sussurando ao ouvido do Rei
Previne-o das águas revoltosas
Gilgamesh volta sobre a sua
própria mão a terra
onde moram as Serpentes
E as rosas afundam-se
No lago., Na boca dos cavalos
As rosas ardem
Porque o rei chorou
Sobre a sua mesma morte.
Saudades
Emento: "Sussurando", deverá ler-se "sussurrando".
saudades, só os rios sussuram o seu próprio silêncio, essa sim a verdadeira ausência
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