O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 23 de março de 2009

Edmond Jabès: Deixei uma terra que não era a minha

J'ai quitté une terre qui n'était pas la mienne,
pour une autre qui, non plus, ne l'est pas.
Je me suis réfugié dans un vocable d'encre
ayant le livre pour espace ;
parole de nulle part, étant celle obscure du désert.
Je ne me suis pas couvert la nuit.
Je ne me suis point protégé du soleil.
J’ai marché nu.
D'où je venais n'avait plus de sens.
Où j'allais n'inquiétait personne.
Du vent, vous dis-je, du vent.
Et un peu de sable dans le vent…


Deixei uma terra que não era a minha 
por uma outra que, tão pouco o é.
Refugiei-me num vocábulo de nanquim,
tendo o livro como espaço;
palavra de lugar nenhum, sendo aquela obscura do deserto.
Não me cobri durante a noite.
Não tentei nunca proteger-me do sol.
Caminhei nu.
De onde eu vinha, não havia mais sentido;
Aonde eu ia não inquietava ninguém.
Vento, digo-lhes, vento.
E um pouco de areia no vento...

in Un étranger avec, sous le bras, un livre de petit format – éd. Gallimard, 1989 – p. 98 & 107

2 comentários:

guvidu disse...

"Chaque jour nous laissons une partie de nous-mêmes en chemin" - Amiel

(lembrei-me desta frase que li aos 15 anos)

Paulo Borges disse...

Perfeito.