O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 1 de março de 2009

Canção de uma sombra


Ai, se não fosse a névoa da manhã
E a velhinha janela onde me vou
Debruçar para ouvir a voz das causas,
Eu não era o que sou.


Se não fosse esta fonte que chorava
E como nós, cantava e que secou ...
E este sol que eu comungo, de joelhos,
Eu não era o que sou.


Ai, se não fosse este luar que chama
Os aspectos à Vida, e se infiltrou,
Como fluido mágico, em meu ser,
Eu não era o que sou.


E se a estrela da tarde não brilhasse;
E se não fosse o vento que embalou
Meu coração e as nuvens nos seus braços
Eu não era o que sou.


Ai, se não fosse a noite misteriosa
Que meus olhos de sombras povoou
E de vozes sombrias meus ouvidos,
Eu não era o que sou.


Sem esta terra funda e fundo rio
Que ergue as asas e sobe em claro vôo;
Sem estes ermos montes e arvoredos
Eu não era o que sou.


TEIXEIRA DE PASCOAES
(1877-1952)

6 comentários:

Anónimo disse...

Eu também não era o que sou sem o Pascoaes. Muito obrigada pelo permanente regresso à poesia e à sua força secreta na vida interior da alma.
E pela selecção e pela presença.

Liliana Gonçalves disse...

obrigada pelas palavras.

é sempre bom colher palavras do vento, e sobretudo de ventos do bem.

Boa noite.

Anónimo disse...

olá isabel, quem vem por 'bem' é sempre benvinda.

Anónimo disse...

Interdependência. Também sem o nada nada seria.

Anónimo disse...

Olá Baal! Que bom que me reconheça nos nomes que um dia procurarei ter e ser. Ser como o vento. Mas foi o poema que a Liliana e outras tantas pessoas de boa vontade e, em momentos difíceis, me fizeram senti-los, aos ventos, como a travessia possível. O Bem será sempre discreto e outros como esse nome o encontrarão. Há nomes que nem ousam ser máscaras, são possibilidades das circunstâncias, são vozes que nos atravessam. Nem têm figura, são forças. Um grande sorriso para os dois. Estou atenta às possibilidades dos outros. E há muitas e neste blogue seguramente. A todos respeito e oiço. O meu peito recolhe-os.

JOÃO SILVA disse...

Teixeira de Pascoaes: um poeta de "Sempre".
Teixeira de Pascoaes: o mergulho no principio da incerteza de Heisengerg na construção de uma poesia única e sempre aberta a incursões sem medida.
Teixeira de Pascoaes: me cuido o maior influenciador de Fernando Pessoa.
João Pereira da Silva
Amarante, 10.6.2011