O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 16 de março de 2009

O Dissipador de Rebanhos

Que vemos nós nas coisas senão as coisas que não vemos?
Que vemos nós senão o que ver cremos?
As coisas que não sentimos mas pensamos,
Sobretudo quando só a sentir
Sem pensar nos julgamos?

Pois onde já se viu coisa alguma
Ou alguém que a visse,
Senão pensando haver algo ou alguém
Conforme o crente humano rebanho
Religioso ou não
Unânime sempre o disse?

Pobre de ti que te crês ver
Sem estar a pensar.
Pobre de ti que julgas saber ver quando vês
Enquanto insciente em tudo concebes
O imaginário ente que te crês.

Desperta, desprende-te, desaprende-te!
Não pretendas livrar as partes do todo fazendo um todo de cada parte.
Não suponhas algo existir claramente,
Pois “algo” “existir” “claramente”
É o mais obscuro e místico poetar
Do mais confuso e de-mente do-ente.

Liberta-te de guardar rebanhos.
Desadoece de adoeceres outros por te pretenderes são.
Deixa de te fazer de criança, simples, inocente.
Deixa-te.
Larga-te da mão.

Larga-te da mão.
Pasma-te de te ver a sentir o que pensas.
Arrepia-te de dizer que não sabes o que amas
Mas sim o que é amar.
Abandona o ocultismo de falares de “coisas”, “existência”,
“Fora”, “dentro”.
Desilude-te da “eterna inocência”
De tanto pensando pensares “não pensar”.

Pois, ó intérprete, por isso falso, da natureza que não há,
Ó grande mestre de prestidigitação,
Ó grande ditador de tudo ditando nada pretenderes ditar,
Que és e as coisas que pensando sentes
Senão bolas de sabão
Que sempre instantâneas rebentam antes de as soprar?

Rebentam:
Explodem o ar.

- Fragmento de O Dissipador de Rebanhos.

9 comentários:

guvidu disse...

Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.

Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.

Vem, se te interessas, posso mostrar-te.

Rumi


ao ler esta msg, ocorreu-me este poema que pora caso tinha lido hj de manhã...

o desapego...o processo de iluminação do(s) bardo(s)...a meditação...a oração...e a prática, sempre, da compaixão mediante a humildade e reencontro do átomo no universo.

adorei!

namastê

luizaDunas disse...

I enter the Temple.

As I kneel
the sounds disappear, I do not pray
at my reach there's only the silence
I merge into an obscure divine lightness.

Y.L'A

Anónimo disse...

É interessante ver como o sentido mais fundo da poesia e filosofia portuguesa é a radicalização dessa "titanomaquia", desse combate de titãs, em torno da ideia de realidade de que falava Platão...

A ele assisto, da tribuna da minha indiferença.

Anónimo disse...

Kant,Fé,Razão, redundâncias, e repetições. É esta a 'Filososia'?

Anónimo disse...

Cuidado, Olímpico, pois uma Serpente sempre rói as raizes dos mundos divinos e é das maiores alturas que mais baixo se cai!...

Anónimo disse...

"há sempre o seu quê de loucura no amor... mas há sempre o seu quê de razão na loucura! e quanto a mim, que gosto da vida parece-me que aqueles que melhore se entendem com a felicidade são as borboletas e as bolas de sabão e tudo o que entre os homens se assemelhe" (nietzche); umas enfraquecidas e a estourar com o tempo e outras para sempre eternizadas na memória do que representam! a vida é assim, num soprar nascemos e num estourar já fomos!...

Anónimo disse...

bola de sabão mereces uma boa ensaboadela.
'Nietzsche morreu'
deus

Anónimo disse...

não conhecia este Nietzsche, a ensaboadela fica para quando formos tomar um copo.
abraço

Anónimo disse...

paulo, larga-me da mão. des larga-me, deixa-ser livre ao largo?