O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A pior das Sedes I



Fotografia: Rosemary Laing -Flight Research

Quando era ainda muito nova houve uma revolução. A minha mãe, tal como todos os dias fazia, veio acordar-me. Abriu as portadas das janelas do quarto e disse:
- Hoje não vamos à escola porque houve uma revolução!
Estremunhada pela emoção que lhe sentia na voz, que carregava aquela palavra desconhecida de uma carga mágica, sentei-me na cama e perguntei-lhe:
- O que é uma Revolução, Mãe?
Não fiquei muito entusiasmada com a explicação. Porque haveriam de querer afastar o senhor mais lindo da RTP ( logo a seguir ao Eládio Clímaco, claro está)?
Aprendi muito nos anos que se seguiram mas, aquela não foi a minha Revolução! Contudo, a poesia da música que deu o sinal aos Coronéis de Abril ainda continua a fazer sentido, ecoa profundamente dentro de mim.
Ainda choro quando oiço a raça da canção. Desculpem este desabafo; é mais forte do que eu! Lamento também, se vos incomodo mas vou obrigá-los a ouvir as palavras de José Niza, que o Paulo de Carvalho canta, inflamado pela música de José Calvário:

O choro foi durante muito tempo um reflexo a que eu chamaria condicionado. Sim, é tal e qual como os cães de Pavlov, se substituirmos, obviamente, a campainha logo baba, pela música logo lágrimas.
Era uma Saudade extrema que me rasgava, uma ausência sem fundo, como se aquela letra contivesse uma mensagem que me era dirigida pessoalmente, por alguém de quem me havia esquecido. Assim começou a minha demanda, a pior das Sedes: - Perguntar: Quem sou? O que faço aqui? De quem me esqueci?
( continua...)

5 comentários:

Unknown disse...

... e a melhor das saciedades! ;)*

Unknown disse...

E por cantar o adeus... segue outro post. :P

Anónimo disse...

Ana, Ana...
esta música é linda e sei-a desde menina. E, sabes...há 4 anos uma aluna veio num cd dar-ma e disse:
"professora não sei se conhece...só deve ouvir música erudita (risos) mas esta música é como eu a vejo e sinto."
O cd não estava identificado. E logo ali pedi um leitor de cd's e ouvi. E foram as lágrimas e seguiu-se uma breve explicação sobre o que é uma "revolução" e do que é a poesia. Que nãos e explica. Esse rio imenso que nos leva para dentro do adeus.

Depois tive direito ao cd com as melhores do Paulo de Carvalho. E hoje tenho direito a lágrimas e um texto teu com a infância...acho que consegues adivinhar o resto...

Semente disse...

Que bonito!

Adoro o Paulo. Ele vai lançar um novo trabalho que se chama "DoAmor" e vem a Sintra ao Olga Cadaval apresentá-lo.

Já tive a felicidade de vê-lo ao vivo nessa sala e foi BRI-LHAN-TE!

Obrigada, Ana*

Ana Moreira disse...

Todos aqui sabem que não sou grande comentadora, de qualquer forma gostaria de vos agradecer, os vossos comentários, a generosidade que têm ao ler os textos que colo nas paredes brancas do Serpente Emplumada.
Gostava também de agradecer à Rita Cardoso que com os seus textos sempre repletos de iguarias me oferece horas de gozo introspectivo. Este texto é apenas um comentário incompleto ao texto dela. Obrigada Rita por este festim.