O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


terça-feira, 30 de setembro de 2008

Pastorinha

"Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Seguia-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha...

«Em longes terras hás-de ser rainha»
Um dia lhe disseram, mas em vão...
Seu vulto perde-se na escuridão...
Só sua sombra ante meus pés caminha...

Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora -

Só sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir...
//
Emissário de um rei desconhecido
Eu cumpro informes instruções de além,
E as bruscas frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um outro e anómalo sentido...

Inconscientemente me divido
Entre mim e a missão que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me o desdém
Por este humano povo entre quem lido...

Não sei se existe o Rei que me mandou.
Minha missão será eu a esquecer,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou...

Mas há! Eu sinto-me altas tradições
De antes de tempo e espaço e vida e ser...
Já viram Deus as minhas sensações...
//
...
Quero poder nos campos prolongados
Meu ser abandonar
Aos seus verdes silêncios afastados,
Que amo só de os olhar.
...
Quero poder mudar o universo
De um para outro lado
Como quem junta o seu viver disperso
E o ata com o fado.

Quero, por fim, ser coroado rei
Do nada a quem enfim vou.
Será minha coroa o que serei,
E o ceptro o que sou.
//
Sim, vem um canto na noite.
Não lhe conheço a intenção,
Não sei que palavras são.

É um canto desligado
De tudo o que o canto tem.
É algum canto de alguém.

Vem na noite independente
Do que diz bem ou mal.
Vem absurdo e natural.

Já não me lembro que penso.
Outro; é um canto a pairar
Como o vento sobre o mar."
Fernando Pessoa

10 comentários:

rmf disse...

Fernando Pessoa...

Unknown disse...

e como um dos melhores comentários que eu já tive, para lá do silêncio:

:)

Unknown disse...

o sorriso do sol.

Paulo Feitais disse...

O Teu Sol, Anita! Não pode deixar por aqui um vazio. ;)

Unknown disse...

o Nosso, Paulo, o Nosso.

Paulo Feitais disse...

É, o nosso.
De todos.
Por isso, Anita,
espevita
o teu/nosso
SOL.
:)

Unknown disse...

eheh

Hoje conheci duas pessoas novas e claro que lhes pus a falar desta loucura... isto vai ser mesmo por contágio, não há outro modo! :))

Unknown disse...

(que me pus falar-lhes...)

Unknown disse...

o bicharoco está a atacar-me de tal modo... que só saindo de mim para outros ele se contenta. :P

Anónimo disse...

Ainda outro!