O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Mahavira


Imagem: Google
O estilo de vida duro de Mahavira tinha um objectivo especial. Como todos os ascetas, queria libertar o seu verdadeiro eu dos constragimentos do corpo e assim alcançar controlo interior e paz de espírito. Mas só alcançou a moksha depois de ter desenvolvido um modo totalmente novo de olhar para o mundo, sempre inspirado pela ahimsa: «inocuidade». Cada ser humano tinha uma alma (jiva), uma entidade viva interior, que era luminosa, beatífica e inteligente. Mas os animais, as plantas, a água, o fogo, o ar e até as rochas e pedras também tinham jivas; haviam sido trazidos à sua existência presente pelo carma de vidas anteriores. Por isso, todos os seres partilhavam a mesma natureza e deviam ser tratados com a mesma delicadeza e respeito que desejaríamos nós próprios. Mesmo as plantas tinham uma certa forma de consciência: em vidas futuras, podiam tornar-se árvores sagradas e depois evoluir para forma humana e finalmente atingir a iluminação. Se abdicassem de toda a violência, os animais podiam renascer no céu. A mesma regra se aplicava aos seres humanos que só podiam atingir a moksha se não molestassem as outras criaturas. Enquanto um asceta não adquirisse esta visão empática do mundo, não conseguia alcançar moksha.

Karen Armstrong, Grandes Tradições Religiosas, Temas e Debates, 2009, pp.238-239

6 comentários:

baal disse...

é interresante a parecença com o plano de imanência e o o fluxo vital. espinosa e deleuze, segundo algumas opiniões, sofrem influências da filosofia oriental.
é preciso não esquecer que tudo está em tudo.

Anónimo disse...

e nada está em tudo...
gostava de ler espinosa... alguma obra que recomendes?

baal disse...

claro... a ética, a obra que nunca terminamos de ler, reler e de 'tresler'.
uma verdadeira obra em aberto.

platero disse...

acabo de visitar, aqui perto de mim. em Mora, um equipamento chamado Fluviário - único na Europa e nada frequente em todo o Mundo-
alguns ecosistemas fluviais, com destaque natural para os peixes.
Tem tb um casal de lontras, à semelhança do Oceanário de Lisboa, anacondas - cobras aquáticas da região amozonica,sapos e salamandras
alguns deles em vias de extinção.

interessante é como aquela bicharada toda ganhou "consciência"
de que os visitantes são puramente inofensivos ou estão separados por BARREIRAS que os põem a coberto de suas eventuais tentativas de os molestar.
As próprias mitológicas piranhas
parecem acariciar os dedos das criancinhas que inocentemente as procuram como aos mais inofensivos peixinhos de rio com que estão familiarizadas.

As lontras saltam dos abrigos para mergulhar num lago e posar para o fotógrafo que mora em cada visitante. Estas sorriem mesmo após o seu trabalho de modelos.

Para dizer o quê? que o mais agressivo, perigoso dos animais selvagens o é muito menos do que nós próprios seres humanos. Predadores dos predadores

Paulo Borges disse...

Como o nosso mundo carece desta visão, mesmo que não seja a minha!... Este panpsiquismo está muito presente na poesia e filosofia portuguesas, sobretudo em Antero, Junqueiro, Pascoaes.

antiquíssima disse...

A terrível violência da não-violência...