domingo, 25 de outubro de 2009
Que significa a visão e enigma de Zaratustra?
Liberto do anão que lhe pesava sobre os ombros, o qual, proclama, não conhece e não pode suportar o seu “pensamento abissal (abgründlichen Gedanken)”, Zaratustra detém-se junto de um portal (Torweg, que também significa literalmente “portão louco”), em cujo frontão está inscrito o nome “instante”, onde “se reúnem dois caminhos” frontalmente opostos, que ninguém ainda seguiu “até ao fim”: um estende-se para trás, o outro para diante e ambos duram uma eternidade. Formula então perguntas que simultaneamente se respondem: “Se alguém, todavia, seguisse por um destes caminhos, sem parar e até ao fim, julgas […] que […] se oporiam sempre?”. Contemplando o caminho eterno que se estende para trás, não deverá tudo o que é capaz de correr já o haver percorrido pelo menos uma vez? E não deverá tudo o que pode suceder já haver assim sucedido? Se tudo já foi, não devem também aquele portal, a aranha que rasteja ao luar, o luar, Zaratustra e o anão já haver existido? E não estará tudo tão intimamente interligado que aquele instante não arraste atrás de si todas as coisas futuras, incluindo a si mesmo? Não deverá tudo o que pode correr ter de percorrer uma vez mais o longo caminho que se estende para diante? Não será assim necessário que Zaratustra, o anão e todos percorram esse “longo e temível” caminho futuro e do passado regressem àquele instante?
Ao dizer isto, Zaratustra falava “em voz cada vez mais baixa”, com medo dos seus “próprios pensamentos e da sua oculta intenção”, quando ouve uivar um cão. Tudo se desvanece e encontra-se só perante um jovem pastor que se contorce, com o rosto desfigurado pela repugnância e pelo terror, pois uma forte cobra negra se lhe introduziu na boca, mordendo-lhe a garganta. Começa a puxar pela serpente, sem sucesso, até que uma voz grita pela sua boca: “Morde! Morde! / Arranca-lhe a cabeça! Morde!”. Ao gritar, “espanto, ódio, nojo, piedade”, tudo o que em si “trazia de melhor e de pior”, de si jorrava “num único grito”. Aqui Zaratustra interrompe a narrativa para pedir a todos, “exploradores” e “aventureiros” ou não, que lhe decifrem o enigma daquela visão” que é simultaneamente “previsão”: “Que vi então em imagem? E qual é o que deve chegar um dia?”; “Quem é o homem em cuja garganta se introduzirá assim o que há de mais negro e de mais pesado no mundo?”
Retomando a narrativa, o pastor morde firmemente a cabeça da serpente e cospe-a para longe, levantando-se “com um salto”. Já não é então pastor nem homem: “transformado, transfigurado (iluminado?), ria”, ria como nenhum homem o fez na terra. E o capítulo termina com a confissão:
“Ó meus irmãos! Ouvi um riso que não era um riso humano, e agora devora-me uma sede, uma saudade (Sehnsucht) que nada aplacará.
A minha saudade (Sehnsucht) daquele riso devora-me; oh!, como posso tolerar ainda a vida! E como tolerar agora a morte!”
- Fragmento da comunicação "O Eterno Retorno em Friedrich Nietzsche e Raul Proença", a apresentar no dia 29 de Outubro, no Colóquio "Proença, Cortesão, Sérgio e o grupo "Seara Nova"", que decorre de 28-30 de Outubro no Anf. III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Ao dizer isto, Zaratustra falava “em voz cada vez mais baixa”, com medo dos seus “próprios pensamentos e da sua oculta intenção”, quando ouve uivar um cão. Tudo se desvanece e encontra-se só perante um jovem pastor que se contorce, com o rosto desfigurado pela repugnância e pelo terror, pois uma forte cobra negra se lhe introduziu na boca, mordendo-lhe a garganta. Começa a puxar pela serpente, sem sucesso, até que uma voz grita pela sua boca: “Morde! Morde! / Arranca-lhe a cabeça! Morde!”. Ao gritar, “espanto, ódio, nojo, piedade”, tudo o que em si “trazia de melhor e de pior”, de si jorrava “num único grito”. Aqui Zaratustra interrompe a narrativa para pedir a todos, “exploradores” e “aventureiros” ou não, que lhe decifrem o enigma daquela visão” que é simultaneamente “previsão”: “Que vi então em imagem? E qual é o que deve chegar um dia?”; “Quem é o homem em cuja garganta se introduzirá assim o que há de mais negro e de mais pesado no mundo?”
Retomando a narrativa, o pastor morde firmemente a cabeça da serpente e cospe-a para longe, levantando-se “com um salto”. Já não é então pastor nem homem: “transformado, transfigurado (iluminado?), ria”, ria como nenhum homem o fez na terra. E o capítulo termina com a confissão:
“Ó meus irmãos! Ouvi um riso que não era um riso humano, e agora devora-me uma sede, uma saudade (Sehnsucht) que nada aplacará.
A minha saudade (Sehnsucht) daquele riso devora-me; oh!, como posso tolerar ainda a vida! E como tolerar agora a morte!”
- Fragmento da comunicação "O Eterno Retorno em Friedrich Nietzsche e Raul Proença", a apresentar no dia 29 de Outubro, no Colóquio "Proença, Cortesão, Sérgio e o grupo "Seara Nova"", que decorre de 28-30 de Outubro no Anf. III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
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2 comentários:
Pascoaes deu um salto para 'lá' (o 'lá' não é localizável, é mais uma entoação do que uma coordenada topológica).
Nietzsche emudeceu (talvez ele fosse a serpente que, entrando-lhe na boca, no seu próprio avesso, mordeu a sua própria cauda e descobriu o sem-retorno do mergulho no abismo); Pascoaes do mutismo essencial fez Canto, uma forma suprema de transubstanciação - a descoisificação do que é presente e material pela sua re-Criação num horizonte de impossibilidade pura.
:)
O anão era Deus, Paulo, ou a sua morte.
Certo ou errado?
Um beijo
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