[Olhar analogicamente, como faz a criança, é viver em estado continuado de mística relação com o mundo …A criança não tem crenças: descobre presenças e pertenças]
I e D, junto ao Mar, esperando a última onda e o nascimento de Margarida descobrem que será urgente ensinar-lhe, primeiro pela formação da impressão no olhar, depois pela palavra e pelo silêncio, como é que o Mar fala com o Céu. O que se aproxima do Mar pode conseguir chegar ao Céu. Porque o que quer que seja que se possa dizer sobre um e sobre outro, é pouco mais do que a relação entre silêncio e linguagem e é preciso que se aprenda essa relação ainda antes de aprender a Língua, uma Língua. A relação entre silêncio e linguagem só pode ser clarificada à luz da relação e da experiência que o verdadeiro religioso, o verdadeiro contemplador, sente quando, no silêncio, pressente a mudez de Deus e torrentes refluxivas de palavra o convocam para a profecia inaudita da sua existência. Só o religioso, só o contemplador pode, pelo pensamento analógico mais do que lógico ou judicativo, descobrir na expressão e na comunicação entre o Mar e o Céu, a via para a sua particular e universal comunicação com o Ilimitado. E também entre os outros elementos da natureza: o olhar religioso – todo o contemplativo é religioso – conhece afinidades que o estudioso das morfologias não desoculta. O religioso pensa que o Mar fala para e com o Céu, na medida em que o que é numinoso reconhece o que é numinoso e que entre um e outro há agentes do Silêncio. A relação meramente morfológica das coisas esconde a relação criacional ou sequencial com que o Sem Nome ditou o aparecimento das mesmas. Olharão, como repetirão com ela, nas horas que precedem a dor – essas são de impossível leitura, as páginas da Vida tingem-se de uma cor ilegível para o olhar e são impermeáveis aos fluxos do coração – a frequência das ondas e a formação das nuvens. A formação das ondas e a destruição das nuvens. Seguirão o rastro do pintor e do músico que, escondido, compõe o efémero e, todavia, irreproduzível e inimitável pelo artista humano. Deixaremos, concordam, que aprenda, antes do caderno dos desenhos, o quanto é tudo possível antes da imaginação humana. Demoraremos, pensam, as horas que a Necessidade demorar para preencher os seus sentidos internos e externos com as paisagens visíveis e invisíveis. I e D acreditam que Margarida se concentrará no diálogo, com tradutor, entre a cor do Mar e do Céu, e decifrará a relação entre a pontuação dos sons exclamativos do Mar e os reticentes e interrogativos do Céu, para então, depois da lenta iniciação aos movimentos e aos sons da Natureza, do olhar e só depois de escutar, aprender a ler.
Talvez um dia, pensam com aquela parte da alma em que florescem desejos que são meras aspirações à Beleza, ela perceba que o Mar é tão numinoso quanto o Céu, que na espuma do Mar, nas ondas que se revoltam em confusão de branco e água em agitada convulsão, há uma espécie de vento falante, inquietante, lamuriante, proveniente do Céu mas que também contém a oração dos aflitos. Desejam, também, que ela não tema orá-la nem tema senti-la. Se ofereça aos dias e às horas da Vida em que se forma no humano a Grande Aflição. Nesses dias, como nas paisagens afins às de Mar e Céu, Homem e Sofrimento, a onda ergue a sua água esbranquiçada e revolta e, acima do audível do Mar, como a mão do aflito que acima do rosto reza, implora, entregando a aflição às agentes silenciosas do Céu, nesses dias, em que o Mar submerge as preces excessivas e incontivéis da linguagem humana e as eleva ao Céu, Margarida entenda que há seres criados que desfazem o enigma do nó pré-lógico dos soluços e dos suspiros. Que entenda que essa decifração do som da dor, não o podendo fazer o Mar sozinho, o faz invocando as agentes do Silêncio. As gaivotas. As gaivotas chegando de zonas inomeáveis e antiquíssimas, do branco com que o Tempo veste o que é de outrora, e regressando indistintamente ao Mar e ao Céu, do Mar e do Céu num grande bailado orquestrado pelos acordes da alma lacrimosa, essas agentes de asas muito brancas, pintadas aqui e ali de uma cor indefinida como a dor, entregam traduzido o indiscernível que a linguagem humana emite em tom plangente à linguagem divina igualmente plangente ao que é o Silêncio, ao que é Sem Nome. E, se um dia Margarida perguntar como se traduz o inumano da linguagem na linguagem sem nomes do Sem Nome, I e D, pensam responder-lhe o que por ora sabem: as agentes do Silêncio, inversamente aos homens que são agentes do ruído, sabem a Língua única que a tudo une.
Neste momento da sua espera em frente ao Mar e ao Céu, I e D lembram-se de uma frase velha de Agostinho, rezar é chorar, as confissões são um livro de lágrimas. I e D sabem que não têm uma forma comum de rezar nem de chorar. Mas que esta espera é uma confissão: sentem que é possível a explicação dos pássaros. Prometem explicar à Margarida os pássaros, os agentes do Silêncio, as agentes eleitas do Mar e do Céu. Pensam, com o coração enternecido, que Margarida receberá deles uma verdade invisível aos olhos. Pensam que em cada dia é urgente descobrir uma verdade sem contornos lógicos, para além da crença, para educar uma criança, visto que Margarida, apesar de tudo, vai ser humana. Margarida deverá ser ensinada a olhar a Natureza, anterior à sua espécie, mas mais próxima do grande Mito. Explicar-lhe-ão, visto que foi gerada no Mar, as gaivotas. Com efeito, quando sobre ela, como sobre todos os humanos caírem os dias aMARgos e, dias naturais sem palavras lhe secarem a água viva da voz, sem viva voz chorar e desejar comunicar, I e D esperarão que ela consiga a proximidade com as que no Silêncio agem e entregam ao grande Descodificador da dor o seu incomunicável sentir. Explicar-lhe-ão, nos dias de aprendizagem dessa aproximação, a importância de ver as Ideias sem as palavras e da propedêutica dessa aprendizagem na especial contemplação das gaivotas. No seu bailado. É preciso que aprenda que não devemos dizer senão o que ocupa primeiro um espaço rítmico na alma, depois que não devemos lamentar senão o que for incomunicável quer ao humano quer ao divino. Gostariam, pensam, na contemplação da espera, que a Margarida se sentisse uma flor do Mar, margarida, do jardim submerso do Mar. Gostariam, desejam na contemplação de um sonho, que a Margarida aprenda a cantar com os pássaros e com eles a tarefa mais difícil do tradutor, escutar nas diferenças a unidade, o mesmo. Gostariam, sem porquê, na contemplação do mundo que esta criança por vir não tema brincar às escondidas com o Sem Nome e o procure seguindo as pistas dos pássaros ou das agentes do Silêncio.
Nesta fase I e D terão de acompanhar a contemplação das gaivotas com as narrativas bíblicas e do arcaico livro sumério de Gilgamesh em que se diz que o único homem imortal recolhia todos os bichos que mereciam ser salvos do ruído.
Margarida perguntará o que é o ruído. Por nunca o ter ouvido no vente, nas paisagens. Responder-lhe-ão que o “ruído” é a maior distância possível a Deus, a incalculável distância ao divino. Margarida não perguntará quem é Deus. As crianças conhecem bem não só essa distância dos adultos ao Sem Nome, como intuitivamente sabem todos os caminhos para encontrá-Lo(s) e assim desfazerem a distância. Estar directa e imediatamente com Ele. Sendo que as crianças são místicas criaturas entre as criaturas e procuram Deus no Universo com mais atenção do que os adultos a pérola na ostra. Então, talvez Margarida conclua:
- As ondas são as mãos do mar.
É possível que lhe respondam:
- Com efeito, filha, na espuma do mar, no marulhar das ondas que se revoltam ou somente se voltam para nós, há uma espécie de vento falante, inquietante, lamuriante, que torna as ondas as mãos do crente numa oração de aflitos. A onda ergue a sua água espumosa e revolta acima do nível do mar como a mão acima do rosto que reza, que implora. Agostinho disse que rezar é chorar.
Margarida poderá dizer:
- Das ondas saltam lágrimas grossas, como nos homens muito felizes ou muito tristes. Mãe, pai, mas e as gaivotas? - perguntarão em coro.
- Há sempre gaivotas quando o mar chora…Mãe, as gaivotas podem ser os anjos? Atrás dos homens que sofrem não estão anjos invisíveis? Não tendo corpo, os anjos não podem escolher todos os corpos permeáveis ao Bem e à anunciação? O Mar numinoso, sagrado, perigoso tem mais gaivotas a acompanhá-lo do que todas as paisagens da Terra. Deus confessa-se às gaivotas. Por meio delas lembra-lhes que há inumano na linguagem…
[Provavelmente I e D entreolhar-se-ão] Ela continuará na inesgotável via das analogias. - As penas dos anjos são as penas dos homens. Não haveria anjos se não houvesse homens que sofrem. Nesse sentido, I e D responderão com assentimento feliz:
- Sim Margarida. As gaivotas são como corpos de anjos. Essas são as criaturas que substituem a voz directa de Deus no Paraíso. Mas os homens não escutam as penas do mundo. São indiferentes às gaivotas.
Inquieta com a observação perguntará:
- Mas no Paraíso não haveria Mar, nem gaivotas?! O Paraíso era um jardim com duas árvores ancestrais…como pode o Mar ser Deus e Deus escutar o que provém do Mar?
- Margarida – dirão I e D – depois de Deus ter atravessado desertos, ter enviado os profetas, dos profetas terem regressado sem cabeça, como João, de ter escutado o lamento de Job, Deus chorou. O Jardim do Paraíso está submerso no Mar. No céu Deus terá chorado, criado, sem a tarefa nomeadora de Adão, o Mar. Mas o Homem não lhe aprendeu o som, nem visitou o seu Jardim.
Compreendendo que Deus tem muitas razões para chorar de infelicidade, porque os homens são criaturas impacientes e desligadas do seu fundo, de tudo o que é fundo, Margarida percebeu como as gaivotas mais não são do que anjos e as agentes privilegiadas do Silêncio. Os anjos posteriores ao desgosto de Deus perante a humanidade. As Gaivotas terão vindo depois das lágrimas incontidas de Deus ou do Sem Nome.
- Mãe – indagou desfeita em lágrimas – por que contemplam e rezam tão pouco os homens?
- Pouco…como pouco? – perguntará a mãe.
- Olho o Mar mãe, olho sempre o Mar, e o jardim não se vê. Os anjos não param de esvoaçar, mas nenhum Homem lhes entrega nada para além da sua desatenção…
- Vêem-nas mãe?
Não sabendo que responder, mas tendo percebido, I e D, que Margarida sabia olhar, tomaram-na nua nos braços e contaram-lhe a canção da justiça de Rilke. Para que as analogias fossem a sua esplendorosa e ilimitada forma de olhar. Que fosse sempre o olhar a guiar a pergunta, para não se fechar nela e descobrir mais horizontes do que caminhos.
21 comentários:
Isabel Santiago,
Tenho os olhos húmidos de lágrimas quentes e verdadeiras. E porque o texto é dedicado a todos, até aos que ainda estão por nascer. Apenas digo: Para ler o seu texto, valeu a pena estar presente nesta viagem. OBRIGADO.
Maravilhoso!
Maravilhoso!
Tambem agradeco, Isabel, teres posto o meu nome nessa sublime criatura cheia de interrogacoes.
Recorda-me a Humanidade que em mim ainda esta por nascer ...
Agradeco tambem ao obscuro pelas belas e muito libertadoras meditacoes conjuntas, que tanto me tem ensino.
Sinto-me muito honrada, especialmente pelo de nao ser, de longe, das pessoas que melhor escrevem por aqui ou que trazem as mensagens mais belas.
Querida Isabel,
não posso mais permanecer silencioso.
Graças!
Graças!
O pensar e o escrever da Isabel redimem pensar e escrever de o serem.
Espero que outros se juntem a mim na exortação a que publique um livro com estes belos textos.
Os teus textos têm um fluir de palavra maravilhoso. Há neles qualquer coisa de líquido. Lindíssimo, embora distante dos caminhos que ainda percorro...
Quando desejamos algo para os outros e para nós mesmos, devemos desejar o Paraíso, mas para aprender a Amar é preciso, descer ao Inferno, beijar amorosamente os demónios que, por viverem em nós, se espelham nos outros.
Este texto é inultrapassável. Sem concessões. Junto a minha voz à do Paulo Borges: Isabel, como já te disse, publicares as tuas palavras é um favor que fazes à humanidade, mais, é um dever que tens. Não o podes guardar para ti e para nós, privilegiados. Por favor...
Ana Margarida,
Mesmo que apenas para ouvir a «explicassam dos pássaros» ou o rumor de asas das gaivotas, como posso deixar de estar grato?
Isabel,
Quando as palavras sobrevoam e perdem a gravidade,ficamos como que cegos de tanta luz. Aí deixamos de ser autores do que não é deste mundo.
Apoiadíssimo! Isabel, tens de publicar esses textos ...
De olhos no chão, para dentro do chão (e quem me conhece sabe bem que assim já estou...) vou até à raíz de tudo. De todos. Enterro-me na semente dourada que a todos torna sublimes e a todos empresta a luz, o rasgo, a voz, o timbre, a mão, o aceno, o sorriso. Quando vos leio, sobretudo vos sinto, penso na hipótese sublime de tecnicamente (imagine-se o que digo!) recriarmos essa ideia excelsa de Levinas: o rosto. Sem contexto, sem nome (já aprendi a descobrir-vos antes do nome, pelo que escrevem e como escrevem), sem hierarquia, a curvar o meu à Palavra. À vossa Palavra venha ela sob que forma vier. E, aqui tudo é Palavra. Obedecer ao mandamento do que pedem (no silêncio fico preocupada umas vezes...), receber a dádiva do que enviam (fico cheia de graça quando batem asas e desviam a liberdade para as mãos com que aqui deixam textos, imagens, músicas, poemas), quando sem imagem alguma de quase todos sou comum a cada e com cada um aprendo continuamente a ser. Aprendo a mais difícil tarefa metafísca e ética: acolher os estrangeiros na minha vida. Esse exercício entusiasma-me. Com os estrangeiros recupero o mais familiar. Alargo o reino e encontro reis, princesas, maragaridas e Margaridas! O Encoberto que é cada um. Agora por ordem de aparecimento:
Ao Obscuro: só "Isabel", então. A que não é autora de coisa nenhuma e só leitora. Atentíssima leitora do grande texto de tudo, de todos. (Era o que queria ser). De si e do que escreve, do que vê e tem no quintal, nos quintais adjacentes ao Jardim primeiro. Como vê não sei falar e só agradecer. E comovo-me com o que diz e tantas vezes transparece. Vejo com lágrimas também. As suas e as minhas enchem as minhas mãos cheias de nada. De linhas e um destino que não se sabe. Mas nos pôs a falar de Filosofia e Poesia como desejou, esperou.
À Ana Margarida: que importa escrever se o que vale é ser? Ser no texto escrito não é deixar de ser no Grande Texto da Vida. Honrada sejas também por seres e pelo nome magnífico de todos os campos e panos em que a minha mãe desenhou e desejou margaridas e uma Margarida! Viva pois a Ana Margarida!
Ao José António: quando voltar à Galiza, de que tenho saudades, andarei a espreitar pelas portas para ouvir um narrador contar as mais belas histórias e poemas dos países mais remotos. Entrarei e sem "embarulhar", guardá-los-ei, às narrativas e aos poemas, na alma. Depois sentar-me-ei em frente à Grande Igreja e com o bastão das tuas narrativas e poemas na mão embalarei para o resto do caminho. Afinal, também sou Santiago! Levarei, no silêncio do caminho as graças que te devo, mas não as esquecerei, nem as perderei. Porque a gratidão não tem tempo.
Ao Paulo e ao João: ... e ...e ...tenho as mãos cheias do nada que sempre vos decepcionará. Peço desculpa por não saber ser o que dizem. E sei que o dizem por emprestarem a grandeza do que são aos outros. Mas serei sempre vossa amiga, espero sem vos decepcionar.
À Ana: o abraço e o sorriso. O teu tão belo! Quando os recebo, como uns que recebi no corredor da faculdade, morreu o demónio da solidão. Esse abraço marcou tanto que é um texto. Tu, vestida de ondas e de sorrisos dobrados, triplicados, multiplicados como as ondas...e eu é que sou líquida...
" Que trazeis no sopro?
Mas sei - vós curais
A ofensa do Tempo
Com o verde do Eterno." (Marina Tsvetáeva)
Vocês são o verde do Eterno. É isso que a semente dourada dentro do chão, onde escondo os olhos, me diz de todos. Porque não consegui de outro modo reconciliar-me com o excesso que aqui deixaram. Desculpem.
Tão belos os teus textos ! Isabel, Bela, Belinha, linda ... publica pois, como diz o Paulo Borges...
Isabel,
Chego a Casa, e vou ficar um pouco. São 13h15. Abro as janelas para a varanda, onde me sento entre os vasos cheios de verde e flores, a brisa embala-lhes os ramos e os meus cabelos que também solto. O Sol atinge-me de reflexos. Trago em folhas a voz das tuas gaivotas, e vou percorrer os céus naquela tonalidade quente da imagem que juntaste que me fala do deserto sem eu perceber o que escuto; destinei-me a embarcar daqui logo que os previ leves na insustentabilidade das analogias. Sigo a tua escrita e saio dela para o Mar e dou pela Margarida a olhar.
Senti “as horas que precedem a dor”, talvez porque me encontro meio insone nestes últimos dias e o meu Fogo a custo me brilha na disposição de espírito. Sorrio, sem duvidar das lágrimas de me sentir fora de tudo e a exercitar-me a largar as rédeas.
Deixo o Mar e o Céu.
Fico na linha do Horizonte, isento-me das reticências e das exclamações.
Ai Isabel, a Grande Aflição é uma Primavera, uma rebent.ação.
Olho a Margarida a olhar.
Que silêncio.
O voo do Milhafre é um bailado, muitas vezes, estático.
Agente do Silêncio, fala pouco mas
profundo (voz antiga, ancestral, sabedora).
Mar, Verde, Céu,
Silêncio...
Obrigado pela Beleza e pela Sabedoria, supremas...
Um abraço
João, o que me foste lembrar...houve uma série, "Xailes Negros", em que havia uma canção que era sobre a garça - "Olhó baildado da garça..., o bailado da garça em movimento...- passei horas, mas horas são muitas horas a cantá-la com a minha mãe. Lia, estudava, escrevia e cantava. Belas são as tuas paisagens que cabem todinhas no verso que deixei no comentário anterior. Ainda hei-de ter essa música em cd...agora que me lembro dela...mas já não a sei cantar sem o coro com a minha mãe.
Um sorriso
Luíza não te digo muito. O Silêncio não se interrompe...Passo pela Luíza em silêncio, contemplando a Margarida, cheirando às flores da varanda, e deposito um beijo nas mãos e abro-as como se largasse no beijo outro pássaro. Um Milhafre como os do João e espero que um sopro suave te faça descansar, e que o teu olhar permanente da luz se volte para a Lua da Ana Moreira e Novalis a embale, desfazendo esse estado insone. mando assim um beijo, como o que sugeri acima.
Boa Noite Isabel,
No Rossio já aconteceu umas poucas vezes vir um pombo a voar directo a mim e, na iminência do choque, desviar-se e tocar-me com as asas no cabelo ou muito perto de me tocar, tocando-me de qualquer modo. O som tão próximo do bater das asas deixa-me alerta e alada, é uma música que não se apanha, o esvoaçar, e fica na pele a adejar. Mais vezes acontece passarem-me à frente, vários, em bando, e mais vezes ainda a exibirem sintonias.
Obrigada pelo pássaro no silêncio.
" Que trazeis no sopro?
Mas sei - vós curais
A ofensa do Tempo
Com o verde do Eterno."
Marina Tsvetáeva
Que trazeis nas asas?
Mas sei – vós brilhais
A luzente promessa
Com que vos calais.
Que trazeis no colo?
Mas sei – vós coroais
De rosas o silêncio
Com que vos cobris.
Obscurantíssimo
À Alma tremeluzente do Obscuro
Que dizéis nas palavras?
Mas leio - raios e pétalas
A flor, a Sombra,
com que vos aproximais!
Jardim, noite celestial,
perfume, incandescência de sóis,
versos, poemas,
rosas e velas
Com que que redimes, Ó Alma funda,
o lugar vazio do meu colo,
lugar do sem Milagre e dos cem poemas:
trono da criança-profeta.
Que dizem as tuas palavras?
Curam a ofensa do tempo,
amadurecem a espera do eterno,
Coroam de rosas os instantes
e tornam alados os teus passos.
Na direcção do Espírito:
para o céu mais puro das ideias - nuvens na chuva prometida do dilúvio final que reunirá, na arca, os que falam a mesma única língua sem palavras e só manifestação evidentíssima dos sinais.
Que trazéis nas palavras?
O cumprimento do que espero:
o silêncio fecundo do olhar. O rosto que arrebata as sebes com que separo a vida do Jardim.
Nesse onde floresces como as rosas,
sem porquê!
A alma obscura de "Quem?"
Para ti, anónimo,
Da minha alma fiz o teu abrigo
Ó noite infinita, tão certa e justa,
Guardiã do silêncio e das suas falas,
Profetiza da luz em seu abismo negro,
Devoradora do tempo e mãe voraz,
Paradoxo do mundo
Guardado em seu mistério.
Não sabia, então, que a sombra
Contém em si a luz
E que, da prata da lua,
O sol se cobriria
Das mais douradas vestes.
Estou certo de que o Santo sorria
Debaixo dos andrajos do poeta.
Um abraço espectral
Morar na tua alma
abrigares-me se me obrigares
Falar lá monomaniacamente como a noite -
ser noite na noite
aurora na aurora -
Tu alma que é noite
noite-luz da tua alma.
A sombra é a mais fina luz:
a prata mais bela que os corpos arrastam,
vestidos de Lua,
não por serem, apenas,lunares,
mas milenares.
A sombra é máscara do Sol.
Capa negra com que protege
a fina pele dos sonhadores,
das solares criaturas,
que se despem quando te lêem,
oh escrita, poeta e profeta que abraças a minha.
Espectro. Espelho.
Especular o que invisivelmente nos une:
a mão com que suavemente afastamos os véus das sombras
que escondem o rosto dos que viajam no corcel dourado e prateado da Lua e do Sol.
Para Onde?
O mesmo anónimo que é Quem?
Isabel que em vez de olhos continue a ter flores(margaridas, malmequeres...) e cores e mundos por descobrir!
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