O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 5 de outubro de 2009

"Balada ditirâmbica do pequeno e do grande filho-da-puta" - Alberto Pimenta

À ínclita memória de Camões (que bem conheceu estes tais "pequenos filhos-da-puta"), e do Sá, e do Tolentino e do Bocage, e do Pessoa, e do... e de todos os poetas que os conheceram e conhecem muito bem. Mal vai, na verdade, quem os não conheça ou haja conhecido; e, pior ainda, quem, conhecendo-os, imagine que a poesia e a Poesia nada tenham a ver com isso: têm tudo a ver!!
Aqui deixo, pois, este impertinente "textículo" de Alfredo Pimenta, dedicando-o aqui emocionadamente a Paulo Borges, como "presente de aniversário". Também ele bem conhece esta numerosa, rastejante e terçolhenta fauna. Com um forte e fraterno abraço.



Balada ditirâmbica
do pequeno e do grande filho-da-puta



I
o pequeno filho-da-puta
é sempre
um pequeno filho-da-puta;
mas não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho-da-puta.

no entanto, há
filhos-da-puta
que nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o pequeno filho-da-puta.

o pequeno
filho-da-puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno filho-da-puta.

no entanto,
o pequeno filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o pequeno filho-da-puta.

todos
os grandes filhos-da-puta
são reproduções em
ponto grande
do pequeno filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

dentro do
pequeno filho-da-puta
estão em ideia
todos os grandes filhos-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

o pequeno filho-da-puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o pequeno filho-da-puta.

é o pequeno
filho-da-puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
o pequeno filho-da-puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho-da-puta:
o pequeno filho-da-puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja, o pequeno filho-da-puta.


II
o grande filho-da-puta
também sem certos casos começa
por ser
um pequeno filho-da-puta,
e não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não possa
vir a ser
um grande filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.

no entanto, há
filhos-da-puta
que já nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o grande filho-da-puta.

de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o grande filho-da-puta.

o grande
filho-da-puta
tem uma grande
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o grande filho-da-puta.

por isso
o grande filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o grande filho-da-puta.

todos
os pequenos filhos-da-puta
são reproduções em
ponto pequeno
do grande filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.

dentro do
grande filho-da-puta
estão em ideia
todos os
pequenos filhos-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.

tudo o que é bom
para o grande
não pode
deixar de ser igualmente bom
para os pequenos filhos-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.

o grande filho-da-puta
foi concebido
pelo grande senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o grande filho-da-puta.

é o grande
filho-da-puta
que dá ao pequeno
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o pequeno filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.

de resto,
o grande filho-da-puta vê
com bons olhos
a multipliccação
do pequeno filho-da-puta:
o grande filho-da-puta
o grande senhor
Santo e Senha
Símbolo Supremo
ou seja, o grande filho-da-puta.

Alberto Pimenta

4 comentários:

Luiz Pires dos Reys disse...

Em defesa do poeta veio a grande e temível Natália Correia.

Em ditirambada ao "f-d-p" veio o Pimenta: o Alberto, não o Alfredo.

Que dois!
E que excelentes dois!

(Este post, aliás, foi, como facilmente se percebe, "a pedido"...)

Luiz Pires dos Reys disse...

Ora, bolas! Esqueci-me de dizer:

Quem conseguir ler o post até ao fim tem direito a um beijo de lampreia ou um abraço de morte, dado pelo Pimenta em pessoa.
(Eu disse em pessoa, não disse em Pessoa...)

O Paulo Borges, entretanto, como teve a pouca vergonha de fazer anos hoje - data da implantação do que a gente bem sabe, e data também de outro quinto dia de Outubro, bem mais de lembrar - o Paulo, dizia eu, tem direito ao beijinho e ao abração.

Um felizardo!

Joana Serrado disse...

eu li ate ao fim. Mas ja o conhecia tambem. O poema, claro.

Luiz Pires dos Reys disse...

O Alberto Pimenta não me parece que vá dar-se à pachorrinha de agradecer à Joana o repetir da leitura, pelo menos sem se sair com uma das dele, claro, mas não será isso que o desmotivará quanto à questão do beijo ou do abraço.

A escolha, entretanto, pelo modo como foi colocada, é (digamos) no mínimo "introbufisiocritísica" - exdrúxulo comboio que não sei bem o que signifique, mas isso também não importa aqui para nada.