Anotações, 19 de Junho de 08
Poeticamente sobre a terra, disse Rimbaud
eu digo e eu com a ideia de que sou escravo de mim próprio entre a ideia do que sou e a ideia que não faço de mim? Serei, com ele, escravo do meu baptismo, ainda que isto hoje não me importe. Pois posso esquecer tudo o que me ensinaram, esquecer tudo e toda a gente que me acompanha, esquecer tudo, na esperança de que a vida deixe de ir sendo, não atribuir a esta qualquer significado real, ficar entregue somente à ideia submersa dos meus sonhos. Eu coloco neles a cabeça, afundo-me, fico no lugar do corpo, e espero na forma da sua transformação, onde faço de mim o meu peso, onde faço de mim uma coisa indefinida ao ponto da minha abjecção e alcanço um estado prematuro, onde sou uma espécie de bicho sem ideia do que sou. Reconheço-me com a dificuldade de quem estás prestes a morrer. Sei com Rimbaud, que não fiz o que devia ter feito. Esperar o quê? Se até esta página, como as nossas vidas, começou da pior forma possível. Uma página em branco e o primeiro pensamento que tenho é o de que posso parar de pensar. Uma palavra basta para não querer ser lido. Somos todos uma coisa extinguida em toda a nossa extensão, entre uma coisa nenhuma que dificilmente dura uma vida, e um sonho, que, mesmo se quisesse, não conseguiria sonhar. Esperar o quê? Um sonho que a vida não exulta. Deito-me nele, mantenho-me só e sou um exemplo ausente, presente apenas como sonho por cumprir, um movimento inacabado que não se deixa movimentar, uma ideia em si presa, agarrando-se a si própria na esperança de ser, e a querer, no entanto, pouco antes do seu desaparecimento, profundamente ir. Poeticamente sobre a terra, como disse Rimbaud.
3 comentários:
Habitar poeticamente a terra não será apenas possível desinscrevendo-se dela e de si ? Não será isso, e não menos do que isso, que abre o espaço de todos os possíveis ? Incluindo o de uma outra inscrição, mais livre e criativa, não condicionada pela herança da vida e da cultura ou permitindo transfigurá-la ?
Profundamente ir... eis o humano querer!
O actual paradigma, da mundialização do uniforme, devasta a terra e ameaça a poesia... A diferença fica remetida para os guetos do virtual, como este blogue...
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