O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 5 de junho de 2008

O saber-mo-nos- ocupou -e se ocupou!- o lugar da eternidade...

Fazem-nos acreditar numa realidade como verdadeira, mas ela nunca é verdadeira, quanto muito, está a ser verdadeira num instante que logo muda. Ver o que vemos como sendo verdadeiro é uma tentativa desesperada do ser para acreditar em si mesmo, porque ele sente que existe por isso não pára de se projectar nas imagens que vê - a passar. O ser sente-se ser mas não é capaz de se ser a partir da matéria, porque o ser existe, ou é, porque é fiel a si mesmo, não muda de “cara” e a matéria da natureza em que o ser está -a ser- é bela mas trai! É como se: esta “nossa” matéria da natureza é Eva, e este “nosso” ser, Adão! O corpo de Eva apresenta-se ao olhos do amado como real, mas aquele corpo é um engano, uma imagem que sempre muda e trai o fiel Adão - digo-o como simbolismo apenas - como tudo aqui está a ser. Voltando ao início, o ter consciência de si, a imagem da maçã de Adão que Eva, como matéria, oferece ao ser, não passa de ilusão, porque ela apresenta-lhe esse objecto, e ele, como bom amado, crê nela como se cresse em si mesmo, porém, ele não é esse objecto, porque o objecto passa e o ser fica, o primeiro é efémero e o segundo eterno. A tentação de saber quem somos, trai-nos, porque nos leva a acreditar que somos este corpo e que estas imagens estão a ser fiéis ao ser que representam. Ao provarmos a “maçã” desse conhecimento, cortamos os nossos laços com a eternidade a que pertencemos: ao Paraíso! Só voltando a não saber quem somos - a esquecermo-nos, voltamos a ser quem somos, porque o que somos não está “aqui”, o que somos é algo que permanece para lá “disto” e que junta tempo e eternidade - somos divinos.

13 comentários:

Anónimo disse...

Mal da unidade que não integra a dualidade, mal do ser que não integra o saber... Propões uma mera inconsciência ? Pouco compatível com tantos pensamentos e palavras...

Unknown disse...

Sim, é incompatível para a consciência isolada.

Anónimo disse...

Também és de filosofia ?

Unknown disse...

Sou da "minha" filosofia...

Anónimo disse...

Tens uma filo-sofia "tua" !? Que queres dizer ? Tens um modo particular de amar a sabedoria ou tens uma sabedoria particular ? Se é o segundo caso, temo que isso não possa ser considerado sabedoria. Recordo Heraclito: "Sábio" é escutar não indivíduos, mas o Logos universal (frag. 50, Diels-Kranz).

Unknown disse...

Sim sabedoria só não pode ser, ignorância sábia acho que já...

Luar Azul disse...

mto belo o teu texto, concordo, só acho é que a maçã ou a Eva nos parecia tão apetecível porque não conhecíamos nada melhor. É como apaixonarmo-nos pelo corpo de uma pessoa, é só até a conhecermos mais profundamente. Depois vemos outras nuances e o corpo passa a ser apenas um pormenor, mais uma emanação, daquele ser divino.

Ou seja, qd somos ignorantes ou cegos, vamos pelo palpável, à medida q novos horizontes se vão abrindo, isso começa-nos a parecer pouco, vamos vivendo cada vez mais no mundo do invisível. Mas isso não quer dizer que a maçã seja má, que o corpo da amada seja feio. Pelo contrário, integrado nessa perspectiva mais vasta, ganha uma BELEZA, um sentido, um significado, uma transcendência, mto maior.

Obrigado pelo teu texto!! ^_^

Luar Azul disse...

PS - "é uma tentativa desesperada do ser para acreditar em si mesmo" e também para ter uma identidade, porque sem essa tal visão, se a minha amada não for o corpo, se eu não for o corpo, quem sou eu então...

ah! que até parece que me perco no abismo.

Por isso é q se fala tanto em perder a identidade. Mas no fundo é apenas alargar os horizontes, só se perdem os limites :)

Unknown disse...

A "maçã" ou Eva é tudo o que ocupa lugar e espaço... senão os amamos, resta o vazio infinito.
No âmago não temos uma identidade... só passamos a tê-la quando nos pensamos, nos definimos.

Luar Azul disse...

exactamente! mas para falar contigo...

tem de haver duas faces

apesar de poder haver apenas um não-coração

^_^

Unknown disse...

Ou um coração, que está para lá de ser e não ser.

Luar Azul disse...

ou corações que ainda sabem que o seu destino é a liberdade

^_^

Unknown disse...

Poetas à solta... enfim!