O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


terça-feira, 6 de maio de 2008

Ao nascer, ao pôr do sol, na noite escura

Caspar David FRIEDRICH
Woman before the Rising Sun (Woman before the Setting Sun)
1818-20
Oil on canvas,22 x 30 cm
Museum Folkwang, Essen


Difícil é ser os dois lados da questão, sem demora.
Lembrar tudo o que aprendi, a toda a hora.
Não me deixar envolver no novelo da emoção,
Nem tropeçar no delicado, fino, fio da razão.


Difícil é encontrar o equilíbrio que a roda ordena.
Seguir em frente sempre desperta pra toda a cena.
Olhar prà direita, esquerda, apreciar a aragem,
E, sem cair do triciclo, cruzar tão estreita passagem.


Difícil é fluir como ar ou como água da nascente.
Dar e dar sempre mais, sem temer o secar inclemente
Do Estio, nem comportas, represas, da consciência;
Sem jamais me enfadar, sem perder a paciência.


Difícil é ser assim tão só, tão somente humana,
Nem impassível deusa, nem demónio, nem tropel.
Ver o bem e mal que o todo exala e emana,
Sem atrair o paraíso, sem cair em inferno cruel.


Difícil é rir, rir muito... rir do absurdo de mim...
Desta sede me esquecer, e, enfim...
Sem esperar, presentear-me com um fim!



7 comentários:

Paulo Borges disse...

"Só há homem, quando se faz o impossível" - Agostinho da Silva, "Sete Cartas a um Jovem Filósofo".

Jay Dee disse...

Gostei muito deste espaço. Voltarei*

Isabel Santiago disse...

1. De cansaço morrem os sonhos que não chegam ao futuro a que o Homem tem de chegar/durar. Em dúvida e com dúvidas traça o Homem um círculo em redor da realidade, no desejo de não confundir o que vê de olhos abertos com o que vê de olhos fechados, o que vê de olhos fechados com o que recebe de olhos abertos. Estranhas são as visitas que nos fazem e trazem os sonhos para dentro da vida, como ondas do mar que marulham a verdade do livro que somos e não podemos ler. Estranho é o nosso ser não poder ser, sermos ondas e não podermos ser o mar. Estranho é fazer bolas de sabão e dentro delas não podermos habitar. Estranho é sonhar e depois nada mudar. Estranho é poder viajar e termos de ficar, poder transparecer e preferir esconder. Estranho é poder silenciar e eleger discursar. Estranho é entristecer quando divino é poder sempre brincar, estranho é viver chorando, evocando as nossas ninfas do mar de dentro, quando cantando, a voz se torna de novo onda do mar. Estranho é não atravessar o jardim de onde saem todas as crianças que fomos, e lamentar as flores que deixámos murchar. Estranho é amar quem não nos ama e sempre nos engana com ondas que não são do mar, estranho é amar quem não nos ama e sempre nos engana com ramos que não podia ofertar. Estranho é não poder seguir o mar, a estrela, ou o sorriso por a uma árvore não poderem trepar. Estranho é ser e ter, depois do mar, um anjo com quem falar. Estranho é ser e ter um anjo a quem ouvir confessar e professar as coisas secretas do mar: as frases em búzios murmurantes do mar, e do amar. Estranho é falar e escutar serem o mesmo que pintar e mostrar. Estranho é viver ser o mesmo que narrar e narrar o mesmo que contar, e contar o mesmo que somar e multiplicar, dar e retirar …estranho é chamar e ninguém responder, gritar e ninguém salvar, morrer e ninguém lembrar, escrever e ninguém ler, tocar e ninguém sentir, mentir e ninguém punir, sofrer e não haver ninguém para ouvir, pedir e não passar ninguém para repartir, dormir e ninguém ter a bondade de acordar, cegar e não ficar ninguém para nos encaminhar, desassossegar e não restar ninguém para nos aquietar, ver e não ter a quem contar o tamanho do fundo do mar…e não ter quem nos nomear…nos levantar…nos ensinar a nadar…a sustentar o corpo à superfície…nós que viemos do fundo do mar e do amar, do ser e do dar!
2. Tinha escrito este texto há muito para uma actividade de escrita criativa com uma turma de Humanidades. Foi para eles, é para ti. Mas quando leio o teu texto, para além de invocar este que vale o que vale, senti que o chamaste. Falo assim contigo. Depois, olho a imagem que deixaste, fecho os olhos e digo a tudo o que está à minha volta, parafraseando um verso do Eugénio de Andrade, o génio de Eugénio de Andrade, boa noite, eu vou com esta imagem. Depois talvez chore sem emoções nas razões das lágrimas. Talvez elas sejam sem razões e emoções. E te sorria como se fosse sexta-feira e a luz sombreasse o teu rosto de reconhecimento.

Um abraço

Conceição disse...

ok -continua a escrever poemas-

Anónimo disse...

Difícil é abrir os braços e entregar o peito ao espaço
Fechar os olhos e fazer do medo asas
Cair redondamente da ilusão
Voar sem esforço na imensidão
Respirar o azul, ser o azul,
O ar, a asa e a deslocação
E rir de tudo porque tudo é nada.

Ana Moreira disse...

Isabel, tu não choras... choves! Tudo quanto é verde agradece em profundo reconhecimento.

Que os meus textos e imagens chamem sempre pelos vossos!

Abraços para TODAS as plumas da Serpente.

Anónimo disse...

Interessante. O texto parece bastante autêntico e transparente e liga bem com a imagem.

Se é difícil é porque tens que treinar mais! Ainda assim, não ligues muito a isso. Quando o objectivo é a perfeição, libertação, auto superação, iluminação, e outros sinónimos dessa naturalidade perdida, podemos andar subtilmente enganados. Se calhar todos esses estados tão perfeitos e tão difíceis, são sempre como um horizonte para onde se caminha mas que nunca se atinge.