segunda-feira, 12 de maio de 2008
Holderlin e Pascoaes, em Heidelberga
Heidelberga
"Há tanto tempo que te amo já, e gostaria, pra alegria minha,
Chamar-te mãae e ofertar-te uma canção sem arte,
Ó tu, das cidades da pátria
A mais rusticamente bela de quantas vi.
Como a ave dos bosques voa sobre os cumes,
Assim sobre o rio, ao passar brilhante por ti, se lança
Leve e forte a ponte
Que ressoa de carros e homens.
Como enviado dos deuses, um encanto me prendeu
Um dia à ponte, enquanto passava,
E pra dentro dos montes
Me brilhava a lonjura atraente,
E o jovem rio se internava na planície,
Triste-alegre, como o coração, quando, a si demais belo,
Para morrer amando
Se atira pra as torrentes do tempo.
Fontes lhes deras, deras ao fugitivo
Frescas sombras, e as margens todas
C'o olhar o seguiam, e das ondas
Tremia a sua graciosa imagem.
Mas pesado para o vale pendia o gigantesco
Castelo provado do destino, rasgado das tormentas
Até aos fundamentos;
Mas o Sol eterno vertia
A sua luz rejuvenescente sobre a dec
répita
Imagem gigantesca, e em volta verdejava
Hera viva; bosques amenos
Sussurravam por sobre o castelo.
Tufos de flores pendiam até onde no vale ridente,
Encostadas à colina ou inclinadas pra margem,
As tuas alegres vielas
Entre jardins rescendentes repousam."
Holderlin, trad. de Paulo Quintela
Em Heidelberga a ponte é uma ave;
A lonjura está dentro, não está além;
O encanto foi enviado pelos deuses e os deuses escolhem quem atravessa pontes;
O rio atira-se para as torrentes do tempo para morrer amando, em convulsão?
O rio foge não se sabe para onde, para um lugar sem nome,
porque onde o destino mora há fundos fundamentos e luz rejuvenescida do Alto.
À volta do castelo a hera fala com o bosque e as flores brotam e, em torno de tudo, em Heidelberga, há um caminho de filósofos e da Serpente.
Em Heidelberga a ponte liga todos os caminhos: dos poetas e dos filósofos, das aves e das serpentes, da terra e do céu, da vida e da morte, dos homens e dos deuses.
Em Heidelberga há um só caminho para o peregrino: o caminho da saudade.
Em Heidelberga passeia, na ponte que une todos os caminhos, Pascoaes:
"(...) E as flores, na pureza da paisagem,
Exalam seus aromas matutinos;
E neles vão, em misteriosa imagem,
E mesmo em seus aspectos já corpóreos;
Pois cada aroma tem o mesmo talhe
Da flor que o gera e cria, em seu amor...
As mesmas brancas pétalas de neve,
O mesmo gesto vivo e viva cor.
A alma é um corpo em formas espectrais.
O perfume das rosas é uma rosa,
E o perfume dum lírio não é mais
Que um lírio alado, vago, quase espírito...
E assim a nossa alma, irradiação,
Perfume etéreo, ideal, da criatura,
Tem dela o mesmo talhe, o mesmo vulto,
A mesma escura ou lúcida figura.
Mas, de repente, ó cavaleiro, acordas!
E te vestes de flores (lindo enfeite!)
(...)
Galopas! E as florestas se desolam!
Os torvos ares tremem! E das patas
Do teu cavalo, como pó, se evolam
Sombrias, grossas nuvens de tormenta!
Eis porque choro e tremo, em grande abalo,
Quando bates, de noite, à minha porta,
E corro a abri-la, e em alta voz te falo!
E uma voz me responde, voz longínqua
Que vem talvez da negra intimidade
Da treva ou do meu ser...Quem sabe de onde?
(...)"
Teixeira de Pascoaes, A Sombra do Vento
Quem sabe de onde?
De Heidelberga onde Holderlin e Pascoaes moram na negra intimidade
e se passeiam nas margens e na ponte compondo hinos, recebendo as sombras
e escutado as vozes das aves e das serpentes e o poema, como a rosa, se abre no peito de quem tem uma voz alta e longínqua e desponta sempre e sem porquê na alma de quem os relê...
"Há tanto tempo que te amo já, e gostaria, pra alegria minha,
Chamar-te mãae e ofertar-te uma canção sem arte,
Ó tu, das cidades da pátria
A mais rusticamente bela de quantas vi.
Como a ave dos bosques voa sobre os cumes,
Assim sobre o rio, ao passar brilhante por ti, se lança
Leve e forte a ponte
Que ressoa de carros e homens.
Como enviado dos deuses, um encanto me prendeu
Um dia à ponte, enquanto passava,
E pra dentro dos montes
Me brilhava a lonjura atraente,
E o jovem rio se internava na planície,
Triste-alegre, como o coração, quando, a si demais belo,
Para morrer amando
Se atira pra as torrentes do tempo.
Fontes lhes deras, deras ao fugitivo
Frescas sombras, e as margens todas
C'o olhar o seguiam, e das ondas
Tremia a sua graciosa imagem.
Mas pesado para o vale pendia o gigantesco
Castelo provado do destino, rasgado das tormentas
Até aos fundamentos;
Mas o Sol eterno vertia
A sua luz rejuvenescente sobre a dec
répita
Imagem gigantesca, e em volta verdejava
Hera viva; bosques amenos
Sussurravam por sobre o castelo.
Tufos de flores pendiam até onde no vale ridente,
Encostadas à colina ou inclinadas pra margem,
As tuas alegres vielas
Entre jardins rescendentes repousam."
Holderlin, trad. de Paulo Quintela
Em Heidelberga a ponte é uma ave;
A lonjura está dentro, não está além;
O encanto foi enviado pelos deuses e os deuses escolhem quem atravessa pontes;
O rio atira-se para as torrentes do tempo para morrer amando, em convulsão?
O rio foge não se sabe para onde, para um lugar sem nome,
porque onde o destino mora há fundos fundamentos e luz rejuvenescida do Alto.
À volta do castelo a hera fala com o bosque e as flores brotam e, em torno de tudo, em Heidelberga, há um caminho de filósofos e da Serpente.
Em Heidelberga a ponte liga todos os caminhos: dos poetas e dos filósofos, das aves e das serpentes, da terra e do céu, da vida e da morte, dos homens e dos deuses.
Em Heidelberga há um só caminho para o peregrino: o caminho da saudade.
Em Heidelberga passeia, na ponte que une todos os caminhos, Pascoaes:
"(...) E as flores, na pureza da paisagem,
Exalam seus aromas matutinos;
E neles vão, em misteriosa imagem,
E mesmo em seus aspectos já corpóreos;
Pois cada aroma tem o mesmo talhe
Da flor que o gera e cria, em seu amor...
As mesmas brancas pétalas de neve,
O mesmo gesto vivo e viva cor.
A alma é um corpo em formas espectrais.
O perfume das rosas é uma rosa,
E o perfume dum lírio não é mais
Que um lírio alado, vago, quase espírito...
E assim a nossa alma, irradiação,
Perfume etéreo, ideal, da criatura,
Tem dela o mesmo talhe, o mesmo vulto,
A mesma escura ou lúcida figura.
Mas, de repente, ó cavaleiro, acordas!
E te vestes de flores (lindo enfeite!)
(...)
Galopas! E as florestas se desolam!
Os torvos ares tremem! E das patas
Do teu cavalo, como pó, se evolam
Sombrias, grossas nuvens de tormenta!
Eis porque choro e tremo, em grande abalo,
Quando bates, de noite, à minha porta,
E corro a abri-la, e em alta voz te falo!
E uma voz me responde, voz longínqua
Que vem talvez da negra intimidade
Da treva ou do meu ser...Quem sabe de onde?
(...)"
Teixeira de Pascoaes, A Sombra do Vento
Quem sabe de onde?
De Heidelberga onde Holderlin e Pascoaes moram na negra intimidade
e se passeiam nas margens e na ponte compondo hinos, recebendo as sombras
e escutado as vozes das aves e das serpentes e o poema, como a rosa, se abre no peito de quem tem uma voz alta e longínqua e desponta sempre e sem porquê na alma de quem os relê...
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11 comentários:
Como seria belo, imaginar o diálogo de Hölderlin e Pascoaes em Heidelberg, depois continuado no Marão !... Deixo-lhe o desafio, Isabel !
Como não sou ciúmenta, gostava de ver como seria esse encontro entre Hölderlin e Teixeira de Pascoaes ... em Heidelberg e no Marão.
Um poema do "Caminho dos Filósofos" para a doce Isabel:
"Santa Criatura! Tantas vezes em ti perturbei
A dourada paz dos deuses, e das mais secretas,
Das mais fundas dores da vida
Muitas de mim aprendeste.
Oh esquece e perdoa! Como aquelas nuvens
Passam ante a Lua pacífica, eu passarei, e tu
Repousas depois e brilhas de novo
Na tua beleza, ó luz suave!"
Hölderlin
Bom/a abbite
Um poema do "Caminho da Saudade" para encher a tarde de musicalidade e imesidão a abbite, com comoção
"A vida é sonho, amor, exaltação.
Flama a irromper de eterna escuridão.
É lume a flor e a sombra amanhecente.
A terra é carne, a luz é sangue ardente.
(...)
Cantam as fontes, doidas de ternura;
Seu canto veste os montes de verdura!
E esse infinito Vácuo tenebroso,
Quando o sensibiliza o sol radioso,
Sente grande prazer, grande alegria
E assim nos comunica a luz do dia!
E que loucura as ondas alevanta,
Quando o luar misterioso canta!
Ó mar, à luz do luar! Ó mar profundo,
Em choros que se espalham sobre o mundo!
Ó anjo imenso que, na mão sustentas
O cálix da amargura e das tormentas!
Tudo é sonho e desejo; céu e inferno.
Abrasa tudo o mesmo fogo eterno.
Vive uma estrela oculta no rochedo,
Crepita a seiva ardente do arvoredo.
Têm pétalas de chama a rosa, o lírio.
A substância das cousas é o delírio.
A vida não é mais que sentimento;
Grande incêndio ateado pelo vento
Do mistério sem fim que esconde Deus
E enluta de negrume o azul dos céus!
A vida é uma rajada esplendorosa,
Perpassando e animando cada cousa...
É doido torvelinho, que se eleva
E rasga, de alto a baixo, a fria treva,
Desvendando figuras repentinas,
Formas do amor, aparições divinas!
Poetas, cantai, banhados no clarão,
Que alvorece da infinda comoção,
Que estrelas orvalha a Imensidade
E em meus olhos é lágrima e saudade...
Poetas, cantai a vida, o bem e o mal!Consumi-vos no incêndio universal,
Que enche de labaredas o Infinito!
E é Deus, talvez, num desespero! Um grito
De Deus! Grito de dor incandescente,
Na eterna escuridão, eternamente!"
Deslumbramento, Pascoaes
Assim te grito com o mesmo grito, do poeta e de Deus, porque
grande foi hoje a redenção que me foi deixada na voz de Holderlin no meu peito hoje decadente. Procurarei o perdão, a luz e a escuridão para sair de dentro da aflição. E vibro a paz dourada dos deuses na aflição. Tornada quase figura Klimteana pela mão me enviou tanta cor das estrelas e dos deuses. Ah! Um caminho para ir...
Espero que goste da voz deste, deste poeta do "Caminho da Saudade"...
Isabel,
Retribuo com esta desperta e primaveril "manhã". Chove, mas não tem importância. Gosta da chuva e não deixa de ser Primavera.
De Manhã
"A relva brilha do orvalho; mais rápida
Já corre a fonte desperta; a bétula inclina
A fonte vacilante, e há na folhagem
Sussurro e brilho, e pelas pardas
Nuvens roçam além chamas avermelhadas,
Anunciadoras, erguem-se borbulhantes, silenciosas,
Como maré na praia ondulam
Sempre mais altas, inconstantes.
Vem pois, oh! Vem e não te apresses muito,
Dia dourado, para o alto do céu!
Que o meu olhar, ó jubiloso! Segue-te
Mais franco e confiado enquanto tu
Olhas juvenil em tua beleza, e não és inda
Por demais magnífico e orgulhoso;
Bem podias correr, pudesse eu,
Divino Vagabundo, ir contigo! Mas tu sorris
Da minha arrogância alegre, que desejaria
Igualar-te; abençoa-me então
Minhas mortais acções e aclara e alegra,
Benigno Sol, Hoje o meu calmo caminho!"
Hölderlin
Que o Sol de Hölderlin te ilumine o dia e te alegre o coração.
abbit que a chuva te abençoe e banhe as margens da tua alma. Para ti e respondendo direi...
"Por ti, o sol regressa ao berço de oiro
Por ti, volta a ser água murmurosa
Água que um raio a arder evaporou.
Por ti, é já botão a murchar rosa.
Por ti, o grande roble secular
Volta à semente humilde e pequenina.
Por ti, a luz do sol se faz luar
E o nosso olhar, caindo, se faz lágrima.
Por ti, os passarinhos batem a asa
Em busca do seu par e do seu ninho;
E ao teu sopro de Zéfiro se abrasa
Tudo o que a morte apaga: estrela ou flor.
Por ti, a alma remota, da paisagem
Se aproxima de nós, à luz da lua.
Por ti, a fonte seca da estiagem
Evoca a névoa escura, e logo canta.
Por ti, em nossos olhos sempre ficam
As passageiras lágrimas tombadas.
Por ti, na terra as almas comunicam;
Por ti, no espaço, os astros se contemplam.
És a perpetuação, a eternidade."
Pascoaes
És a chuva e a dedicação. Isso Pascoaes nao sabia, mas eu sei. Um abraço dançado à chuva.
Espantoso, Isabel ! Mas como sabes que gosto de dançar à chuva?! Quando era criança dançava imensas vezes à chuva ... livre. Que saudades desse tempo ... era tudo tão simples... Prometo que dançarei à "luz da lua" e na "névoa escura" de Pascoaes.
"Quando era menino,
Salvou-me um deus muita vez
Da gritaria e dos açoites dos homens,
E então brincava seguro e bem
Com as flores do bosque,
E as brisas do céu
Brincavam comigo.
E assim como alegras
O coração das plantas,
Quando elas te estendem
Os braços tenros
Assim me alegraste e coração,
Pai Hélios! E, como Endymion,
Era eu o teu amado,
Lua sagrada!
Ó vós todos, fiéis,
Amigos deuses!
Se vós soubésseis
Como a minha alma vos amou!
É verdade que então vos não chamava
Ainda pelos nomes, e vós também
Nunca me nomeáveis, como os homens se nomeiam,
Como se se conhecessem.
Mas conhecia-vos melhor
Do que jamais conheci os homens;
Entendia o silêncio do Éter;
Palavras dos homens nunca as entendi.
A mim criou-me a harmonia
Do bosque sussurrante
E aprendi a amar
Entre as flores.
Foi nos braços dos deuses que eu cresci."
Hölderlin
Abraço-te, com a imagem da criança que dançava à chuva no "bosque sussurrante" e "entre as flores" selvagens de Hölderlin e era feliz.
Boa abbitte
Lembrei-me deste cheio de saudades: saudades de ti e dos inomeáveis que atravessam o espaço e o tempo e rompem caminhos inesperados e maternais para as almas perdidas nesta vaga presença sobre o mundo. Olha como diz Pascoaes hoje este poema cheio de amor pelo desconhecido:
"Cai a sombra na terra,
E uma tristeza erra
No céu, na luz do sol a esmorecer...
Que paz imaculada, indefinida!
Fica-nos toda a alma adormecida
No perfume das rosas...
Ó que santa, tristíssima, agonia!
Como Jesus, o sol já sobe à cruz
Tal um círio a expirar, a luz do dia
Não é mais do que a sombra duma luz...
Desejos alongados amanhecem
No vento que vos leva sobre o mar...
E o pobrezinho continua a andar;
Mas parece mais vago o seu cismar
E maior a tristeza que ele sente...
E já partem as velas docemente
E eu sinto em mim angustiadamente
A saudade de alguém que nunca vi..."
Pascoaes
Para ti um perfume de rosas, as velas a partir docemente, para te embalarem neste dia, nesta maior tristeza que a gente sente por ser apenas e tão só gente.
Sorriso com "saudades do futuro"...
"saudades do futuro", Isabel ?!
Talvez do passado... de um passado longínquo ... por isso:
"Todos os dias saio, sempre à busca de outro caminho,
Há muito interroguei já todos os da terra;
Além os cimos frescos, todas as sombras visito
E as fontes; erra o espírito pra cima e pra baixo,
Pedindo sossego; assim foge o bicho f’rido para os bosques,
Onde outrora ao mei’-dia repousava seguro à sombra;
Mas o seu leito verde já lhe não restaura o coração,
Lamentoso e sem sono o aguilhoa por toda a parte o espinho.
Nem do calor da luz nem do fresco da noite vem ajuda,
E em vão banha as f’ridas nas ondas do rio.
E assim como debalde a terra lhe oferece a erva alegre
Que o cure, e nenhum dos zéfiros acalma o sangue a ferver,
Assim, queridos! assim a mim também, parece, e ninguém
Poderá tirar-me da fronte o sonho triste?
Sim, também nada serve, deuses da morte! Que uma vez
Vós os prendais, e amarreis o homem vencido,
Quando, malvados, o tenhais levado pra o fundo da noite horrível,
Para então buscar, implorar, ou raivar convosco,
Ou talvez paciente morar no desterro medonho,
E ouvir com sorriso da vossa boca a insípida canção:
“Se tem de ser, esquece o teu bem, e adormece sem ruído!”
E contudo brota no teu peito um som de esperança,
Tu não podes ainda, ó minha alma! Inda não podes
Habituar-te, e sonhas no meio do sono de ferro!
Não é tempo de festa, mas eu queria coroar meus cabelos;
Pois não estou eu sozinho? mas algo de amigo deve
Lá longe estar perto de mim, e eu sorrio e espanto-me
De como estou feliz assim mesmo no meio da dor.
Luz do amor! Brilhas então também aos mortos, luz dourada?
Imagens de tempo mais claro, alumiais-me vós noite dentro?
Jardins deleitosos, sede, ó montes do entardecer,
Sede bem-vindos, e vós, caminhos calados do bosque!
Testemunhas da celeste ventura, e vós, estrelas do alto,
Que outrora me outorgáveis vossos olhares e bênção!
Vós, amantes também, belas filhas do dia de Maio,
Serenas rosas, e vós, lírios, eu vos invoco ainda!
As Primaveras passam, é certo, um ano impele outro ano,
Alternam-se e lutam, e assim rola com fragor o tempo
Sobre as cabeças mortais, mas não ante os olhos felizes,
E aos que se amam foi dada outra vida mais larga.
Pois todos eles, dias e anos dos astros, estavam,
Diotima! à nossa volta unidos, íntimos e eternos;"
[…]
Hölderlin
Deixo-te hoje, esperando que neste dia de Primavera, de Maio, repouses "à beira do lago" contemplando as águas, as ondas e os "cisnes amantes" de Hölderlin.
Para Abbitte na hora do voo e da despedida
"O sangue espiritual da natureza
Percorre as tuas veias, florescendo
Em simpatia e cândida beleza
A superfície virgem do teu rosto!
E depois tua fronte emoldurando,
Tornou-se negro, esparso, é teu cabelo.
E seus fios remotos vão prender-se
Ao sol, à estrela de alva, ao sete estrelo...
Porque a tua beleza esclarecida
Não finda no teu rosto, e se prolonga,
E voa, e sobe, e abrange toda a vida
E todo o céu, o inferno e toda a morte!
Onde termina a cor que tens na face?
Onde começa a luz do teu olhar?
O céu beija-te os lábios; e esse beijo
Através dele corre, sem parar,
Dando às nuvens o lume que as devora
E dando à estrela o oiro da sua luz;
E põe nas brancas mãos da deusa aurora
O eterno facho ardente..."
Pascoaes
Abbitte fecho o anel aureolado desta conversa poética. Bem que podia continuar, porque onde há poetas há silêncio murmurante e leite matricial para o espírito se alongar sem fome de mais nada para viver. Mas a vida da serpente é caminho e só às vezes nos detemos, nós com ela, para repousar no livre trânsito que a leva até ao mais alto cimo, ao mais elevado imo (desculpa a redundãncia) em que com Águias ela se quer encontrar. Para lá olharemos, porque o que é do Alto sempre se ouve, se mudas e atentas nos soubermos fazer passear nas florestas e nas serras, em Heidelberg ou no Marão. O que é do Alto é utópico e por isso em todo o lado se ouve e recebe.
Agradeço este diálogo, esta paciência ritmíca com que falaste com os que leio e sou menos só, menos pedra sem música de Orfeu ...
Um sorriso feito de versos, um Sol para um Si. Uma música entre nós, porque os que são legentes são escutadores de sons imperceptíveis.
Não é uma despedida, Isabel.
Vou-te lendo por aqui, mais adiante...
Até sempre !
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