O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Os paraísos artificiais


Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.

Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especializadas para desenraizar as árvores.

O cântico das aves - não há cânticos,
mas só canários de 3.º andar e papagaios de 5.º
E a música do vento é frio nos pardieiros.

Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.

A minha terra não é inefável.
A minha vida na terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.

Jorge de Sena, in Pedra Filosofal
Hortense César. (1974). Antologia Poética - 5. 1ª edição. Porto Editora

15 comentários:

Anaedera disse...

Terra sem aves, não existe!

Anónimo disse...

"Inefável é o que não pode ser dito"...
Nem pode ser lugar algum.

Na minha terra levantam-se as manhãs no bico dos pássaros e as árvores ajeitam os ramos para abrigar do frio os pássaro tontos.

Um sorriso (friorento) para os dois.

Brrrrrrrr!!!!

rmf disse...

Ai sinhôres, que geadouro!

Uma dica :)

Há terras onde os pássaros
entram nas gaiolas vazias...

Uma constatação...

Não ligaram peva à imagem, bolas!:)

Um abraço, para quebrar o frio deste frio sem gelo! Geada negra!

Luiz Pires dos Reys disse...

"A minha vida na terra é que é inefável" - diz o Sena.
Que diga, que eu digo também.

Eu – que não sou nem afável nem inefável, e padeço de certa meteorite que almas de mais susceptível "faustio" não apreciam lá muito – eu, eu digo com as filosofais tinturas do Sena:

Aqui, na minha terra,"não há cânticos, mas só canários de 3.º andar e papagaios de 5.º".

"Em países inefáveis" como este, orquestras de câmara autárquicas e desgovernos não muito pré-socráticos "têm máquinas especializadas para desenraizar[em] árvores" humanas. Mas não têm máquinas que desenraízem a “música do vento”.

Há-de mudar a câmara aqui, acolá e acoli - talvez ardente, ou nem tanto. E hão-de mudar aqueles que nos "mudam os jardins ao mês".

"Na minha terra, não há terra" pois tudo é inefável.
E "inefável é o que não pode ser dito".

Diz-se na mesma:

Na minha terra, há árvores, flores aves e jardins onde eu quiser.
Onde eu bem quiser!!

______

P.S.
A imagem também não me ligou pevide, R.
Estamos quites!

(Salve, irmão do gelo! Abraço aqui do Pestinha!!)

rmf disse...

Pois percebo, irmão gelado, o que aqui tão bem acabaste de explanar, e vejo-me obrigado a decalar-me das tuas pisadas.

Pego na tua interpretação? - não. É livre, tal como livre é a imagem que pevide não vale. Aí está a minha interpretação do poema.

O Eu, sim o Eu, o eu de olhos postos na pintura, só, nada mais.
Porque os olhos só vêem aquilo que querem ver, e o mesmo se passa com as palavras.

Qaundo folheias e lês um livro acredita que dele apenas retiras o que mais é esclarecido, e o mais que por dentro ilumina, ou obscurece, tanto dá; porque apenas se religam apenas as pérolas, já cascas se fecham pela lombada.
É isto que é mais gritante, quando se lê um livro com poemas lá dentro.

Agora, uma outra coisa é também certa; não é que este poema é o espelho da minha terra? Há coisas do diabo, seja lá o que for isso que por anteposição seja... sei lá.

Processos critativos, falemos disso, falemos do que não é para falar, com isso é que se aprende.

Aqui, neste cantinho, agora que ninguém nos ouve, posso agora falar do inefável...

Anos devotos passados à criação resumiram-se a esparsos e singelos momentos onde o tema abordado era falar do motivo, da faísca que leva ou induz a coisa alguma. Disso, tenho saudades, porque foram tão poucos que o tempo nem trabalho tem para os deletar. O tempo... inimigo fidagal da memória... O tempo... os dias, os meses, os anos... pim.

Acaso explícito se possa fazer notar, desabafo-me no frio, porque quentes se gelam as lágrimas... entrego-vo-lo-as, são nácar cristalino.

PS - saudades em ver-te por cá, irmão gelado. Serás sempre um vislumbre, um acaso corte passageiro traçado no céu em fino recorte luminoso, a menos que te quedes, por cá, por esta outra Terra, sólida como os astros, para que assim meteorito possas deixar que te admirem e comtemplem, tal como uma criança, na palma da sua mão.

(erro ao enviar... verificação de palavras, 'prensos')

rmf disse...

Eu vou, meu irmão, e não fico... ando a adiá-lo, pois que na verdade nada há que nos prenda, a menos que seja uma inefável ou invisível prisão para os sentidos.

Voltarei amanhã

Abraços, destes braços.

Anónimo disse...

Recebi esse abraço, aqueceu(me) em lume. Mas não me toldou o olhar.

Pássaros amarelos de "paraísos artificiais" de atmosferas da terra inefável. De ruas, de casas, de fábricas... De tudo encaixotadinho para empacotar a Natureza e os pássaros que esqueceram o voo dentro de gaiolas vazias.

Os prédios que "fecham a vista à chave" não deixam ver, dos "canários" e dos "papagaios", outra coisa que o aprisionado olhar. Ainda que em grades deploráveis de sermos inefáveis...


Somos "canários" não por vivermos em "pardieiros" (des)construídos, mas por faltar à alma o sentido de ouvir o vento e os pássaros, na gaiola vazia.

As máquinas do des(governo) não destroem a Saudade dos cânticos de que tenhamos memória inefável... As árvores sobrevivem-nos.

Inefáveis seremos nós na Terra. Inefável, evidentemente, porque não pode ser dita.

Falemos da imagem... brrr! Tremem(me) as mãos na névoa ocre com que colores o inefável ar, os inefáveis telhados e tudo o que, por não pode ser dito, mas olha-nos em imagens...

O "Poeta da montanha" olha de cima dos telhados a inefável vizinhança das coisas... É artifício a arte, a imagem e as palavras, pertencem à categoria dos "pardieiros" da alma, inefável, ela mesma, e vazia...

P.S. Grande coisa para nada dizer! O inefável é onde o pássaro da imagem se fixou.
Há pássaros e há tudo: bruma amarela e geada negra, sem neve...

Abracinho, outro e, já agora, Sena não é "cena", embora (te) acene não do Sena, mas da Terra, porque quero.

P.S.2 Os meteritos são um espectáculo tão belo quanto o cume de uma montanha gelada. Ao cair na neve são "luz arrefecida".

Sorriso, Rui.

Luiz Pires dos Reys disse...

Prezada Dona Saudadite,
Deixando aqui os bons dias a rê-mê-fês e demais bichanos, sou a dizer que os "meterites" ficaram contentes. Por ter Vossa Obséquia gostado do ... "espéctáculo" - se bem que nem eu nem eles saibamos a que se refere.

Ficam, na mesma, as "saudadações" desta vossa insolência.

P.S.
Hoje gostei mais da imagem, caro r(ê)m(ê)f(ê) dos cubos de gelo!

Tem mais peva!

Anónimo disse...
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Luiz Pires dos Reys disse...

Pronto... con-ge-lou!

Ia oferecer-lhe um (com)gelado agora no Natal...
Assim fica sem efeito.

Só a mim é que ninguém me congela.
Bolas!


P.S
Mas, diga-me. É bom ficar congelado, minha boa Amiga?
Qual é assim a... sensação??!
Fico em pulgas para saber.

(Enquanto espero, vou pôr belos dois cubos de gelo no meu nariz, para ver se me melhora a diabinha da sinusite)

Anónimo disse...
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Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luiz Pires dos Reys disse...

Uma bi-nota:

Fiquei
1. tremelicado de dúvidas, em se seja vossa eborosidade ou vossa prima afastidade que sofra de tal achaque agudo. Que maçada! Mas, se uma sofre do agudo, a outra deve certamente sofrer do grave. Para dar afino de acorde.

Fiquei
2. derrubado de gratidão com tal minúcia na explicação do que seja aquilo de congelar-se. Se bem que eu acho menos bem "com"-gelar-se do que "co"-gelar-se. Sempre se gela mais acompanhado. Mesmo que seja à distância dum blóguio.

Risada: entre o canário e o papagaio, do Sena.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
rmf disse...

por força do infortúnio, ausentei-me... é que isto não anda nada bem, sobretudo até para despender de verba, entenda-se pilim, para a comunicação por esta via, já que disse que voltaria no dia seguinte. volto agora só mesmo para vos endereçar um abraço e desejar-vos bom natal.

Não consegui ler, obviamente, os comentários apagados, dá-me ideia que faziam parte de um diálogo, que espero ter sido positivo.

à Anaedera, existe sim. minha boa amiga. Uma saudação especial aos habitantes desse planeta.

bem-hajam