Todos as manhãs preparava um chá para quem pudesse aparecer no fim da tarde com frio. Anos a fio, bebeu o chá sozinha.
Sentada em frente à poltrona vazia, aquecia as mãos na chávena de chá. Olhava o vazio. Enrolada na manta, lembrava de nada. Não conheceu o dono da casa, seu avô. Inventou que a poltrona teria sido dele e respeitou essa propriedade sem nunca lá se sentar.
A despensa estava cheia de bolachas de canela e gengibre. Quando saía para as compras comprava sempre um pacote, não fosse a casa ficar cheia de gente e faltarem as bolachinhas na hora do chá. Abriu um pacote, esqueceu de verificar que a data de expiração já era de há cinco anos. Pouco importa a data agora. As bolachinhas velhas ainda estavam crocantes.
O tempo dita o limite da vida. É tão curto o tempo de agora. Já quase nascemos fora de prazo.
Da janela da cozinha sentiu a brisa fria do mar. As gaivotas anunciavam peixe morto na beira-mar. A noite estava próxima e corria o risco de passar a hora do chá.
Numa bandeja de prata colocou o bule herdado da casa, as chavenas brancas a lembrarem papel de arroz, um pratinho sem cor repleto de bolachinhas. Umas mais doces, outras picantes.
Ajoelhou-se delicadamente como se seu corpo tivesse perdido o peso. Serviu o chá. Ofereceu ao visitante uma bolacha fora de prazo.
Em frente, sentou-se. Abraçou com as mãos a sua chávena. Enrolou-se na manta velha da casa. Esperou.
Sorriu. Largou a vontade. Notou o cansaço. Sentou-se criança. Partiu.
Dizem que a morte aparece sem avisar.
11 comentários:
Vim por curiosidade. Adorei o texto é magnifico parabens.
Muito obrigada.
mais um escrito exemplar
beijinho
(onde pára vídeo com seus poemas?)
apaguei o vídeo. senti-me ridícula.
Platero, vou lançar meu livro de poesia no próximo dia 18, em Lisboa. Conto contigo?
Beijo
Nas mãos inábeis, porém com o inominável respeito e silêncio que as palavras em mim sussurram, caiu-me desta prosa serena (mas talvez não...) o poema que aqui devolvo, ousadamente, à fonte autora:
"Abriu a porta do lado de lá
enquanto ia buscar o Hima
laya - aquele rosto corpo,
anos a fio vazio: de nada.
Não conheceu, inventou,
sem nunca lá se sentar.
Inventou que teria sido, e respeitou.
Estava cheia, sentada na chávena.
Quando saía, comprava sempre,
não fosse faltar gente.
Esqueceu verificar: pouco
importa a data, o tempo dita.
É tão curto o agora.
Fora de prazo, corria o risco.
Ajoelhou-se, como se corpo tivesse.
Ofereceu prazo. Em frente, sentou-se.
Abraçou a chávena, manta da casa.
Largou a vontade criança.
Partiu.
Dizem que aparece."
(Gratidão no paladar: da loucura!)
só posso agradecer a sua generosidade! Obrigada, Oros.
não vou mesmo estar
preciso é de saber depois onde comprar.
ter apagado o vídeo foi uma atitude muito feia. Eu que já tanto o tinha recomendado. Nunca tinha ouvido coisa tão linda
beijo, sucesso pleno para dia 18
Obrigada, Platero. Nesta semana darei notícias do livro. O vídeo - desculpa-me.
serás a convidada especial, Fausta.
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