domingo, 12 de dezembro de 2010
Parábola da criança fria
De um antigo pergaminho manuscrito (parece que a sangue de rosa), achado nas margens dum rio que ninguém já recorda, com esta singela dedicatória no reverso da última dobra, virada para quem disso pudesse espantar-se: “ A quem, sem suspeitar, me deu, (que mo não dou) o que a si se não dá”. Por baixo, podia decifrar-se, ainda que a custo, as palavras Donis de Frol Guilhade. Ainda hoje se não sabe quem seja...
1. De mármore, vinda qual lâmina, no limiar seduzia, do simples perigo de ser. Tudo do vago desafiava em fatal (ainda quente) sussurro, qual filha outra de Pallas.
2. Fremia de combates, em brasa fria – xadrez que nela se jogava com dados.
3. Como se em fuga fora sempre, como se em cada coisa de si quisera furtar-se: para nenhures, para longe da criança de seu frio antigo, que de si nela sempre fugisse.
4. Altiva como a verdade sempre menina, era da verdade a areia movediça mesma: em carne de barro, viva como a cal quente que quase atraiçoa a quem serve.
5. Nela a pureza era justa como um teorema, carente de nada, porém querente de não querer já saber, de só querer demonstrar que nada a demonstrava.
6. Profunda como o sono, que no fundo não tinha para conselho ou amigo, entre o extremo lúcido e o insano impossível, quase trágica. Queria só dormir de si, para, ai, de si repousar.
7. Seu olhar, nocturno farol que na testa o íntimo mostrava ignota de si, na vertigem em que se furtava lograva insinuar-se apenas: mal se dava, logo furtava-se.
8. Como Niké, a de toda a justiça fontana, seu olhar-horizonte do mar demandava continentes no cansaço da alma, ao findor do sem fim do estio em cada tarde esquecida.
9. Avistá-la era anúncio do mais postremo destino: no deserto do desencontro, era ela um simples grão de areia em que se encontrava certo sem-lugar. E era o nisso ter-se (da alegria) a memória mais nobre, mas a mais ténue.
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2 comentários:
Quem raio é este lagriminha de gelo?
Apre!
Que aventesma!
Ainda hoje se não sabe quem seja...
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