O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 29 de junho de 2008

Ainda a Ilha dos Amores como alternativa às câmaras de gás da alma

Nunca se escutou Camões, o que cantou não a Fé nem o Império, não o encontro de culturas, mas a “expedição” de Eros “Contra o mundo rebelde, por que emende / Erros grandes que há dias nele estão, / Amando cousas que nos foram dadas, / Não para ser amadas, mas usadas” (Os Lusíadas, IX, 25). O que cantou a redenção do mundo pela conformidade do masculino e do feminino na Ilha dos Amores, a plenitude do amor sensual e sexual pela qual se abre a divina visão, o messianismo erótico de uma nova raça andrógina de deuses humanos e homens divinos. Ninguém o escuta. Crucifica-se Eros na pornografia e nessas outras obscenidades que são o intelecto, o poder e as honras, o sucesso, a fama e a riqueza. O que faz avançar a civilização, a ciência e a miséria. As câmaras de gás da alma. Mas Eros ri e voa. E quem na cruz fica, exangue e triste, és tu !

in A Cada Instante Estamos A Tempo de Nunca Haver Nascido, Corroios, Zéfiro, 2008, p.9.

9 comentários:

Paulo Feitais disse...

É, caríssimo!
E se somos tocados por essa loucura vespertina (depois da qual tudo se inconsubstancia, o que é o mesmo que dizer que não tem depois, nem antes, nem mesmo é num presente) tudo se mostra como a impossibilidade dançarina de apreender, de agarrar e domesticar, dominar, de negar a ruína da concretude. Deixa de haver categorias que encaixem a excessividade ictiforme daquilo a que chamámos coisas. "Chamar", esse apelo adâmico a que os "seres" se presentifiquem de acordo com uma ordem apreensível e calculável, anula-se na chama, no Sopro sem de onde nem para onde. A invertura do ver, a cegueira do presentir, tudo se colapsa, ganha asas demoníacas e parte-Se, sem rumos ou regressos...

Paulo Feitais disse...

O "s" fugiu do pressentir, veio bater-me na testa que não tenho. Princesa da ortografia, estou à espera, ligeira consuma a presença inclemente de Eros!

Anónimo disse...

A Princesa da ortografia, pela justeza do que dizes, perdoa-te tudo... Até a "invertura" e a "abissão" do outro post... Isto já é português psicotrópico, do Acordo Ortográfico do Quinto Império, quando se abolirem todos os dicionários e gramáticas ! Saúde !

Paulo Feitais disse...

Estais muito meiga... Acho que assim já não vai haver chocalhação... Mas pronto, um perdão é um perdão... ;)

Anónimo disse...

Paulo Feitais, se com minha princesa vos meteis, feito estais!

Paulo Feitais disse...

Parece-me que há por aqui um anónimo a mais.

Anónimo disse...

Ninguém percebe que estamos todos numa câmara de gás da alma !

Paulo Feitais disse...

ó choiriço! Então não podes estar a dizer isso...

Anónimo disse...

Na cruz só fica quem dela se não desprenda por nela nunca se haver deixado prender, como o Cristo gnóstico, que estava sentado em cima da cruz onde deixou o seu corpo fantasma e ria-se.

Devia ser Eros como o Areopagita lhe chamava, mas jamais crucificado.

Docetismo: sabem a relação com o budismo ?