segunda-feira, 30 de junho de 2008

benjamim constant

"L'ordre est toujours en apparence du coté de la force"

*

"O interesse bem-entendido [o liberalismo] permitiu à vaidade criticar indiferentemente o bem e o mal"

*

"on a ravi au pauvre sa liberté en échange de sa subsistance; on s'est cru bienfaisant, quand sous des verroux on lui donnait du pain"

*

"Le péril a paru, et l'intérêt bien entendu a conseillé d'applaudir prudemment au mal comme au bien: de sorte que sous le pouvoir modéré on s'est montré frondeur, et sous le pouvoir violent on s'est montré servile"

*

"Serviu-se o poder injusto porque o interesse bem ententido não queria que se entravasse a carreira de um filho"

*

As sociedades governadas por esta mentalidade são sociedades em que "cada indivíduo seja o seu próprio centro. Ora, quando cada indivíduo é o seu próprio centro, todos estão isolados"

*

"Amigos da liberdade, não é com tais elementos que um povo a obtém, a funda ou a conserva"

(De la Religion...)

the century of stealth


Os ciclos superam-se quando voltam
à toalha de mesa ressequida da decisão.

Talvez nesta refeição deveria irreflectir
durante os tais dez segundos aconselhados
e repetir à pressa uma semana parecida.

Nada resplandecente é planeado pois antes
de contar até quatro já outra arte se perfilou
na fila espatifada das centelhas vagas de
aguardentes por fazerem parte dos triunfos
não-redistribuídos por entre os participantes.

Tens que te espalhar como vasto vapor
tanto denso e próximo ou ligado à corrente
ou deslocado dos coletes gasta-morte ou
oportunista traumatizado por baloiços cujo
velocímetro nunca esteve ao nosso dispôr.

Têm de estar cientes do final do escorrega
para nos interromper-mos em revolta e
que nenhum pânico momentâneo abafe
cada anseio de estalar teus dedos sem trégua,
encarniçados por reaver os troféus das
antigas enciclopédias de Alexandria ou Atlântida.
Causa distúrbios desengonçados de propósito,
preocupando-te em abrilhantar lábios sensatos
donde provenientes estamos submersos mas
modas tanto fazem, dantes tecíamos cada ovelha.

As indecências que artíficios marketizam
deterioram de tanto faz os tratamentos com
placebos testados que levam psiquiatra e
família às Seychelles tentar acordar sem a
ajudazita calmante cujo efeito já não notam.

Estamos cá dentro tentando escapar, à
espera do beatizado bitoque de trombose
coberto em óleo anatómico sem salada.

Pelas frinchas vi-te esses olhos toldados
entre a burka apropriada de cozinheiro,
seria claustrofobia, bíblia ou heroína?

Escolhe a abstinência ou a anarquia pois
ambas são drogas, eu insisto em não dormir
e ir escrevendo o que minto tão afiançado,
somos imperfeições, admitam-se erros
para não se esboroarem retesados de vossa
EGOcidade superior, muda de assunto e xarópe,
tentando não esqueceres a amazónia esquecida
desta obra-prima afrodísiaca e assimétrica que
vamos vendendo em atentados aos daltónicos.

Nossas próprias galinhas engripadas, ou
perpétuamente contadas a netos desatentos,
são plano que mantemos e varia devagarinho
devido ao choque relevante visto de fora ser
miniatura em museus de esparguete mastigado.

Só devia usar anoraque quando chove ecstasy
mas aparentemente ando aguaceiro à anos
com ideias dispersas nulas em trabalho, não
encravo na crónica ideal durante horas, pêlo
correcto prefiro abolir os olhos à estriquinina
e deixar os dedos escolher alfabetos ao acaso,
depois limo pouco, acrescento dicionários em
demasia e volto às interações ratíSIDAs da lida.

É que quando vou ao zoológico do zodíaco e
vislumbro orangotangos encarcerados a morderem
intrusos, penso na erosão das rochas, nos
mexilhões colados empurrados pelas marés,
tudo se me confunde distintamente e não
consigo evitar não desalinhar demoníacos
dadaísmos em parágrafos que me masturbam.

Não sei de minha vida anterior ou próxima
pois faz tudo parte do curriculum mortae e cada
informação nova é taça, aliança ou alavanca
usada no combate crítico ao desfiladeiro do bafo
e seus supositórios intermédios noutras macieiras.

Esculturas sensíveis, gravuras na memória magra
lá para o meio do jardim das papoilas persecutórias,
ou no canto arrumadas até serem inspiradas por
possessão exterior, concentração ou interesse,
papam a orquestra a tempo de hesitar no fim,
ups!
Perdi?



in QUIMICOTERAPIA 2004

domingo, 29 de junho de 2008

Ainda a Ilha dos Amores como alternativa às câmaras de gás da alma

Nunca se escutou Camões, o que cantou não a Fé nem o Império, não o encontro de culturas, mas a “expedição” de Eros “Contra o mundo rebelde, por que emende / Erros grandes que há dias nele estão, / Amando cousas que nos foram dadas, / Não para ser amadas, mas usadas” (Os Lusíadas, IX, 25). O que cantou a redenção do mundo pela conformidade do masculino e do feminino na Ilha dos Amores, a plenitude do amor sensual e sexual pela qual se abre a divina visão, o messianismo erótico de uma nova raça andrógina de deuses humanos e homens divinos. Ninguém o escuta. Crucifica-se Eros na pornografia e nessas outras obscenidades que são o intelecto, o poder e as honras, o sucesso, a fama e a riqueza. O que faz avançar a civilização, a ciência e a miséria. As câmaras de gás da alma. Mas Eros ri e voa. E quem na cruz fica, exangue e triste, és tu !

in A Cada Instante Estamos A Tempo de Nunca Haver Nascido, Corroios, Zéfiro, 2008, p.9.

Ilha dos Amores


Agostinho da Silva : (…)
Então, a primeira ideia que Camões coloca aos portugueses que pensaram construir o tal Céu na Terra é que não se atrapalhem a fazer muitos planos porque, quem sabe, por vezes os planos, se os marinheiros os tivessem – não iriam atrapalhar os planos da Deusa. É ela que anda com a Ilha de um lado para o outro, até ver o momento certo de a colocar diante das proas dos navios, de tal maneira que os marinheiros desembarquem.

Então, existe um ponto importante, que é o seguinte: nenhum navio teria chegado ali se os marinheiros não tivessem cuidado do navio todos os dias, baldeado o convés, remendado as velas, tratado do cavername. Não devemos fazer planos para aquilo que queremos alcançar, atrapalhando com eles a vida, mas devemos manter os nossos navios inteiramente em ordem, em perfeita ordem, para que eles cheguem lá…

E além disso, possuir as forças internas de tal maneira dispostas que não fiquemos hesitantes diante das Ilhas, não sabendo se desembarcamos se não desembarcamos.”

In Conversas com Agostinho da Silva, por Victor Mendanha
(Terceira Conversa – o passado no futuro)

A caminho do Brasil - Versão musicada:-)

http://www.youtube.com/watch?v=lQwSVKBXd4w

Sete Mares

Letra e música: Sétima Legião
In: "Mar D'Outubro"

Tem mil anos uma história
de viver a navegar
Há mil anos de memórias a contar
ai, cidade á beira-mar
azul

Se os mares são só sete
há mais terra do que mar ...
Voltarei amor com a força da maré
ai, cidade à beira-mar
ao Sul

Hoje
Num vento do Norte
Fogo de outra sorte
Sigo para o Sul
Sete mares

Foram tantas as tormentas
que tivemos de enfrentar...
Chegarei amor na volta da maré
ai, troquei-te por um mar
azul

Hoje
Num vento do Norte
fogo de outra sorte
Sigo para o Sul
Azul

sábado, 28 de junho de 2008

A caminho do Brasil

Amigos,

Acabo de regressar a hoje a Portugal, depois de alguns dias em inglaterra e Bélgica, precedidos por um longo e delicioso fim-de-semana no calor líquido e sensual do Algarve, onde a Saudade é aquela de nos desfazermos em tudo de viver tão intensamente o momento presente.

Amanhã à noite voo para o Rio de Janeiro, onde estarei até Agosto de 2009. Volto a Portugal em Dezembro para festejar o Natal e a Passagem do Ano com a família e amigos.

Demorará cerca de duas ou três semanas até encontrar casa e ter internet instalada em casa. Por isso, não se admirem se os meus posts e comentários forem mais espaçados durante este preiodo.

Podem ter a certeza de que nunca me esqueço de vocês e que muito em breve voltarei com mais posts, mais fotografias, mais comentários ... e mais "bocas" desinquietantes;-) (pelo menos assim espero que o sejam).

Um fortíssimo Abraço e até muito em breve,

Ana Margarida

“Philosophical counseling and the philosophical life"

«In recent years, in the world of philosophical practice, attention has beenbuilding towards the dimension of the "philosophical life", that is to say a life guided by that which some would call a "search for wisdom", others "the art of life", others still "the ability to know how to live" (lebenskönnerschaft). On several levels, the view has been that the professional practice of philosophy is hard to imagine without a connection to the personal practiceof philosophy as a “life style”.In this Ninth International Conference on Philosophical Practice,we would like to explore from an international viewpoint the relationship between the professional aspect and the “philosophical life”and to draw a picture about the actual state of affairs.»

mais informação em: http://www.carloforte2008.eu/index.htm

poema de alexandre vargas

Deus, num ápice


Levanta-se Deus não bebe o leite das galáxias
mas café forte da negra noite circundante
e sumo solar em planetas e laranjas
com ovos estrelados céu translúcido de glória.

No prato cósmico espeta o garfo de Neptuno
e de Vulcano esquenta logo o banho rápido
nebuloso espírito paira prévio sobre as águas
depois do vinho e pão, outros deuses mesmo lume.

Leva a bandeja para a cozinha fica diante
da mesa de ardósia a barca o diário
que regista, ouvindo as notícias da rádio:

“No princípio era o Verbo”, transcreve para o livro do dia antes
de tirar o sobretudo da cruzeta, sair à pressa,
cria Deus o universo num verso.

(2003)



Alexandre Vargas, nascido em 1952, é poeta e tradutor. Publicou, entre outros, os livros Cyborg (1979) e Vento de Pedra (1981). Participou em antologias, cadernos e publicações colectivas como Múltiplos de Três (1997) – com Miguel Torres-Chaves e Rui Caeiro – e PoesiaDigital - 7 Poetas dos Anos Oitenta – com Amadeu Baptista, António Cândido Franco, Fernando Guerreiro, Helga Moreira, José Emílio-Nelson e Luís Adriano Carlos. Traduziu os músicos-poetas Peter Hammil e Patti Smith.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

A Saudade

18. Repitamo-lo, para que o re-cordes e te re-cordes, ou seja, para que o tragas de novo e sempre ao teu coração e te tragas de novo e sempre ao coração da universal natureza-experiência primeira, descobrindo que ambos são um só. A saudade é disso que por natureza tudo é e para além do qual nada mais há, do jubiloso saber-experiência - infinitamente sensível, amoroso, compassivo e criativo - dessa ausência de dualidade, características e limites que em tudo se desvela e frui quando cessam todos os juízos, hábitos e pulsões conceptuais-emocionais que distorcem e condicionam a percepção imediata. A saudade é vínculo da memória-desejo ao não sei quê que em tudo insta como o seu imo glorioso e insuperável, velado e desertado pelas inconscientes e irreflectidas reificações do estado mundano das consciências, reproduzido ao longo de milénios por tradições e culturas da não libertação, populares, míticas, religiosas, filosóficas, artísticas e científicas. A saudade é o sentimento de coincidente incoincidência com o que “é” e com o que “és”, a dorida e insatisfeita experiência da ilusória particularização do espaço livre e infinito, da fictícia individualização do fundo sem fundo de tudo, do aparente mas falso condicionamento do incondicionado. A saudade é saudade de si, livre de si e de outro, de mesmidade e alteridade, de identidade e diferença. A saudade é saudade do instante, livre de tempo e eternidade, livre de passado, presente e futuro. A saudade é testemunho de pertencermos, mais do que ao que julgamos em nós e no mundo conhecer e ser-nos próprio, à bem-aventurada e inquietante estranheza que no fundo sem fundo de nós e de tudo é incêndio que lavra a consumir a impossível máscara da id-entidade. A saudade é o tudo a aspirar à plenitude do nada que é e esse nada a reabsorver o tudo que se manifesta, mostrando a universal reversibilidade do tempo, do mundo, do ser e dos seres, da consciência e da realidade. A saudade é de não caber em si de contente, a saudade é não caber em si de contente, por contraste com a melancólica tristeza ou a impotente nostalgia do ensimesmamento egocêntrico, que sustenta e solidifica a aparência do irreversível. A saudade é, simultaneamente, êx-tase e ên-stase: estar fora de si em si, estar em si fora de si. A saudade é já regresso à jubilosa intensidade, maravilha e eterna novidade da experiência primordial, por contraste com a despotenciação, o tédio, o aborrecimento, a rotina e o falso e efémero prazer da vida mundana e quotidiana. A saudade é a saúde a libertar-se da doença e da cura. A saudade é a saúde a libertar-se da saudade. A saudade é de não a haver e de jamais a ter havido. A saudade, em sua ponta extrema, é não ser e jamais ter sido.

19. A saudade assumida e consciente é a mais poderosa força libertadora que há no universo. Por ela revertemos e dissolvemos a ilusão da percepção condicionada, a ilusão de haver sujeito e objecto, no júbilo da sempre instante experiência primordial. Por ela cumprimos a suprema possibilidade do ex-istir na desconstrução do ser e do ser-aí solitários, mundanos e aparentes. Por ela nos evadimos da fuga e da pro-jecção auto-encarceradora na ficção do nascer, existir e morrer. Por ela despertamos da ilusão da felicidade poder ser algo possuído por alguém. Assim a cumprimos e à ilusão que a origina e nutre. Assim a matamos. Pois a saudade é de não haver e jamais ter havido saudade: o anseio da ilusão por se extinguir, o que mais célere cumpre quando se reconhece, recorda e dissipa como mera miragem e engano. A serpente a devorar-se pela cauda, não para eternamente renascer, mas para se consumir e libertar na plenitude da vacuidade que intimamente é.

20. A saudade inconsciente do que é e dessa inconsciência é a mais poderosa força escravizadora que há no universo. Por ela demandamos no ser, no mundo e nos mundos, na pro-jecção existencial e na espácio-temporal vida subjectiva, solitária e finita, nos seres, nas coisas e nos fenómenos aparentes, ou ainda numa eternidade e divindade deles separada, mas pensada em função dos desejos e temores do sujeito, ou seja, nas características e determinações conceptuais que encobrem a natureza autêntica de tudo, o júbilo e o bem que só esta comum natureza primeira e última pode oferecer. Assim centramos e prendemos a memória e o desejo não naquilo a que verdadeiramente inerem e os cumpre e anula, deles libertando, mas no sujeito e nesse presente sempre envenenado, mal vivido e alienado pela distensão da mente para o passado e o futuro, ou ainda para uma fictícia eternidade separada da iluminativa fruição do instante, reproduzindo a solidão, a saudade e a ilusão de que procedem. Assim mantemos a saudade refém da soledade. Assim mantemos a serpente a alimentar-se e renascer do próprio devorar-se no desejo de se pôr fim. O que mais pode libertar é também o que mais escraviza.

- Pré-publicação de um excerto de Da Saudade como Via de Libertação, Lisboa, Quidnovi, 2008 (no prelo) [extraído de "Da Natureza primordial, da Mundaneidade e da Saudade", I].

quinta-feira, 26 de junho de 2008

quarta-feira, 25 de junho de 2008

à maneira antiga

agora eu vou escrever estes versinhos
que um dia alguém rebuscará nos meus papeis
e com este e com outros imprimirá um livrinho
com uma nota prévia, e o venderá por 5 mil réis

e dirá: o poeta isto e o poeta aquilo
- ver o poema tal a páginas não sei quantas
e já eu serei a toca de algum grilo
por baixo de leituga aberta às tardes brancas

mas eu enquanto vivo e a Primavera estoira
nos pompos do vergel que plantei há pouco
vou na alegria anelada de uma vaca-loira
entre as ervas rasteiras como se voasse louco

e escrevo a leite de ocre por cima da verdura
estes versinhos todos muito bem rimados
para alegrar um dia a criatura
que meter as mãos nos meus papéis guardados

Pedro e Inês


A voz de Inês era um fio de água
Por onde bebia a vida o jovem rei.
Passaram pelo bosque os cavalos de fogo
Mas a voz de Inês não se apagava,
Ia com o vento, na crina dos cavalos;
Soprava nos canteiros perfume de cabelos
E de vento do norte em redor dos canteiros.

Um fio de água corria no peito de Pedro
Era a voz de Inês que não sossegava
De acender astros no negrume dos céus.
Tanto amor que mata e não nos morre
Tanta pedra brilhante a descer da montanha!
Por Inês se espalharam os brilhos da lua
E a voz saudosa do que foi seu rei
Há-de a mar o amor que não se rende.

Falo de um rei que achou na morte
A coroa oculta da sua rainha.
Se digo Pedro, uma pedra ganha forma;
Se encontro Inês, a Saudade transforma
Uma catedral de lágrimas em construído
Templo, túmulo de dormir e de sonhar.

Que rei ergue em torres de pedra e Sal
O recorte de um país?
Que rei coroou o Céu e a Terra
Por amor da sua rainha feita pedra de chorar?
Falo de Inês com as mãos abertas e vazias
Tanto amor que semeou no mundo
Esta saudade de ser maior que a morte!

"Something in me was born before the stars / And saw the sun begin from far away"

Decorre hoje, no Auditório da Biblioteca Nacional, um Colóquio comemorativo dos 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa, onde falarei sobre "Pré-existência e saudade na poesia inglesa de Fernando Pessoa", a partir das 16 h (não consegui ter o programa completo para o publicar aqui).
No Sábado, dia 28, pelas 21. 30, falarei na Galeria Matos Ferreira (Rua Luz Soriano, 14, no Bairro Alto) sobre "O Quinto Império em Camões, Padre António Vieira, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva".

Que relação haverá entre Saudade e Quinto Império ? Alguém se propõe responder ?

E agora, se ainda o não fizeram, não deixem de ler os belos textos e de ver as belas imagens publicadas pela Isabel Santiago, fruto de uma viagem relâmpago a Amarante e à casa de Pascoaes, com acontecimentos estranhos, como a queda de um livro, no quarto do poeta, que pareceu abalar o mundo... Pareceu !? Quem sabe o que disso resultou, resulta ou resultará ?

O Regresso

(nota: deveria ser um só texto, mas devido à extensão do mesmo e com as imagens resultam três posts, por isso peço desculpa)

--

Uma visita e uma espera

Tinha esperado por ti. Fechado os olhos para te não ver e a boca para não falar. Tinha retirado a máscara, despido a persona, encoberto os cabelos na velha touca. Tinha abandonado o tempo em direcção ao futuro.
Tinha mais…
Tinha esperado muito por ti. Cerrado os olhos para não te conceber e a boca para não te interromper. Tinha destruído a máscara, abandonado a persona, oferecido os cabelos ao mito e ao vento. Tinha muito mais…
Tinha esquecido o tempo que vem do passado. Tinha-me exposto por ti e para ti. Tinham-me esvaziado os olhos, esvaziado o crânio. Tinham-me cortado a língua e tinham-me revolvido na terra tumular. Tinha já, enfim, perdido o tempo. Tinha muito mais sem tempo. In illo tempore: Édipo, Lavínia, Polinices. Tinha podido ser como os outros. Tinha podido esquecer o teu nome e a tua face: tinha fechado as pálpebras, tinha cerrado os olhos e abandonado os lóbulos, tinha fechado a boca e tinha cerrado os lábios, dispensado a língua e esquecido os verbos quando entreguei o tempo. Mas o teu nome é na minha alma um ritmo remoto e vindouro e se esconder o meu rosto na tua máscara mortuária caberá o meu, e se tocar com a minha mão na tua elas serão unas. Uma. E isso foi um estrondo silencioso assim que entrei no quarto. E não precisamos da palavra porque tu vives num calamento que fala e está fechado. Implode como uma voz que cantamos contra a serra e faz brilhar os cristais subtis do granito, ou sobre o rio, na ponte, lançando à Eco desafios que ela reenvia em forma de seres híbridos e polimorfos. Karin Somer, Visita Crepuscular, Museu Amadeo de Souza-Cardoso


As tuas palavras

Tu disseste: todos os gestos de um homem visam a humanidade. O que existe não existe para si mesmo, mas para outra existência que lhe é superior em qualidade. Eis porque os corpos materiais são transitórios e passageiros. O mineral, por exemplo, existe para o vegetal; o vegetal para o animal, e o animal, tornando-se humano, existe para o espiritual que se torna divino.[1]

[1] Cf., Teixeira de Pascoaes, Os Poetas Lusíadas, Cap. I, Lx., Assírio &Alvim, p. 43

A obra de Karin Somers e Pascoaes

Levei o teu texto gravado na memória onde se guarda a Origem, o Princípio e a Manifestação. Vi-o nesta composição de karin Somers e nesta posição. Nesta transformação da saudade em múltiplas metamorfoses da inocência e no elogio do devir. Nas metamorfoses do que escreveste, no desdobramento das tuas visões em outras aparições. Neste ser que é triste e por um triz. Neste ser que é Pascoaes, também ele ser que é passagem para todos os seres e que é desde vivo máscara crepuscular. Neste ser que nos toca como uma vibração, como uma manifestação derradeira e primordial que nos impõe o calamento e a elevação. Olhando este peregrino de passagem, como o são todas as obras de arte, por Amarante e pelo mundo, eu digo, olhando a obra e ouvindo o estrondo do Calamento que caiu das duplas mãos da Gracinda e das tuas: o anfíbio existe para o pássaro, o pássaro para o anjo, a pedra para a pluma, o que aterra para o que se enleva, o que se enterra para o que se desterra, o luto para o azul, o pousado para o ousado, o conhecido para o desconhecido, a humanidade para a pomba. Nesta obra, tu vieste, como a pomba, sobre nós. Anunciar que vives como um peregrino e uma visita em todas as paragens da morte, da altura e da beleza. Das paragens que são passagens e das passagens que são portas da Saudade.


Uma máscara, um cabelo com cauda de pássaro e o rio de Ofélia
O que enfatizaste, no estrondo do Calamento, se bem o entendi, na coincidência das máscaras fúnebres, minha, tua e nesta de Karin Somers, na unidades das nossas mãos, a tua, a minha, as delas, Gracinda e karin, a tocar e a criar, foi que a pomba não nos anuncia o Espírito como o terceiro excluído em nós, mas como o terceiro incluído, o livro de Maio por abrir, por ler. O livro é a pomba que anuncia o Espírito, é como algumas obras, como esta de Karin Somers, a passagem para os outros seres. Não o livro que cai, mas o livro que tocado dirige o olhar para o lugar certo, nos torna leitores e lacrimosos do divino e do além. Só as lágrimas nos conduzem ao rio onde, como Ofélia de John Everett Millais, experimentaremos a metamorfose que a saudade opera na alma de quem a canta como a passagem do medo ao sonho.
Como uma cor que não se recebe pelo olhar e pelos olhos que não tenho e no tempo que perdi, chegas salpicado de azul e trazes na cauda de pássaro os teus cabelos despenteados pelo vento e neles a cor do céu por onde te demoras um pouco mais. Quando me pergunto como, esvaziada de tudo que recebe, te reconheço na obra de karin Somers e na passagem pelo teu quarto só encontro uma explicação, a explicação dos pássaros: o azul da obra e do tecto do teu quarto, o céu, não se vê com os olhos. O azul é a única cor que só se reflecte, atravessa e perpassa a retina da alma. Foi esse azul outrora vibrante e pregnante no rio que te anunciou a morada mais alta.







terça-feira, 24 de junho de 2008

O rebeijo incontinente, ou Portugal na alma de alguns

Silêncios quentes, quietude conspirativa do beijo
e sempre a própria aorta cúmplice como eco.

Cápsulas insonorizadas, secretas águas do toque
e nunca a exterior morte como congregação.

silencia-se a cápsula no limbo da respiração
da pele

silencia-se a cápsula no limbo da respiração
na pele

silencia-se a cápsula no limbo da respiração
na pele

O rei-Saudade

"[fala de Pedro] Mas um dia, "Alguém" desceu ao fojo: - "Alguém" que era da morte e era da vida; e mais - de além da morte e além da vida... E eu vi a Saudade ao pé de mim. Nunca mais me deixou: vivo com ela. Fez-se em mim carne e sangue. Fez-se Inês. Por isso sabes toda a minha vida. Por isso eu sei a morte como tu. Sou o homem que viveu a vida e a morte: sou o homem-Saudade, o rei-Saudade..."
- António Patrício, Pedro o Cru, in Teatro Completo, Lisboa, Assírio & Alvim, 1982, p.167.

Uma obra belíssima e genial, como quase tudo em António Patrício. Dramaturgia iniciática. Tive a felicidade de a ver encenada no D.Maria II em 1982.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

seria bom saber

nasci ao acaso
entre a multidão
como as árvores da mata?

ou
como que por sortilégio
caprichosamente só
como a acácia
de Régio?
A fotografia foi tirada ontem na Quinta dos Lobos, enquanto esperava a chegada do Renato.
_______

Eu queria amar-te
giesta
só perfume e resistência
ardor do sol na pele
estrela
beijo de luz apenas
de manhã somente a comunhão secreta
hóstia de afagos
apenas sorriso e esquecimento

Eu queria amar-te
praia
areia de ouro sob os pés
doçura de haver com que contar as preces
a própria incompletude do infinito
luar
na taça invertida da noite
graal que nos restitui
porque sempre fomos só um
no futuro
de onde vens a cada momento

E queria amar-te
tudo
a tua jangada para depois
o teu arremesso no longe que te sabe
aventura
todas as correntes de ar
todos os sinos de repente
todas as flores não vistas
e a dança no reduto de mármore do silêncio

Era assim que queria amar-te
rumo sem partida
viagem do regresso
Senhora da Luz todo despido
a bordo da nau do Impossível

até quase escreverei o que gostaria de ler; aguardo o depuramento e a claridade para o adjectivo que a velhice me trará de atrelado com a flacidez


Utente és tu, percevejo edénico

que deixa opinion makers encaixarem a

star seed no escarcéu da silly season,

permites que pousem como farmacólogos

com fiapos ice de pigmento altruísta

na fala amarrada à cave do próximo

episódio; juventude vincada a contrasenso

escalda, engatilhada mas sem cartuchos

escoa-se em esquecimento homeopático

e as certezas neuroteístas subelevam-se

quando a saudade procurar esferográficas

na braguilha dos iníquos, lesões de flanela,

abordagens para um coma acompanhado

que, pura e dificilmente, sempre existirá

como gargalo esfíngico involuntariável;

alheado, mas repleto de humadróides,

teme as convulsões extraídas pelas termas

de enxofre para capturar a enxaqueca à

qual a masmorra de Pandora lhe afivela

os tornozelos trinchados arbitrariamente.

Navegando pelos cantos da mesma maca,

sem noção das expressões conjecturadas

esperneia-se na piscina de potássio como

salamandra no caldeirão de Obélix, desde

o cigarrinho, passando pelo narguilé, usa

bongos vários, chillum e até vaporizador,

reencarna o decepcionante descaramento do

melting pot onde foi feito refém de plasticina,

como o golem que encaixotou o general-sem-

-medo na fronteira espanhola, baixa a capota

que a próxima sentinela redimir-te-á da culpa

beige que respiras sem engolires nem roubares,

sou só mais outro, que diferença farei? Basta

não visitares videntes tarôt e nunca o encararás

já esquartejado e destilado até ao vaticanús –

digo-me – nem fazes ideia o que a providência

me fez hoje querida; e lá vem a confidência de

covil como assistência anthrax para reparar a

redoma destrinçada e cessar de ruminar sobre

estorvos escusados, escoará todos os rebuliços

e falcatruas até à amistosa guaxini de cara triste

recatada em rímel e renda rasgada ponderando

se seu reportório é um fracasso formidável ou

se será a inépcia do namorado em empolgar-se;

enquanto amianta qual a abordagem para persistir

sem lhe consternar as estribeiras ribombantes,

já sonha ele: com pielas de harmina, chapeleiros,

condecorações honrosas em torneios de magik

thegathering, prostrar-se nos passeios de nudistas

só com um post-it da sua patroa cobrindo-lhe a

esplêndida genitália, red bull dá-te asas pingado

com miligramas de bromazepan, clomipramina,

quarteirões em motim não contendo a violência

resguardada contra todo o paladino a destituir

que se note que trava o som das sinapses como se

fosse Kali ou Shiva; ficou surdo de si sem saber,

movimenta-se parado intrometendo escadotes

como hiperfântico tresloucado chorado pelos

céus sincrónicos do pastoralismo tolteca e costuma

ficar escatológicamente escornando tifóides

à toa com o cacetete da academia da tutora,

porque nutre a desolação que acarreta de ter

sido emulsionado pela anátema do Hezbollah

com a radiação interna de polónio210 e, olhar

agora, as ameias antigas dos navios cargueiros

de viagens fantasiadas como mais que perfeitas,

só que seu rubor intravenoso não passa doutra

furgalha experiência governamental MK-ULTRA,

para contradizer o behaviourismo e convencê-lo

de que é: tanto um leucémico terminal intitulado

de Salmo RushDie, o Gagarin, enzima imigrante

da força policial francesa no Maio de 68, ou um

cantarino de clarim radical ludita vendendo auto-

-corãoDisses na praça Jamâa El-Fna, Marraquexe.



in quimicoterapia 2004

(algures em nenhures deitado a caminhar para onde disserem que estaremos mais inconscientemente completos ou versa-vice)

domingo, 22 de junho de 2008


@ Quinta dos Lobos

Anotações, 19 de Junho de 08

Poeticamente sobre a terra, disse Rimbaud

eu digo e eu com a ideia de que sou escravo de mim próprio entre a ideia do que sou e a ideia que não faço de mim? Serei, com ele, escravo do meu baptismo, ainda que isto hoje não me importe. Pois posso esquecer tudo o que me ensinaram, esquecer tudo e toda a gente que me acompanha, esquecer tudo, na esperança de que a vida deixe de ir sendo, não atribuir a esta qualquer significado real, ficar entregue somente à ideia submersa dos meus sonhos. Eu coloco neles a cabeça, afundo-me, fico no lugar do corpo, e espero na forma da sua transformação, onde faço de mim o meu peso, onde faço de mim uma coisa indefinida ao ponto da minha abjecção e alcanço um estado prematuro, onde sou uma espécie de bicho sem ideia do que sou. Reconheço-me com a dificuldade de quem estás prestes a morrer. Sei com Rimbaud, que não fiz o que devia ter feito. Esperar o quê? Se até esta página, como as nossas vidas, começou da pior forma possível. Uma página em branco e o primeiro pensamento que tenho é o de que posso parar de pensar. Uma palavra basta para não querer ser lido. Somos todos uma coisa extinguida em toda a nossa extensão, entre uma coisa nenhuma que dificilmente dura uma vida, e um sonho, que, mesmo se quisesse, não conseguiria sonhar. Esperar o quê? Um sonho que a vida não exulta. Deito-me nele, mantenho-me só e sou um exemplo ausente, presente apenas como sonho por cumprir, um movimento inacabado que não se deixa movimentar, uma ideia em si presa, agarrando-se a si própria na esperança de ser, e a querer, no entanto, pouco antes do seu desaparecimento, profundamente ir. Poeticamente sobre a terra, como disse Rimbaud.

sábado, 21 de junho de 2008

Pátria I


Fotografia: Rolfe Horne - Dusk, Izumo, Japan, 2001


Sou alta montanha,
Pequena ilha isolada,
envolta em terra desolada,
tundra despojada,
mar profundo,
que só asas ténues,
sementes vagabundas, podem encontrar.
No cume desta terra,
uma só semente ganhou a batalha,
contra os elementos da terra e do mar.
Germinou de amor por mim,
protegendo-me com mil braços
das chuvas e tempestades,
da voraz erosão do tempo
deste inclemente lugar.
Por vezes sobrevoam-nos
alegres aves selvagens
que esqueceram daqui fazer lar.

Somos só porto de abrigo.
Passagem para outro lugar.

Há ilhas de luz em pleno dia

"Il y a des îles de lumière dans le plein jour. Des îles pures, fraîches, silencieuses. Immédiates.

L'amour seul sait les trouver"

"Há ilhas de luz em pleno dia. Ilhas puras, frescas, silenciosas. Imediatas.

Apenas o amor as sabe encontrar"

- Christian Bobin, La Présence pure et autres textes, Paris, Gallimard, 2008, p.156.

ah a minha terra
onde as flores são flores porque sim
minha terra sem fronteiras
onde me perco de mim

possa eu pisar-te inteiro
e sentir a vibração do mais fundo
possa alar-me na luz das tuas tardes
e deixar-me náufrago de ter sido eu
adormecer no seio da tua paz
minha terra
onde vivo

sexta-feira, 20 de junho de 2008

concurso de quadras populares

sobre S.João
Interessados podem enviar para: praca.da.alegria@rtp.pt

eu concorri com:

I
ó meu rico S.João
minha carinha de medo
Por causa da inflação?
caíste no desemprego?

II

S.João, meu S.João
haja dinheiro e saude
que desça o preço do pão
não suba o barril de crude





Tu és isso

Vou andando.
Que tenho a dizer?
Pensem pela vossa cabeça.
Não sejam clones de outros.
Não queiram ser outros.
Não imitem outros.
Ser livre é ser si mesmo, livre de si mesmo.
Ser livre não é ser livre como outro.
A cada qual a sua liberdade.
Há uma parte de ti que só tu conheces.
Tu és isso.
Seres livre é seres isso.
O que é? Encontra-o!
Contempla-te ao contemplares o mundo.
Tira isso de ti, atira-o à visão.
Tira-te de ti, para que te ponhas.
Põe-te e despõe-te, ao fundires-te no mundo.
Na paisagem, procura-a.
Na memória da paisagem.
No sentimento.
Tu és isso.
Quando te aprouver de tudo libertares-te, infinitiza-te.
Infinitizo-me?! Sim!, transforma-te em vento ou no silêncio inicial.
Quando quiseres ouvir o silêncio inicial, o silêncio para lá de todos os fenómenos,
Ouve o vento passando nas frestas das portas...
Abrir-se-á, então, a clareira azul-escura, negra, reconhecerás o latente.
Mas não ligues às minhas ideias, procura-te apenas.
Mas sentindo, não pensando.
"Serei isto, serei aquilo?", nada disso.
Liberta-te de tudo isso, entrega-te à sensualidade, interior e exterior.
Não te entregues à sensualidade, entrega-te ao sentimento.
Não te entregues ao sentimento, entrega-te ao sem nome.
Não te entregues a nada, para que de tudo te libertes.
É o mesmo que dizer, nada idolatres, passa para lá de tudo.
Passa para lá do passar de tudo.
Esquece.
Quando te encontrares, explode.
Há sempre mais para lá.
Sê para lá.
Mas lembra-te:
Não te agarres às ideias dos outros, ainda menos às tuas!
Hasta!

P.S. Espero que estas ideias te sirvam para alguma coisa, ainda que não seja para que delas discordes! Se concordares, tanto melhor, é sinal de que não escrevi isto apenas para mim. Um abraço.

Aforismos - Coisas de filósofos

Estamos mortos. As coisas aconteceram muito antes dos nossos pensamentos delas.


A Mente desperta é a Mente real.


Somos ecos. Sombras de ter havido.


Só os outros morrem. Nós nunca chegamos a nascer.


O infinito não mora aqui. Visita-nos. É tudo.



As coisas são corpo. É por isso que existem.


Nunca seremos senão silêncio. Sobre ele rodopiam as palavras, bailarinas cegas.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

A campanha de desestabilização continua !

Amanhã a Nova Águia e o meu livro Princípio e Manifestação. Metafísica e Teologia da Origem em Teixeira de Pascoaes serão apresentados na Biblioteca Municipal Albano Sardoeira, em Amarante, pelas 19 h. Antes iremos visitar a casa de Teixeira de Pascoaes, em São João de Gatão, para invocar a presença inspiradora do grande poeta e pensador visionário. Será pelas 16 h e quem quiser aparecer pode contactar o Renato Epifânio: 967044286.

E a nova versão da Folia - Tu és Isso vem aí ! A estreia é já a 3 de Julho, antecedida de mais uma apresentação da Nova Águia e de A Cada Instante Estamos a Tempo de Nunca Haver Nascido, a cargo do Jorge Telles de Menezes.

A campanha de desestabilização continua ! A Serpente Emplumada subscreve o pessoano Elogio da Indisciplina . Desassosseguemo-nos !

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Splash


Quem admiro: Soul Surfers

Para aqueles que eventualmente não conheçam, investiguem, porque é um ideal/modo de vida espectacular!, em tudo para lá da vida falsa, livre de cinzas...

humberto ak'abal

Os pássaros não estão
se esconderam no meu coração.

Hoje sou ninho.
vejo-te
por momentos
entre duas partidas
já envolta de paisagens que virão
mais à frente daqui a um bocado
na sonolência de não poder chegar
quando as asas abertas do jornal se renderem de vez ao tédio
anjo que me percorres
à solta no meu sangue
vejo-te
e pergunto-me quantas estrelas
quantas
e que arados sulcam a terra de onde nasci
quantas sílabas despontaram
nas ranhuras escuríssimas do sol
anjo que me desaguas
no fim do desejo
vejo-te
perene e alucinação
e todos os passos todas as marcas todos os beijos
mesmo a luz e a treva toda a inquietude
o que são
despontam por entre o frio e o orvalho
a arder de saudade
ervas daninhas nos canteiros da manhã
e são tudo o que resta
os meus sonhos
tudo o que tenho

terça-feira, 17 de junho de 2008

No ópio de uma flor

Por ali andava,
esquecida do pensamento e das cinzas;
o sítio era de perfume e sem regresso.





( não havia fragmento, viagem ou miragem,
o silêncio não se distinguia da véspera
e eu ao caminhar não saía do mesmo lugar -
como num deserto em que todas as linhas do horizonte
se tornam iguais ao ponto, prodigiosamente.
Eram tílias, dunas de tílias, ao olhar para elas,
de opiáceas flores, céus delas.
O mais era brisa e pólen e poções solares
em chuva astral suspensa num enternecimento impossível )

O sentimento religioso sob a minha perspectiva e único a que almejo


Na minha Religião, estou sentado, em pé, como seja, sozinho, no Deserto, livre, pensando em nada, nada pensando, respirando, sentindo, sentindo o fluxo de emoções que me perpassa, a frescura, chorando o meu choro de emoção, uma estranha tristeza que por iluminadas e raras vezes se sente, sinto, sem Deus ou eu ou outro, sem nada porque nada pensado. De olhos abertos ou fechados, ora abertos ora fechados, um puro êxtase, saída de mim e de tudo, criação e destruição do mundo.

Não é Budismo, não é Hinduísmo, não é Judaísmo, tampouco Cristianismo, mas a Religião da Natureza, da Existência, do sentir, do puro sentir liberto, livre, de todos os preconceitos, conceitos, imposições interiores ou exteriores, se não a imposição do instante, réstia de realidade inexpugnável que instantaneamente se constrói e destrói ao sabor da interioridade que se exterioriza, exterioridade que se interioriza.

Onde se encontram? Lugar, princípio e fim desta Religião. Não dentro, não fora, mas algures no sentimento extático, íntima comunhão com e segregação do mundo, esse sou e não sou eu, casa? Não casa nem não casa, busca da liberdade, busca sem busca, encontro e desencontro, não querer nem não querer, ser e não ser, tudo, nada: Incondicionado.

Escrito ao som de "Desert Rose", de Sting com Cheb Mami, e "Seven Seconds", de Youssou N'Dour e Neneh Cherry.

O arrepio

Nada nos salva, estamos todos perdidos.
"Daqui ninguém sai vivo", lembram-se?
Tudo o que fazemos, pensar, para lá do útil:
Não é mais do que uma forma de enfrentarmos (?) a nossa perplexidade:
Em relação a esta existência:
Sim, estamos todos perdidos!
Que são todas e quaisquer Religiões, se não actos de fé?,
Âncoras, jangadas... para que atravessemos o mar da perplexidade, do medo e da insegurança, da dúvida que jaz bem dentro de nós; para que não caiamos no Abismo inevitável?,
Que é a vida, para lá das cinzas opacas da vida falsa...
Onde me encontro, se não numa interrogação sensual?,
Quando abordado pelas emoções, alegres lágrimas, que brotam da música que me toca?
Eis a minha casa, o arrepio.

O fingimento do adulto

Fazemos por ser diferentes dos outros.
Perda de tempo, caprichos, birras, vidas inteiras.
A maioria das ideias comuns estão certas, de acordo com o mundo.
O Homem é um animal tímido.
Alguns, especialmente, dificilmente se exprimem:
Viver sem viver.
As crianças, ainda deseducadas, são, nesse sentido, mais verdadeiras que os adultos.
Como os animais.
Revelam-se mais verdadeiramente.
O adulto é cheio de preconceitos, medos.
Fica sempre bem parecer-se refinado.
Penso que é melhor que sejamos verdadeiros do que aparentemente refinados.
Pode parecer pior, a alguns, mas é melhor.
Da minha parte, tenho momentos - será que todos temos momentos?
Às urtigas!

Publicidade

Olá, Serpentes, Plumas, etc.!

Vim, aqui, fazer publicidade aos meus blogues!

Isto porque criei um blogue chamado "Filosofia do Rock" (www.filosofiadorock.blogspot.com), no qual publiquei, hoje, uma sondagem, na qual pergunto qual o artista/grupo favorito do leitor.

Vão lá, votem!

Tenho, também, o blogue "Mundos Sentidos" (www.mundossentidos.blogspot.com), onde publico, principalmente, fotografias.

Outro, acabado com apenas um post, é o "O silêncio para lá de todos os fenómenos" (www.osilencioparaladetodososfenomenos.blogspot.com).

Para lá disso, escrevo aqui na Serpente, confesso que um pouco desenquadrado da dominância, na medida em que vocês são todos muito espirituais, amantes da poesia, etc.; enfim, pessoas cultas.

Abraços!

Rosa de Luz

A noite no seu ventre fulgurante
Levou a alma em espiraladas vozes
Ao domínio do Sal onde a língua é limpa
E o ouro dos cabelos coroa o astro.

Flamejantes cristais de pedra rosa
A liquidez da luz que se desfaz
Em cantos de estrelas acordada noite
Em delírios de matéria viva traz o dia.

Ao peito a voz do verbo a Mãe da Terra
Outonal princesa traça o fio da prata
No chumbo velho dos céus do mundo
Brilha o coral das águas no azul fecundo.

Rosa de brilho atlante, rosa do vento
Rodando ao centro de uma pedra esguia
Canta a saudade e renasce em pranto
Nas mãos o sal da vida e o ouro cego.


Mãe, Irmã e Amante nossa

Mãe, Irmã e Amante nossa, que estais em toda a parte,
Sagrada, amada e fecunda seja a vossa matriz,
Venha a nós o vosso êxtase,
Nossa seja a vossa liberdade
Assim na Terra como no Céu.
O maravilhado espanto de vossa desmesura nos dai agora.
Libertai-nos da ilusão de existirmos
Assim como nós nos libertamos de serdes outra
E não nos deixeis cair em dualidade,
Mas livrai-nos do bem e do mal.
Ámen.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

"Se ela chupa..."

"Se ela chupa os bagos de arroz de que é feito o teu saké, ele não será senão melhor" - provérbio japonês.

Dedicado à Antiquíssima
«Imagem de uma das manifestações que tem ocorrido em Madrid nos últimos meses em defesa da Filosofia no ensino secundário.»

retirado do Café Filosófico de Évora

O Padre António Vieira no Saldanha

PADRE ANTÓNIO VIEIRA:
400 ANOS DEPOIS

Livraria Almedina
Atrium Saldanha
Lisboa
17 de Junho
das 18:00 até às 20:00


"Neste encontro sobre o Padre António Vieira, por ocasião do quarto
centenário do seu nascimento, a Livraria Almedina e a Associação Agostinho
da Silva associam-se de modo a reunir 4 figuras que actualmente
têm desenvolvido trabalho sobre Vieira nos aspectos que
hoje cada vez mais nos interessam: o seu pensamento sobre Portugal e a
cultura portuguesa, sobre a Europa e o mundo"

Miguel Real
Vieira e a Cultura Portuguesa

José Eduardo Franco
O mito da mulher em Vieira

Manuel J. Gandra
Bandarra em Vieira

Paulo Borges
O V Império em Vieira como plenificação do corpo místico de Cristo

Em jeito do meu primeiro post

Sê verdadeiro contigo.
Tudo o mais é um desperdício de tempo e vida.

Oiço



Noite debruçada no barro das varandas

vozes do verão

a secar os poros dos cavalos do pó.

Vento que desapertou a blusa

à pele quente da tarde.

Voz de tecedeira de fios de som

para bordar o silêncio!

Noite de varandas e fontes

a nascer nos olhos do amado

Oiço

as asas dos cavalos do vento

e o cheiro das rosas

que vêm do mar

rosas de água

trazem saudades e maresia

Rosas para dormir e sossegar.


São rosas de prata

Só de olhos fechados as podemos sonhar.

Terra Vermelha

Quem não ama
não ousa.

Quem não ousa
não ama.

Só o sol e o firmamento
me calam
e o mar será
minha cama.

O meu peito desfeito em retalhos
pelas lâminas que agregam as névoas do exílio
tem pedaços enterrados
em terra vermelha de ocasos,
e laços desatados
adejando ao vento em cidades brancas
suspensas sobre rios.

Teço em meus dedos o dia
em que o vermelho e o branco se fundam
nas espirais da Rosa
e o sol se erga de vez
das entranhas da terra.

Quem não ousa
não ama.

Quem não ama
não ousa.

Que a viagem seja mandato
gravado a ouro
numa lousa.

Que a Voz cale todas as vozes
e o Verbo se liberte por fim da garganta.

E que o cio do Cosmos
se descubra em nossos olhos
quando ouvirmos
o encontro das cores
que Deus quis no Homem
ver nascer.

domingo, 15 de junho de 2008

primeira conversa - para ver como é que é

que é assim:
abriram-me a lura da serpente emplumada, aqui estou eu espreitando para dentro, cheio de curiosidade e medo ao mesmo tempo.
que isto de serpente emplumada dever ter a ver com a religião Maia ou Azteca, ou sei eu lá, mas que mesmo aqui em Portugal não deixa de ter representações em algum imaginário popular.

o meu velho amigo António Catarino, de sobra conhecido nos Canaviais, na Igrejinha, em Nª.Senhora de Machede, proprietário de uma pequena courela à beira da Ribeira (Pardiela? ) que serve a Freguesia, para afugentar putativos ladrões de suas iguarias hortícolas, criou ele próprio a lenda de que uma cobra enorme, já cheia de cabelos no espinhaço, habitava as silvas inexpugnáveis que bordejavam o hortejo.
a courela seguramente ainda existe, sendo de seu nome aristocrático CADAVAIS

para que não restem dúvidas sobre a autenticidade da peça criativa, eu próprio, que sou dado ao
cultivo da poesia popular, de repente engendrei a quadra que passo a respescar nos escaninhos da memória:

a cobra dos Cadavais
nunca coisa igual se viu
tem uns dois metros ou mais
vá prá cobra que a pariu

a quadra ficou localmente conhecida, pelo que é bem provável que para além do meu amigo António Catarino alguem do burgo a tenha tambem guardado na memória

explicada que julgo esteja a minha identidade com o título do Bolg, passo à proposta de colaboração . que será, numa primeira abordagem, à volta das comemorações dos 120 anos do nascimento de Pessoa.

como não sou nem da pessoa nem da obra conhecedor ou estudioso, quem o for, de uma ou outra, não deixará de rir do ato (SPA - sou pelo novo Acordo ortográfico) temerário de me aproximar do vulto. é certo que também escrevi em tempos:
"sou um caracol que trepa/um tronco/ não de couve/de coqueiro"

bom, mas era então assim, a partir de uma Quadra de Pessoa que eu usava quase como lema:

a terra é feita de céu
a mentira não tem ninho
nunca ninguem se perdeu
tudo é verdade e caminho

era mesmo o que me convinha para dar cobertura a tanta pequenina oficial irresponsabilidade

até que um dia, desiludido, dei comigo a pensar deste modo aberrantemente pessimista:

já vejo que está errado
o trilho por onde vou
ninguem vai a nenhum lado
nunca ninguém se encontrou

se armadilhei, com esta minha primeira intervenção, o seu legítimo otimismo, só posso recomendar-lhe que à próxima quando vir a assinatura não arrisque
toda a luz
amalgamada de espanto e esperança entardecida
na alba e na brandura das distâncias
tangida de pranto e segundos de opacidade
a minha paisagem em relicário
o meu desperdício de palavras ditas
a oxidar a pureza cristalina do silêncio
e não poder ser das pegadas ocultas no vento
apenas a sombra duma passagem
a frescura que fica nas margens da vida
apenas

sábado, 14 de junho de 2008

canção do pelicano - a camões

Com pés de barro e braços de cera,
Com a chave do ouro nas margens do Nilo,
Com pés de enxofre e braços de sal,
Com sete puras incisões e a luz em sangue

Derramando; com as entranhas em fogo
E a lagoa reclinada a ocidente,
Com a leve aragem que busca a tua mão sulina
E agita levemente as águas como quem chama por ti;


Caminharei, de olhos vendados ainda,
À sombra da estrela flamejante, nas asas cor de rosa
Do entardecer, no serpentino refluxo

De mercúrio. Palavra perdida no mapa astral,
Com os braços cruzados e as pernas recolhidas,
Como um deus numa semente: caminharei.

ainda sobre os putos, os putos


"se entre os pré-socráticos da antiguidade preponderou a noção de educação de crianças e jovens com uso de castigos como obrigação de Estado, visando controlo e expansão do território, comércio e escravo, não foi incomum entre eles firmar-se outra maneira de lidar com a educação das crianças. Não mais como culto à obediência na autoridade superior em nome da cidade, mas como jogo e brincadeira heraclitiana entre pequenos guerreiros que lutam por um objecto, afirmam a rebeldia e disseminam coexistências. Não se trata de educar a criança a partir de um valor transcendental, como o defendido por Platão, mas pela disputa circunstancial de um objecto, acto que obstaculiza e suprime a necessidade de subordinar o outro. São crianças e jovens que aprendem a actuar sem temer a autoridade, mas que a desafiam, exercitando o que os gregos chamaram de parrésia - acto de falar francamente com um superior, sabendo dos riscos que se corre -, e que os filósofos cínicos exercitam com rigor e mordacidade."

"Educar continua sendo uma obrigação familiar e monopólio do Estado regulamentado por direitos: toda a criança deve ter família e esta deve matricular seus filhos em escolas privadas ou estatais para obterem acesso à cultura dos povos, à instrução para o trabalho, à formação para a cidadania. Nas escolas aprendem a governar suas futuras famílias, vigiar colegas, policiar, competir, trair e trapacear, em razão de uma vitória, um elogio, um benefício, uma justiça.
Essa é a educação fundada na conquista e na conservação, no temor à autoridade superior, chame-se ela pai, rei, imperador ou lei universal. Trata-se da regra maquiaveliana que funciona tanto para os governantes como para os governados, atravessados por dispositivos de pressão e morte de alguns sobre os demais. É uma educação de livre trânsito hierárquico, e ao mesmo tempo geradora de permutas entre superiores e inferiores que eternizam legalismos e ilegalismos, torturas, confinamentos, medos, corrupções, extermínios e guerras em nome da punição, do bom uso dos castigos, da necessidade da prevenção geral com base na lei universal fundada na ameaça de punições e no ideal do homem incorruptível."

"A educação continua disseminando o amor à cultura da obediência e do conformismo. E por almejar tanta participação cria dentro de si medonhos pequenos fascistas"

"Trata-se de uma pedagogia que não pretende mais reduzir ou confrontar resistências, mas somente integrar em nome da democracia."

"São obrigadas a aprender desde pequeninas que devem aos seus superiores, e que é sob esse regime de dívida infinita que os adultos permanecerão exercendo seus direitos formais sobre elas, como propriedade real ou circunstancial."

"A criança e o jovem passam a ser educados por atravessamentos. Eles devem ser ocupados o máximo de tempo possível com diversificação de estímulos, sem exaurir as forças físicas de seus corpos ou suas forças políticas de resistência, como na sociedade disciplinar. São convocados ininterruptamente a participar, ocupando suas inteligências."

"O tempo da criança é longo, e os espaços para elas são imensidões. A educação contemporânea insiste em fazer dominar o tempo do adulto linear, disciplinado e conservador, voltado para produtividades, relacionado a respectivos descansos, e situado em seus espaços móveis e delimitadores a serem ocupados."

"A leveza e a dureza de ser criança, deslizando, saltitando, tombando, aninhando-se nas superficies, permanecem sob olhar solene do adequado, do corrigivel, do permitido, de uma pessoa investida de moral. As crianças dançam e brincam. Para as crianças pouco importa o dia e a noite, o claro e o escuro, veracidade e sonho; para elas são experimentações da vida com calor e frio. Quando cada um desses momentos estiver habitado de significados, fantasmas, determinações, então ela passa a ter ideia-fixa, começa a ser educada para a boa e bela vida."

in Anarquismo Urgente de Edson Passetti


p.s.

uma nota pessoal sob o tema das crianças indigo


quando ouço pessoas, a quem lhes ofereceram um ou dois livros pseudo-esotéricos sobre crianças indigo a pais preocupados porque o seu rebento amado não pára quieto, ou não está atento na escola, ou não se consegue integrar etc... quando as ouço banalizar o termo indigo, dizendo que os seus filhos o são certamente, ou eles próprios o são, só porque se identificaram com uma apropriação "feita para vender" (no sentido em que a cultura da nova era é extremamente positiva e tem como objectivo melhorar as relações humanas com a falta de espiritualidade moderna que foi substituída pela poder de compra de chorudos seguros de saúde, etc...), penso que, simplesmente gostavam de ser algo mais, ou de imaginar que os seus são algo mais especiais da banalidade work in progress que nós todos, como raça humana, de dois braços e duas pernas, representamos!

Crianças indigo para mim são os deficientes, os que literalmente não conseguem viver neste mundo como a maioria, síndrome de down, mongolóip0dismos afins, estes sim, têm uma sensibilidade muito mais apurada e simplesmente sintonizada em estações de vibrações que nós, por enquanto, não conseguimos apanhar e nos passam ao lado. A partir disso muito se pode especular, no entanto, era só mesmo para deixar escrito, que acredito e aprecio estas dialécticas, mas também é preciso saber separar o conto de fadas, da história de embalar sem final feliz. Seja como fôr, "if it makes you feel good" quem sou eu para contrariar. . .

Pensamento zen



«Não procureis dar definições da mente. Isto é como alimentar-se com um pastel de arroz pintado num quadro.»


Monge Dogen

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Acorda, Caeiro !

Acorda, Caeiro,
que ver só coisas é banal:
melhor é ver miúdas
a bailarem nuas no arraial !

E um copo na tasca do TiZé à saúde do Pessoa, a ver se na próxima encadernação come mesmo a Ofélia e manda a melancolia às urtigas ! Fiz este voto ontem à noite com a moeda que acertei na bilha quebrada do Santo António e por isso se o não cumpres, ó Santinho, levas porrada ! Palavra de Manuelinho, Doutorado em lesmas e Portugalidade. Topas !?

Arte de ser esquecida

Miósitis
ou do esquecimento



Não sei
onde deixei os meus óculos

Ne m'oublie pas

o b.i e as chaves de casa
também não encontro

forget-me-not

as próprias palavras às vezes
vêm já esquecidas

Vergißmeinnicht

escarecidas
de amor

Neforgesumino

já não sei. A ciência findou.

Forglemmigej

Parece que as tuas flores
são azuis

Nontiscordardimé

e não eram essas que eu
ontem buscara?

Niezapominajka

Não há tanta poesia nas flores

Gleym-mér-ei

quantas flores na poesia.

Nezábudky

de tudo me esqueço

no-me-olvides

alma alzheimica do penar

Незабудки

sem cura, com a
eternidade à espera

Neužmirštuolės

….

Μη με λησμονείς

do verso me fiz esquecida

勿忘草" ( wù wàng cǎo)


cão azul à soleira da minha nova língua

물망초 (mul mang cho )

eu mula, esquecida da parição

勿忘草 (Wasurenagusa)

nas estações da chuva


זכריני (Zichrini)

conventual sacarinagem

კესანე (?)

breve alegria que a poesia me faz.

Nefelejcs

Talvez seja mesmo das flores

Unutma Beni

as do mal, as do último bem

Lule-mos-me-harro

que me desformam em barro

Pomněnka

terracotta férrea do sonhar.

Linguagem e Poesia


A linguagem do poema


Quando pensamos o poema, acabamos por lhe perder o sentido. Acabamos sempre por tropeçar na vã tentativa de o explicar pelos processos racionais e lógicos do conhecimento. Nada de mais errado! O texto poético é a expressão de uma linguagem de emoções, de sentidos e de símbolos, que necessita, por isso mesmo, para sair da obscuridade, de uma religação mais sensitiva, entre o leitor e o autor. O modo como designamos a realidade não encontra consonância no que intuímos como verdade, e que permanece fechado no mistério do texto, na plurissignificação do mundo e da palavra; no poder criacionista da metáfora; na vibrante expressão de uma realidade outra, tornada Símbolo pela palavra.Segundo Benedetto Croce, a linguagem é um acto espiritual e criativo, uma forma particular de espiritualidade, concluindo que aquela exprime menos o pensamento e a lógica e mais a fantasia, comparando a própria linguagem à actividade poética.
É, pois, a linguagem, transfigurada em imagens, o veículo ideal para a procura constante de nomeação desse mundo outro, situado num espaço e dimensão que ultrapassa o real, e se inscreve, de algum modo, na evocação de um tempo em que o sentido e o mundo estavam unidos, eram um só.Situada na esfera do sentir, a linguagem poética coloca ao ouvinte/leitor o desafio do encontro com esse universo de emoções, de ritmos e de sons segmentados em verso, polinizados de sentidos, que o poema constitui. Por isso mesmo, o poema encerra em si uma chave, um sinal, um símbolo, cujo significado resulta de um encontro. A própria contenção da escrita poética, o seu anseio e constante apelo à memória de uma ordem primeira, de uma significação original, ontológica e totalizante, aproxima a linguagem poética dos domínios do Mito, do Belo e do Sagrado. Domínios expressos em linguagens, processos e códigos distintos daqueles que são usados nos raciocínios lógicos do conhecimento.Essa procura da substância material da palavra, da sua musicalidade, para a elevar, em criação, a um novo sentido de nomeação desse mundo perdido e proibido de Babel, anterior ao da polidesignação das coisas; essa busca da intensidade, da luz, que se desprende do Verbo, encontra-se no centro de uma tensão – o tónos do poema – o que lhe confere especificidade e densidade lírica; operando-se, deste modo, o milagre de que o poema fique de pé (…) de que algo permaneça no instante passageiro.
Do acto criativo e da substância física, verbal, que a palavra encerra resulta uma nova realidade, uma nova designação do mundo. O impulso criativo, consubstancia a procura de um caminho, de uma Verdade que intuímos, cuja origem se situa num tempo e num espaço que a nossa memória consciente não abarca, mas a que, espiritual e materialmente, é necessário aceder. A palavra transforma-se, no poema, em mediadora entre o mundo real e exterior e o mundo idealizado, criado pela nostalgia da ideia de uma ordem anterior e interior, que reincorpore a realidade. É essa unidade que o poema persegue. A palavra é, no limite, o princípio e o fim do texto poético.
Porque o mundo se tornou incompreensível, o poema mantém com a palavra um pacto mágico, enquanto o sujeito poético protagoniza um drama: a saudade de Ser. É desse esvaziamento de sentido do Mundo e do Ser e também da palavra, substância de uma vasta pluralidade de sentidos, que o poema retira o seu sustento. O poder polissémico da palavra, a energia que a expressão da intensidade sugestiva liberta, corresponde a um impulso de união com esse mundo pré-adâmico, a uma vontade paradoxal e indizível de vida e de morte. Uma tensão que vibra no fugaz instante criativo e que, contudo, permanece e se actualiza na espessa e profunda espiral do tempo.

Carta a Fernando Pessoa


Fernando,

Não nasci pelo Ar, como tu, mas pelo Fogo,
o teu sopro atiça-me as chamas; a mínima presença tua me arrepia.
Não te venho fazer perguntas, de ti me falam claramente, de forma que não te será estranha, os teus versos e pensamentos, mesmo se os não alcanço ou percorro como eles a ti. Tu existes muito acima do que escreves, embora não possa dizer quem me és no que foste e serás, neste mundo e em tantos outros que são igualmente irresistíveis e insondáveis, e quem sabe a partir de que ponto inexistentes.

Venho dizer-te como te conheci - conheci-te muito antes de saber quem eras, tinha 12 anos. Tenho ainda as cópias de poemas teus que o meu professor de português compilou. Tinha 12 anos, meu deus, não me lembro de ter sentido nada, aliás, só me lembro de ter sentido alguma coisa quando me senti sozinha, que foi finalmente uma assunção, ou melhor, um despertar. Mais adiante, aos 18 anos, um grande acontecimento! ao folhear e ler poemas teus num livro oferecido: entro na Tabacaria (para comprar tabaco?)
“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”
Estas quatro primeiras linhas marcam o milagre da tua aparição (acontecem-me muitos milagres assim, pessoas que me aparecem). Recordo que senti uma intensa irmandade com a tua alma, espanto e abalo profundos. Estes versos e os seguintes, todos, trouxeram-me emoções em cadências mutáveis, e torrenciais pela força, de anseio e aperto, de grito e mudez, de paz e loucura, de fazer e desfazer, a ouvir-te, tão rude e sensível, glorioso e desesperado, e tão simples. A janela, a casa e a rua, tu a veres, a imaginares, e a ferires, tu a seres triste, real e distante, sem camisa, e eu também, para um culminar e imortal abandono num universo reconstruído sem ideal nem esperança.
Tenho percorrido a Tabacaria à medida do viver e encontrado coisas e dimensões novas e reencontros. Aqueles quatro versos são uma transcendência. Junto-lhes lágrimas, mais e mais, também novas e reencontradas, versos elas próprias, por tudo. São lágrimas de amor, também por ti, meu supremíssimo. Sim. Sim…

quinta-feira, 12 de junho de 2008


na minha infância
irei pelas veredas de não ter que sim
e matarei a sede na fonte da aldeia onde vivi de férias
quando era criança
nunca lá estive com sede
e a sua água refresca-me todas as sedes
na crepitação repentina de só querer o sol e o aroma das flores
quando não tenho o que fazer com o corpo amarrado à secura dos afazeres
caio em mim com estrondo até os ossos se me sentirem rubros à beira de se entornarem pelo chão
não há meio de derrotar a possibilidade de me querer alado
talvez na minha infância poderei ter sido isso mesmo que se escorre por entre a aridez dos dias
talvez aí já não faça sentido querer ser com esta ou aquela maneira de ser
talvez
e a vida pode bem estar nas coisas pequenas como que em estado de fuga mas à espera que eu não me perca
com esta mania de querer dizer tudo
a tentar agarrar o que não pode dizer-se com o visgo untuoso das palavras rogatórias
pobre maneira de ser indigente
mais vale sê-lo sem que isso signifique que me falta muita coisa
perdido para que sim
na minha infância

O humano em busca do Paraíso. Mas o que é o Paraíso? Uma questão a que não tento responder neste post

Vida ideal: numa praia deserta, clima paradisíaco, pescando os peixinhos que comeria, enfim, um idílio. Provavelmente, morreria de uma infecção devida a um cortezinho.

Um filme: "Cast Away" (O Náufrago). Outro: "A guerra do fogo".
Um livro: "O velho e o mar".
Música: alguma. Na ilha, o som do mar, o vento, os pássaros, cantaria (mas sem palavras, só suspiros...).

Esqueci-me de um filme: "A praia". Acaba mal, mas é a busca do idílio. Tem o excelente tema "Porcelain", de Moby (outra referência marítima).

A propósito: alguém viu o documentário sobre os pescadores portugueses de bacalhau no Mar do Norte, por alturas do Estado Novo? Aqueles homens eram perfeitamente... loucos ou corajosos? Iam em grandes embarcações mas, uma vez chegados ao destino, desciam ao mar em pequenas barcaças, cada um na sua, e passavam horas a pescar, muitas vezes enchendo as barcaças com pesos insuportáveis pelas mesmas. Alguns chegaram mesmo a afogar-se ou a morrer de hipotermia após terem caído à água.

Não sou daquelas pessoas que dizem que não viveriam sem mar, porque o ser humano adapta-se, com tempo. Mas não deixo de dizer que o mar é uma visão não sei se libertadora se despoletadora de memórias longínquas. As referências são inúmeras. "At first flash of Eden we race down to the sea", The Doors, "Under water where thoughts can breathe easily/ far away you were made in a sea", Red Hot Chili Peppers. Para não falar nas portuguesas: "Canção do mar", "Remar, remar", etc.

Parvoíces minhas

Tudo é lágrima, porque estamos constantemente a despedir-nos. E isso até mostra quanto amamos o mundo. Dizer-se que é lágrima é uma maneira figurada de dizer-se que é uma grande emoção, quando se observam as coisas na sua globalidade, o fluxo do mundo, sangue, suor e lágrimas. Não sabemos o que originou o mundo, se a vida sempre existiu ou se apareceu - o que caracteriza a vida? RNA, DNA? Outra coisa? -, mas aparenta ser uma grande luta pela sobrevivência, a sua, nossa. Somos nós, mas algo mais ou diferente de nós, a vida em nós, que somos, mas que nos é anterior enquanto seres conscientes de si, da sua existência, etc. O que somos, o que tudo é, eis um grande mistério.