quarta-feira, 25 de junho de 2008

O Regresso

(nota: deveria ser um só texto, mas devido à extensão do mesmo e com as imagens resultam três posts, por isso peço desculpa)

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Uma visita e uma espera

Tinha esperado por ti. Fechado os olhos para te não ver e a boca para não falar. Tinha retirado a máscara, despido a persona, encoberto os cabelos na velha touca. Tinha abandonado o tempo em direcção ao futuro.
Tinha mais…
Tinha esperado muito por ti. Cerrado os olhos para não te conceber e a boca para não te interromper. Tinha destruído a máscara, abandonado a persona, oferecido os cabelos ao mito e ao vento. Tinha muito mais…
Tinha esquecido o tempo que vem do passado. Tinha-me exposto por ti e para ti. Tinham-me esvaziado os olhos, esvaziado o crânio. Tinham-me cortado a língua e tinham-me revolvido na terra tumular. Tinha já, enfim, perdido o tempo. Tinha muito mais sem tempo. In illo tempore: Édipo, Lavínia, Polinices. Tinha podido ser como os outros. Tinha podido esquecer o teu nome e a tua face: tinha fechado as pálpebras, tinha cerrado os olhos e abandonado os lóbulos, tinha fechado a boca e tinha cerrado os lábios, dispensado a língua e esquecido os verbos quando entreguei o tempo. Mas o teu nome é na minha alma um ritmo remoto e vindouro e se esconder o meu rosto na tua máscara mortuária caberá o meu, e se tocar com a minha mão na tua elas serão unas. Uma. E isso foi um estrondo silencioso assim que entrei no quarto. E não precisamos da palavra porque tu vives num calamento que fala e está fechado. Implode como uma voz que cantamos contra a serra e faz brilhar os cristais subtis do granito, ou sobre o rio, na ponte, lançando à Eco desafios que ela reenvia em forma de seres híbridos e polimorfos. Karin Somer, Visita Crepuscular, Museu Amadeo de Souza-Cardoso


14 comentários:

  1. Que bem ficariam no blogue da Nova Águia!

    Cumprimentos.

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  2. Acordei cedo, para me banhar em luz. As ilhas de luz, se ouvidas, são um cristal,coração de diamante que palpita arcando com a imponderabilidade dos sonhos. E nós muitas vezes esquecemo-nos que, sendo Ritmo, temos uma continuação, para além, de nós mesmos e da teia de crenças que nos faz dizer, mentindo, que somos um eu.
    O melhor de mim esteve em Amarante enquanto a minha pequena esfera de interesses, mero fragmento, esteve detida na estreiteza das malhas das tarefas burocráticas.
    Que a minha alma tenha ganho soltura e, doida, desmedida, alada, se perca e se confunda com a Paisagem, para sempre, para nunca mais.
    E que o resto arda a ler este texto vindo do Futuro. Resgatado pela Pomba. Transformado em Ninguém.

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  3. Eis a verdadeira viagem a Amarante e a Pascoaes, de que a outra, a dos muitos kilómetros vertiginosos, foi apenas "obscuro e carnal ante-arremedo", como disse Pessoa dos Descobrimentos geográficos ante os das "Índias espirituais" por haver !

    Leio-a trincando ainda as belas cerejas que me deixou, acrescidas agora destas cerejas d'alma.

    Que a gratidão me desfaça !

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  4. Ah ! Mas que bom foi correr ao vento, pela noite, nas mãos duma Serpente Emplumada, aquilo não era velocidade, era ventania cósmica ... vuuuuuuuuuvuuuuuu

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  5. Magnífico, Isabel !

    O som do Calamento, ainda habita os meus sentidos.

    Voando nas asas duma Águia, Celeste acrescentaria: "Este foi o dia que o Calamento falou."

    Mais diria eu: emudecido desde 25 de Maio de 1950, ao ser tocado o Calamento GRITOU !

    São João de Gatão, 20 de Junho de 2008

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  6. Amiguinhos dos “kilómetros vertiginosos” !

    Está prometido ... A próxima vez conduzir-vos-ei no Lancia que em 1937 levou Teixeira de Pascoaes a Travassos ... resultando num Duplo Passeio.

    Ó Braga, levo-te até ao Cristo inteirinho... Palavra de escuteira !

    Beijinhos para todos vós ... Amei a vossa companhia.
    Até à próxima ... Combinado?

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  7. Implodes-me irmã, da infância ida, com tuas palavras sossegadas, círculos concêntricos, anéis cada vez mais largos. Sempre que escreves, és o calamento. Obrigada pela perfeição!

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  8. "A proa do Deus te Guie já está feita à terra." Anda, Isabel.

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  9. À Minha Querida Musa, Isabel!

    "Senhora da manhã vitoriosa
    E também do crepúsculo vencido.
    Ó senhora da noite misteriosa,
    Por quem ando, nas trevas, confundido.

    Perfil de luz! Imagem religiosa!
    Ó dor e amor! Ó sol e luar dorido!
    Corpo, que é alma escrava e dolorosa,
    Alma, que é corpo livre e redimido.

    Mulher perfeita em sonho e realidade.
    Aparição Divina da Saudade...
    Ó Eva, toda em flor e deslumbrada!

    Casamento da lágrima e do riso;
    O céu e a terra, o inferno e o paraíso,
    Beijo rezado e oração beijada."

    Teixeira de Pascoaes

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  10. Nem sei por onde começar. Creio que não vou começar, Isabel.

    ("Não o livro que cai mas o livro que tocado dirige o olhar para o lugar certo, ...".
    O espírito para descer à terra tem de subir até onde quer soprar, seja vale ou montanha; o alto e o baixo somem-se na queda de um livro: num sonoro calamento que sobe instantaneamente ao olhar que se afunda para dentro, num íntimo e imponderável reflexo)

    Luz sobre a Musa e os azuis.

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  11. Para a Isabel, um poema roubado a Paulo Borges... agradecendo tudo o que de belo escreve:

    "Ah, quando o Rosto de céu inteiro
    ardente e trovejante nas noites negras
    nas tempestades que o coração acendem
    em júbilos de mil lumes
    sobre os ermos, os campos e as cidades desce,
    desnudos e enormes as casas abandonamos
    em todos os ventos desferimos
    esta indomável alegria de sermos
    as suas feições vincadas de vida, sabedoria e desmesura
    a sua felicidade de paixões dorida
    a sua glória a rebrilhar por todos os peitos bravos
    que concêntricos em círculos e danças se incendeiam
    a da nobreza maior que a lei
    em exultações e brados dão testemunho,
    sábios dum Instante em momentos não cindido
    dum Amor sem futuro nem passado
    que à flor do coração é húmus e firmamento
    no salmo da palavra o rigor
    que num rompante os céus estrela
    e em canto silêncio único
    do Sopro o vazio pleno dos universos assina!

    E nada mais é senão o Semblante sem traços
    sem onde nem quando
    a satisfazer todo o voto no transbordar de sua abundância –
    inesgotável cornucópia de todos os possíveis!"

    in Ronda da Folia Adamantina, Átrio, 1992

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  12. Escrevo-vos com o coração aberto e com a tinta da sua inflamada chama:

    Chegam-me os cumprimentos de Klatuu o Embuçado e tenho logo vontade de lhe dar o texto: porque os que são frontais nunca têm o rosto embuçado e são um rosto a quem Levinasianamente se dá, como neste texto, a verdade do que se é. O texto é seu. Se nada me pertence, muito menos um texto pode ser coisa minha.

    Paulo [Feitais]
    claro que te levámos a Amarante. Eu pedi-te tanta fotografia das sombras...tantas! E até te ouvia rodopiar atrás delas sempre em fuga para trás dos fetos, dos móveis, no meio do pó dos livros rarefeitos com que fizeram um bailado para nos receber...
    Ai, Paulo, andas mesmo distraído! Então pensaste que ficaste por cá na não-realidade das reuniões! Nem acredito que te esqueceste da nossa companhia!

    Paulo [Borges]
    para a próxima levamos uma cesta de fruta e taças. Ameixas, pêssegos, uvas para deixar intactas e outras para pisar...e copos para brindar. Visitamos as ilhas (de luz?) e desfazemo-nos em alegria! Que digo?! Em júbilo! Cantamos, nadamos e vamos nas correntes do ar. A Senhora da Noite virá depois para nos embalar.

    Brunhild conta kilómetros,
    Brunhild conta risos e sorrisos. Brunhild mil histórias e põe tudo a falar. Até o Calamento, até o Silêncio! Ai que moça mais feliz e mais entusiasta da vida e dos mortos, dos seres e dos não-seres! Brunhild das mil flores, dos mil gatos e dos mil sóis. Brunhild mulher-flor, mulher-felina e criança das noites de Infância da Vida. Abraço as tuas mãos de pérola, doces e vagarosas como as da água do rio, não como os pés, aladas criaturas sem freio!

    Ana
    desenho um círculo a giz no céu da infância. Da próxima vez colocamo-nos dentro dele, fecharemos os olhos e de mãos dadas saltaremos para a Terra ou para o Mar, conforme o sítio onde deixaste a semente. Chegaremos de vestido rasgado e cabelo despenteado. Não nos conseguirão castigar: seremos farrapos de pano azul e asas desfeitas. Falaremos uma língua intraduzível. Para repousares e seres semente lá para onde o vento te arrasta. E seres, como és, beleza imponderável na imensidão do recordar e do dizer para [o que está]dentro.

    Romeu
    como "um boneco de luz" não resisto a brincar nas sombras das velas e a falar com o vento nas proas...iremos do Tejo ao Egeu. Vou, já disse que vou!

    Luíza,

    sei que nunca vou terminar de te receber e esperar nos bosques, nas ruas, nos não-lugares, na eternidade d'Isto.

    Ao Admirador e ao Enfeitiçado

    O meu coração é desde há muito uma taça transbordante. Não sei se de luz, noite...Trevas ou crepúsculo! Não sei se o meu coração mora no corpo ou se é já um lago vermelho de rosas para a alma. O meu coração é transbordante de Saudade e do ante-Paraíso. É um vaso de cheiros, uma chama acesa para a festa branca montada nesta noite para a folia e para a vida. Que saibam que o meu coração é para sempre uma taça para a vossa graciosa companhia e para a vossa poética ousadia. Bem-hajam pelos poemas muito além de tudo o que obviamente sou e de quem os escreveu! Brindo-vos com a minha embriaguez, néctar de mel e música, de som e sentido.

    A vossa muito agradecida Isabel

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  13. Caro anónimo,

    também gostei que tivesse gostado. Um sorriso grande

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