A linguagem do poema
Quando pensamos o poema, acabamos por lhe perder o sentido. Acabamos sempre por tropeçar na vã tentativa de o explicar pelos processos racionais e lógicos do conhecimento. Nada de mais errado! O texto poético é a expressão de uma linguagem de emoções, de sentidos e de símbolos, que necessita, por isso mesmo, para sair da obscuridade, de uma religação mais sensitiva, entre o leitor e o autor. O modo como designamos a realidade não encontra consonância no que intuímos como verdade, e que permanece fechado no mistério do texto, na plurissignificação do mundo e da palavra; no poder criacionista da metáfora; na vibrante expressão de uma realidade outra, tornada Símbolo pela palavra.Segundo Benedetto Croce, a linguagem é um acto espiritual e criativo, uma forma particular de espiritualidade, concluindo que aquela exprime menos o pensamento e a lógica e mais a fantasia, comparando a própria linguagem à actividade poética.
É, pois, a linguagem, transfigurada em imagens, o veículo ideal para a procura constante de nomeação desse mundo outro, situado num espaço e dimensão que ultrapassa o real, e se inscreve, de algum modo, na evocação de um tempo em que o sentido e o mundo estavam unidos, eram um só.Situada na esfera do sentir, a linguagem poética coloca ao ouvinte/leitor o desafio do encontro com esse universo de emoções, de ritmos e de sons segmentados em verso, polinizados de sentidos, que o poema constitui. Por isso mesmo, o poema encerra em si uma chave, um sinal, um símbolo, cujo significado resulta de um encontro. A própria contenção da escrita poética, o seu anseio e constante apelo à memória de uma ordem primeira, de uma significação original, ontológica e totalizante, aproxima a linguagem poética dos domínios do Mito, do Belo e do Sagrado. Domínios expressos em linguagens, processos e códigos distintos daqueles que são usados nos raciocínios lógicos do conhecimento.Essa procura da substância material da palavra, da sua musicalidade, para a elevar, em criação, a um novo sentido de nomeação desse mundo perdido e proibido de Babel, anterior ao da polidesignação das coisas; essa busca da intensidade, da luz, que se desprende do Verbo, encontra-se no centro de uma tensão – o tónos do poema – o que lhe confere especificidade e densidade lírica; operando-se, deste modo, o milagre de que o poema fique de pé (…) de que algo permaneça no instante passageiro.
Do acto criativo e da substância física, verbal, que a palavra encerra resulta uma nova realidade, uma nova designação do mundo. O impulso criativo, consubstancia a procura de um caminho, de uma Verdade que intuímos, cuja origem se situa num tempo e num espaço que a nossa memória consciente não abarca, mas a que, espiritual e materialmente, é necessário aceder. A palavra transforma-se, no poema, em mediadora entre o mundo real e exterior e o mundo idealizado, criado pela nostalgia da ideia de uma ordem anterior e interior, que reincorpore a realidade. É essa unidade que o poema persegue. A palavra é, no limite, o princípio e o fim do texto poético.
Porque o mundo se tornou incompreensível, o poema mantém com a palavra um pacto mágico, enquanto o sujeito poético protagoniza um drama: a saudade de Ser. É desse esvaziamento de sentido do Mundo e do Ser e também da palavra, substância de uma vasta pluralidade de sentidos, que o poema retira o seu sustento. O poder polissémico da palavra, a energia que a expressão da intensidade sugestiva liberta, corresponde a um impulso de união com esse mundo pré-adâmico, a uma vontade paradoxal e indizível de vida e de morte. Uma tensão que vibra no fugaz instante criativo e que, contudo, permanece e se actualiza na espessa e profunda espiral do tempo.
espiral do tempo... que por ser espiral o transforma no nosso familiar mais próximo, o sem-tempo...
ResponderEliminarA linguagem do poema e da palavra é um reflexo da simbólica vida humana, incluindo e superando a lógica.
Matas-me as saudades da nossa linguagem original, saudades do futuro. :)