Um espaço para expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa.
domingo, 29 de junho de 2008
Ilha dos Amores
Agostinho da Silva : “(…)
Então, a primeira ideia que Camões coloca aos portugueses que pensaram construir o tal Céu na Terra é que não se atrapalhem a fazer muitos planos porque, quem sabe, por vezes os planos, se os marinheiros os tivessem – não iriam atrapalhar os planos da Deusa. É ela que anda com a Ilha de um lado para o outro, até ver o momento certo de a colocar diante das proas dos navios, de tal maneira que os marinheiros desembarquem.
Então, existe um ponto importante, que é o seguinte: nenhum navio teria chegado ali se os marinheiros não tivessem cuidado do navio todos os dias, baldeado o convés, remendado as velas, tratado do cavername. Não devemos fazer planos para aquilo que queremos alcançar, atrapalhando com eles a vida, mas devemos manter os nossos navios inteiramente em ordem, em perfeita ordem, para que eles cheguem lá…
E além disso, possuir as forças internas de tal maneira dispostas que não fiquemos hesitantes diante das Ilhas, não sabendo se desembarcamos se não desembarcamos.”
In Conversas com Agostinho da Silva, por Victor Mendanha
(Terceira Conversa – o passado no futuro)
Não hesitar diante das Ilhas e não saber se se desembarca ou não: conciliar isto é a própria Ilha dos Amores.
ResponderEliminarGrato, Luiza, por recordares Agostinho.
Essa ideia da Deusa a andar com a Ilha de um lado para o outro é embarcadoura. O barco é uma ilha, artificial ou artificiosa, que anda dum lado para o outro, mas que está sujeito a forças cegas e a inclemências muito diversas. É um dispositivo em constante perigo de se desconjuntar, de sofrer as agruras do mar e de desfazer por sua causa. Os marinheiros não se querem insulados, porque o seu anseio é aportar, depois das tormentas e das calmarias, em terra firme. Mas o firme e o afirmativo dos portos de chegada são apenas formas transitivas da permanência e da incompletude que a corrói na sua essência de não acontecido. E, no fundo, bem lá no fundo, às ilhas não se aporta. A chegada a uma ilha, perdida na vastidão oceânica, é sempre, em parte, o resultado da Sorte que, como o seu "S" ofidiano bem revela, é o estarmos onde nunca estaríamos se o quiséssemos. Porque o querer impele para uma via rectilínea e no mar a redondez da terra é um paradoxo de movência e insustentabilidade aliadas ao para lá do horizonte que se revela na catástrofe da distância. Há aí perdição. E não podemos esquecer que o marinheiro português é singular em comparação com os seus símiles das outras nações, nessa época. O marinheiro é ao mesmo tempo soldado. A sua espada é uma maravilha técnica. Pode andar sempre à cinta, mesmo nas tarefas mais difíceis da mareação. Mareação e não navegação, porque o marinheiro-soldado nunca navega, entrega-se à viagem de forma incondicional e sabe que a sua vida, mal consumada a largada, nem estará segura por um fio. As parcas ficam impotentes, entregues à sua fúria cujo furor agita as águas e dá-lhes um negrume perceptível mesmo nas rotas mais límpidas. E o marinheiro sabe que só a Deusa, vácua e dançarina, cantante e Anuladora, pode resgatá-lo da sua irrevogável abissão. Porque o marinheiro, transcorridos dois meses de mareação, em qualquer viagem largada de um porto de partida, porque as há sem porto nenhum, e essas são indescritíveis, não é ambicioso. Sabe que o dinheiro da pimenta e da canela não pagarão as provações e as dilacerações a que está sujeito o Nauta que o desabita. E sabe, também, que o rosto do Capitão já não esconde uma vontade de homem. E por isso confia Nele. Porque nessa Abdicação da Realidade a Ilha anulará a chegada e será o espelho do mundo e a sua saludação, a sua transmutação háustica, absorvente e in-clusiva, uma suspensão da girândola ilusória a que se convenciona chamar revelação.
ResponderEliminarGrande Paulo, grandes ensaios sapienciais. Publica mais. Não tarda levo-te pela mão a veres o todo em cada coisa, a seres Deus. E mais além !
ResponderEliminarÉ lá...
ResponderEliminarAcho que desta vez não é a mosca bacante. Bezuntei-me de mel para a atrair, mas parece-me que estou tramado...
Estás tramado porque estás na trama do mundo, de alegria e dor entretecida! Estamos todos tramados! Estamos todos feitos! Mas só tu és Feitais...
ResponderEliminarLuiza, que amar mais: a Ilha ou a Vida ? Não digas que são o mesmo, porque são.
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