O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 7 de novembro de 2009

A Pintura é um olho cego que continua a ver, que vê o que o cega



Bram Van Velde, Sans titre, 1936/1941
Guache sobre cartão, 125,8 x 75,8 cm
Doação de Samuel Beckett, 1982
Centro Georges Pompidou
(imagem do Google)

Pintar é acercar-se do nada. Pinto a impossibilidade de pintar. [...] o importante é não ser nada[...]. A Pintura é um olho cego que continua a ver, que vê o que o cega [...]. Para ser autêntico é necessário submergir-se, tocar o fundo [...]. Dizer o nada [...]. Não ser nada, simplesmente nada [...]. A arte é um esforço para o impossível, o desconhecido [...]. É necessário tratar de ver onde ver já não é possível ou onde já não há visibilidade [...]. Não assino as minhas telas. Não se pode pôr um nome no que ultrapassa o indivíduo [...]. Para chegar a certo algo, é necessário não ser nada [...]. Importa avançar sem saber nada, inclusive sem saber aonde se vai [...]. Tal é o que me permite fazer visível o invisível [...]. A pintura é o abismar-se, a imersão [...]. Quanto mais se está perdido, mais se é empurrado para a raiz, a profundidade [...]. O que sai de mim é sempre desconhecido. Tal é a razão de viver neste perpétuo assombro [...]. É terrivelmente difícil aproximar-se do nada.

- Charles Juliet, Rencontres avec Bram van Velde, Fata Morgana, 1978.

8 comentários:

Kunzang Dorje disse...

A nossa mente olha o Vazio e o faz Espaço.
Agostinho da Silva

que texto inspirador:)
"Não assino as minhas telas. Não se pode pôr um nome no que ultrapassa o indivíduo[...]"
Talvez o indivíduo ao pintar uma tela derrete-se em tintas e funde-se na tela, deixando este de ser indivíduo e a tela de ser tela...

Anónimo disse...

Perante um texto destes... fico muda, mas plena de significados dentro da minha alma.
Como é difícil aproximarmo-nos do Nada! Mas quão vertiginosa e delirante é essa sensação!

Rasputine disse...

Só tem dificuldade de se aproximar do nada quem se julga alguma coisa. E isso é ser parvo.

Rasputine disse...

Não assino as minhas telas mas digo que as não assino e a razão sublime pela qual o faço e assim assino-as com um dupla vaidade.

Anónimo disse...

Está bem!
Rasputine!

Luiz Pires dos Reys disse...

A dupla vaidade é uma modesta demonstração de ser, Raspu!
(Tine?)

É escancarar-se impossibilidade de sequer ser-se entretela, ou entre-tela, no caso vertente.

P.S. A sublime razão porque as não assina (as suas telas, claro), e o diz ao escancaro, mais mostra à evidência que está com a venta entalada na mais pura e simples entretela de nada (eu não disse "do nada").

Cuidado com o "entalanço": no "entre" nunca está nem a sina, nem a assinatura.

De resto, a assinatura pode ser tanto uma manifestação de pertença de origem, como elemento intrínseco da obra: qual "signatura rerum" pessoal da impessoalidade sequer de não assinar-se.

Criar é, no homem, sobretudo (quer se queira quer não) assinatura asinha - palavra desgraçadamente em desuso - do que, até ao fim (se o haja), está a (re)criar-se por toda a parte.

Flávio Lopes da Silva disse...

excelente! é a prova de que a pintura é escrever com tintas, ou pintar com palavras

abraço

Flávio Lopes da Silva disse...

excelente! isso é a prova de que, pintura é escrever com tintas, ou pintar com palavras

abraço