O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 31 de maio de 2010

O que é para mim a Poesia






















Vi um anjo na pedra e lutei com ela até o libertar.


Michelangelo





I know nothing in the world


that has as much power as a word.


Sometimes I write one, and I


look at it, until it begins to shine.


Emily Dickinson





Estes dois, o poeta da pedra e a poetisa da palavra, conseguem expressar o mais profundo significado que a poesia tem para mim. Imaginemos que as palavras são como pedrinhas. O não-poeta, o que se julga poeta, mas não o é, pega nas pedrinhas e junta-as, chamando a esse conjunto um poema. O poeta não. O poeta respeita as palavras, respeita as pedrinhas, como Michelangelo respeitava as pedras. Cada palavra tem em si um anjo aprisionado. Não basta juntar palavras bonitas e amontoá-las. O poeta sabe o lugar de cada uma em relação a todas as outras. Todas as palavras têm um anjo e são igualmente importantes, mas o anjo só é libertado pela sinergia entre elas, pela colocação de cada uma delas no lugar certo. Então, o poeta, junta as palavras, como pedras e sabe quais as palavras que ligam umas com as outras, quais as que pertencem a outro poema e guarda essas. Depois pega nas que sobraram e coloca-as no lugar certo umas em relação às outras e elas começam a emitir um ligeiro brilho. Mas não é o brilho da poesia. É o brilho do despertar da poesia. Há que guardar mais algumas palavras ou procurar uma que está escondida. E depois ainda há que baralhá-las de novo e respeitar a distância ou o amor entre elas. E polir o espaço entre elas e algumas palavras são como estrelas no céu, mas outras como laços de seda ou veludo da cor da noite, outras ainda como caules ou rios, umas pulsam, outras descansam. E começam a brilhar com a luz da poesia e o poeta apaixona-se por elas e é com esse amor que lhes dá o polimento final que liberta o anjo nelas. E só então temos um poema. E o conhecimento do poeta para fazer isto vem da sabedoria e verdade iniciais. De nenhum outro lugar. E é por esta razão que todo o poema, todo o poema verdadeiro, se inicia com um despertar. Não das palavras, mas do poeta.

4 comentários:

Unknown disse...

Tão belo Laura, tão poético! Ía dormir e despertei. Porque este texto é poesia. Bem-haja!

Anónimo disse...

Este texto trouxe-me até aqui, Foi como se um anjo, antes de ser palavra, o Anjo da Poesia, o inominável ou o que guarda todos os nomes se desvendasse, não para mostrar a Poesia, mas para despertá-la. É por isso que certos textos brilham como poemas. Dizemos que são estrelas, mas não há nome para eles. Porque o brilho é desvelar, mas não esconde o mistéro,revela-o, velando-o.

Muito belo. Grata Laura, pela inspiração e pelo acordar, ainda que fosse de noite e é já manhã.

Anónimo disse...

Um beijo à Isabel. Bom Dia.

Laura disse...

Obrigada, queridas Isabel e Saudades. Os vossos comentários significam muito para mim.