O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 7 de maio de 2010

Escolhas

Agostinho considera que todo o teatro grego, tragédia e comédia, provém da consciência deste conflito entre a natureza não-dual do homem e a sua orientação histórica, que marca as possibilidades e direcções opostas que coexistem no íntimo da espécie e de cada indivíduo: por um lado, o crescente desenvolvimento de uma civilização tecnocrática que dessacraliza o mundo, que o considera e aos seres vivos sua propriedade - para "usar, gozar e abusar" -, que instrumentaliza a vida para o único fim do sustento material e, privada do sentido do infinito e da totalidade, da contemplação e da adoração, da comunhão e da gratuidade, se encerra no círculo fechado do produzir para consumir e consumir para produzir; por outro lado, o impulso religioso para regressar à original inocência paradisíaca, ao sentimento da sacralidade do todo e à paz da indistinção entre "eu" e "outro", sujeito e objecto, o que Agostinho considera possível por um aprofundamento da experiência imanente do divino, culminando nessa "experiência mística" que, universal e trans-religiosamente, considera mostrar "que o auge do sentimento religioso consiste numa fusão entre objecto do culto e sujeito do culto, num transformar-se o amador na coisa amada, num aparecimento da unidade perfeita onde a dualidade existia".

 - Paulo Borges, in Uma Visão Armilar do Mundo

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