sábado, 31 de janeiro de 2009

"No meu nascimento [eterno] todas as coisas nasceram..."

“No meu nascimento [eterno] todas as coisas nasceram e eu fui causa de mim mesmo e de todas as coisas, e se eu o tivesse querido eu não seria, e todas as coisas não seriam, e, se eu não fosse, “Deus” também não seria. Que Deus seja “Deus”, disso eu sou uma causa; se eu não fosse, Deus não seria “Deus”” – Mestre Eckhart, Beati pauperes spiritu...

Namoro




Ouvi por primeira vez esta canção uma noite de há já vinte e quatro anos num pub chamado El Halcón Maltés, na Corunha. Pires Laranjeira falava de Viriato da Cruz. Era a primeira vez que eu ouvia falar em português tanto tempo e fiquei namorado. Foi este o poema que Pires Laranjeira, brilhantemente, usou para explicar muitas cousas políticas e humanas sobre o poder e a comunicação e suponho que também dos equívocos e mal-entendidos do amor. Aqui o deixo como recordação aos amigos, com um forte abraço para todos. E aproveito também para enviar, novamente, a Saudades, a Luiza e a Isabel o meu reconhecimento pela beleza dos seus escritos ainda que, às vezes, um fique um pouco preocupado pelo sofrimentos ou tribulações dos amigos. Mandei-lhe uma carta em papel perfumado... Por favor, ouçam o Fausto, e um grande beijo e um grande abraço a todos, para todos.



Namoro

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando
de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas

Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seus seios, laranjas - laranjas do Loje
seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo, rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigenia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.

Levei á Avo Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, á porta da fabrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbudo, sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
"-Não viu...(ai, não viu...?) não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
levaram-me ao baile do Sô Januario
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso
as moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba - dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim !"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.

http://es.youtube.com/watch?v=tQCI2X0LPCY&feature=PlayList&p=3049FB380D7B9E15&index=1

Aceno da Torre Oeste



Era preciso agradecer às flores

terem guardado em si,

límpida e pura,

aquela promessa antiga

duma manhã futura.


Sophia de Mello Breyner


Passaram por aqui tantos bandos de aves que quase taparam o céu. Cada bando seguia em sua direcção, espalhados, disseminados, como pólen pelos ventos da rosa. Levavam vozes. Esperavam silêncio. Moviam as asas em direcção aos lagos, às montanhas, ao deserto; à imensa planura que se põe em fogo para os lados de onde se deita o rei.
Da torre Oeste, o mar olhava o céu, o seu refelexo, a sua luz branca. Afinal não caímos no mar, guardamos intactas as gotas na face de uma pérola que brilha no mar tranquilo dos olhos. Mas a terra não chega, a ilha tarda. Do alto da torre e do terraço do mar lembrado adormecem as memórias e os sentidos. Ser a baba da espuma, o respirar da água. Uma saudade divina a saudar o divino corpo dos deuses. Por a terra não chegar nos fomos ao mar, e o mar em nós se foi à ilha que esperava. Ser alma da lembrança, barca do mar a navegar ao leme de uma raíz de luz. À barca! À barca! Pescador de pérolas no coração do mar. Passaram pela torre tantas bandeiras em uma una e única universal e livre. Pátria universal, o mar:templo aberto ao vento da navegação.Embarcai, ó almas que trazeis ao peito uma cruz e uma rosa de saudade. Sobreviventes de todos os desastres, marinheiros de todos os portos; cansados de todas as guerras! É Hora!
A ilha chora pelo consolo da Hora, o gesto heróico de nehuma pátria chama. Uma pátria saudosa, a sangrar sobre as feridas da hora tardia. Prefigurando-se ilha, a torre atira ao vento brando, os zéfiros de antes de haver vento. Mesmo antes de haver ilha ela mesmo se fazia espera de si, guardado canto de sereia. E a ilha tinha a forma de um círculo em fogo, e uma pátria morria nessa chama. Antes do aceno dos navios e da viagem. Circumnavegação atenta do sem limite que sonha. É lá!... É lá!... - Gritava a distância. Sorria Amor seus frutos dados.
Porque um país que é rosto e fita o longe sempre há-de merecer - segundo o que colher da viagem que se faz no interior de um rio que há-de sempre ser foz- um canto saudoso. Há-de sempre desbravar para além do real, uma ilha coralínea, curvilínea, crisalina e cristalina que, redonda e para além dela, ser, se aproxima em canto à bainha do mar.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Sem Título

Durante três noites escutei o canto do pássaro. Poisado no parapeito da janela ou no fio do estendal, não sei, o pássaro veio prenunciar-te sob a forma de um encanto. Três dias volvidos e apareces-me assim. Foi ao passar por entre as folhas, na perseguição de uma antiga recordação – tinha seis anos e no baloiço pendurado na árvore, uma pomba branca poisou no meu rosto – digo pois, de uma antiquíssima espera, a do Espírito sobre mim, que assim te reconheci.
Vinhas vestida de azul e trazias nos lábios o sagrado mutismo dos infelizes. Vinhas manhã grega em dia de tenebrosa tempestade. Poisada no meu e mesmo chão, sob a forma de um clarão, como um rasgão e como um vaso pleno do que por mim foi esperado, colheste-me em flor de memória em sangue e viva. As flores que nos colhiam, e que os teus pés encobriam, sofrida a espera de uma revelação ou de uma redenção, eram de uma espécie e cor de sangue diferido, transferido, indefinido. As flores cobriam no chão alguém-ninguém que por ti tinha sido ferido ou em ti tinhas sofrido. Foi então que percebendo, sem saber como e por causa de meu nome, Isabel, todo o mistério das rosas, que corri a buscar aquela passagem em mim, que sei sem corpo de texto, da criança pelo espírito tomada. Essa criança, que me percorria e para ti também corria, vinha para ser tornada mulher, primavera e rainha. Vendo-te assim tão próxima, tão etérea, tão quase divina, não parei de tremer, por saber que foi a minha espera que te coroou, foi ela que te transformou em menina, criança e rainha.
Assim, pela primeira vez não cega me vias e eu te recolhia, e havia no teu corpo um ser outro do qual também eu – no teu sem nome como a flor da memória – me compadecia. Era do medo, era do segredo, mas era algures e não alhures, que outros sons originais, em nós se percutiam, assim menina, criança e rainha, parecia que ao receber-te ensandecia, desvairada e louca, enquanto escrevia.
Era do espanto, era do encanto, mas lentamente se pressentia que a menina, a criança e rainha me sobrevinham de um mundo, para mim ignoto, em que jamais somente se sofria, enquanto eu nas palavras e nos símbolos, num relance súbito, me expandia. Menina, criança e rainha, perguntava, com que asa da infância cobres ainda o meu rosto de medo com outras antigas penas da lembrança?
Tu, menina, criança e rainha, nada me respondias. Tinhas a boa fechada e já nada arrolavas. Dos teus lábios cerrados e a meus olhos confinados confiavas o segredo e o medo e eu, sob a divina mania, no pano da escrita perscrutava-te antiga e ouvia, escrevia e, tolhida e recolhida, neste silêncio dentro do tempo, te inscrevia.
Era do tempo, era do desalento, que o teu sorriso se escondia, ele que preso à mão do inverno lentamente te arrefecia e por dentro do teu rosto o esmaecia. Era eu quem, menina, criança, rainha, to pedia para o depor junto ao canto dos pássaros e da rima da poesia. O teu sorriso, menina, criança e rainha ainda dentro te ti ressurgia. Era para dentro de ti que a escrita ria e fugia. Escrita dançarina que contigo se envolvia em movimento-vento, em movimento-lento. As duas tristes dançarinas insufladas pelo vento pairavam sob o poema-canto, no canteiro, no poema com a forma de um campo-campa. As duas dançarinas, a escrita e a rainha, acompanhavam os passos em luta, em luto, do poema em que os mortos e os vivos renasciam. E eram penas o que assim, da escrita saía e na saia da dançarina, docemente nos envolvia. A das aves e a dos mortos.
Era como rosto e como corpo, mas já sem desgosto, que assim toda inteira e rarefeita, em castas gotas, me surgias e ungias, a pobre que assim escrevia e te recebia. O poema que da flor da terra remanescia eras tu, menina, criança, rainha, propulsionadora, no meu pulso do impulso, no curso do decurso, da escrita como incerta cartografia e caligrafia das lágrimas na paisagem de um rosto refeito do desgosto. Tu, quase divina em nós, sobre mim descias e comigo, aos céus, subias.
Durante três noites escutei o canto do pássaro que vinha do mar – também tu de lá vinhas coberta de lágrimas e escamas, sereia, criança e rainha –, durante três dias escrevi em pranto, em flor de memória e impotente, contra a força da Palavra, mas em vão, Menina (!), o pássaro escrevia agora com os movimentos da minha mão. O pássaro, que vem do mar e se reveste da espuma da onda e só em canto do silêncio se pronuncia, vinha sobre mim como um símbolo que enfim se aproximava para me chamar e ao fundo da arca da Língua me entregar. Eu que nunca compreendi o mundo, eu que nunca contei o tempo, eu que sempre caminhei na direcção do vento, era assim daqui roubada e, de súbito, raptada para o interior de uma aparição, para o esplendor de uma transfiguração.
Roubada ao mundo e ao tempo, presa a uma asa de escamas e imersa numa saia de arcaicas lamas, entregava a vida ao movimento enamorado do olhar da alma com a mão. Comum à escrita, na viagem dentro da arca, levavas-me sem rumo por entre o fumo, para além daqui, Além, para em mim cumprir a tarefa espiritual de a vida e a morte renomear e cantar.
Dentro de ti serei(a) a que, cantando o verbo morto, deixará o poema renascer e como a flor, reflorescer.
É enquanto as rolas arrolam e os cabelos se enrolam que a voz cantando, semeia no corpo, terra canteiro, o poema. Canto em Língua pura, pátria imemorial para os mortos que florescem. O poema, revelas, é a outra eucaristia.




Para a Luíza e para a Sereia. A quem devo a partilha do incomunicável e da verdade. Para as duas chega muito atrasado, bem sei, mas é só numa certa contagem do tempo. Este texto é para o tempo incontável a que chamaremos outros nomes. Uma breve nota também de agradecimento ao João Serra que me ofereceu a fotografia de uma certa composição em que se escreve para haver entrega aos outros, na absoluta entrega e confissão do que se é aos Amigos.

Solve et coagula

Verdade é o Fogo secreto
que nos dissolve a voz na Escuta
para d'Ourados silêncios.

Aquele a quem foi dado ser plenamente

"Aquele a quem foi dado ser plenamente como o em que se nega todo parcial ser, como o que vê e, no ver do que é, infinitamente ultrapassa todo ver e saber finito, esse, no mesmo instante em que frui a mais pura alegria, sabe para sempre toda a verdade"

- José Marinho, Teoria do Ser e da Verdade, Lisboa, Guimarães Editores, 1961, p.19.

O liquaz, o volátil... e o vazio...

Num ensaio intitulado "O homem e as coisas", Sartre, analisando a poesia de Francis Ponge, a propósito da sua obra "Parti pris des choses" (in "Situações I", Publicações Europa América, Lisboa, 1968, pág. pág. 256) cita um texto notável no qual o poeta escreve sobre a água. Diz ele:

"Líquido é por definição o que prefere obedecer ao peso para manter a forma, o que recusa qualquer forma para obedecer ao peso".

Atrevo-me a pensar que, se fizer uma aplicação analógica deste texto ao elemento ar, ficaria encantado em transformar-me nele. Então eu diria (se o ar falasse, claro):

"Volátil é por definição o que prefere desobedecer ao peso para manter a ausência de forma, o que recusa qualquer forma para obedecer à leveza".

Mas, vendo melhor, talvez eu prefira mesmo é fazê-lo a um nível, simultaneamente, mais denso e mais incorpóreo. Um quase vazio...

Quando o vivenciar, em vez de aqui vir escrever o que disso possa ser dito, calar-me-ei: melhor será, e melhor o dirá.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Alguma coisa que nos devore

Que procuramos nós nas paisagens?
Alguma coisa que nos devore

- Pascal Quignard, Vie secrète, Paris, Gallimard, 1998, p.254.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A ajuda, o entrave e a meta


"Quando tivermos ido além de todo o saber, então teremos o conhecimento. Foi a razão a ajuda, a razão é o entrave.
Quando tivermos ido além de todo o querer, então teremos o poder. A vontade foi a ajuda, a vontade é o entrave.
Quando tivermos ido além de todo o prazer, então teremos a felicidade. O desejo foi a ajuda, o desejo é o entrave.
Quando tivermos ido além de toda a individualização, então seremos verdadeiramente pessoas. O ego foi a ajuda; o ego é o entrave.
Quando formos mais além da humanidade, então seremos o Homem. O animal foi a ajuda, o animal é o entrave.
Transforma a razão em intuição ordenada; que tudo em ti seja luz. Essa é a meta.
Transforma o esforço num fluxo regular e soberano de força de alma; que tudo em ti seja força consciente. Essa é a meta.
Transforma o prazer num permanente êxtase sem objecto; que tudo em ti seja felicidade. Essa é a meta.
Transforma o indivíduo dividido numa personalidade com a dimensão do mundo; que tudo em ti seja divino. Essa é a meta."

Sri Aurobindo (1872-1950)

(“Aperçus et Pensées”, in «De la Grèce à l’Inde», Albin Michel, Paris, 1976, pág. 93 e seg.)

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Na morte de manuela porto

Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
ao mundo que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.Apertos de mãos quentes.
Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes
...(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...

José Gomes Ferreira
Poesia III
Lisboa, Portugália Editora, 1971, 4.ª ed.

“Sulcos de mistério” ... de “ praias mutáveis”


XXXI

Sulcos de mistério conduzem-nos o olhar
para um sítio onde o ar embala a luz mais pura.
Quando dentro da carne tudo soa a pavor
e a razão nos foge e o coração hesita,

gostaríamos de erguer aquele estandarte
que fala ao vento duma pátria segura.
Encerrados na abóbada do espaço, detemos o olhar.
Nenhuma rota nos espera. Então, demasiado tarde,

compreenderemos que os vales do azul celeste se transpõem
com o olhar afeiçoado a desvendar o oráculo
que ao fundo do coração nos mostra o caminho duma estrela...

Porém a mente rebelde suspeita da miragem;
e nas suas lágrimas se afogam as palavras
que tornariam transparente o obscuro véu.


XXX

A procura é fugir de nós próprios:
Ser canção e escapar da garganta
para nos fundirmos com os cantos alheios...
Estar em todas as rotas,
eternos cata-ventos saudosos
de praias mutáveis.

Félix Cucurull
(1919 -1996)
Dois poemas da série “Os Outros Mundos” (“Els altres mons”) in “Vida Terrena”, Editora Ulisseia, Lisboa, 1966, págs. 65 e 63.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Olhar demorado

Não entres a fugir onde não possas respirar-te no soluço,
e se te cruzares com a demora, espera-a nos olhos.

Página de escrita

Dois e dois quatro
quatro e quatro oito
oito e oito dezasseis…
Repitam! Diz o professor
Dois e dois quatro
quatro e quatro oito
oito e oito dezasseis.
Mas eis que o pássaro da poesia
passa no céu
a criança vê-o
a criança ouve-o
a criança chama-o:

Salva-me
brinca comigo
pássaro!

Então o pássaro desce
e brinca com a criança
Dois e dois quatro…
Repitam! Diz o professor
e a criança brinca
e o pássaro brinca com ela…
Quatro e quatro oito
oito e oito dezasseis
e dezasseis e dezasseis quanto é que faz?

Dezasseis e dezasseis não faz nada
e sobretudo não faz trinta e dois
e de qualquer maneira
eles vão-se embora.
A criança escondeu o pássaro
na sua carteira
e todas as crianças
ouvem a música
e oito e oito por sua vez também se vão
e quatro e quatro e dois e dois
por sua vez desaparecem
e um e um não fazem nem um nem dois
um e um também se vão dali.

E o pássaro da poesia brinca
e a criança canta
e o professor grita:
deixem de fazer palhaçadas!

Mas todas as outras crianças
escutam a música
e as paredes da sala
desmoronam-se tranquilamente.
E os vidros voltam a ser areia
a tinta volta a ser água
as carteiras voltam a ser árvores
o giz volta a ser falésia
e a caneta volta a ser pássaro.

Jacques Prévert

(Tradução de José Fanha)

As três palavras mais estranhas


Quando pronuncio a palavra Futuro,

a primeira sílaba pertence já ao passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,

destruo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,

crio algo que não cabe em nenhuma não-existência.


Wislawa Szymborska

domingo, 25 de janeiro de 2009

Brinde

“(…)
Por isso vos quero também agradecer, deuses celestes, e finalmente
No peito mais aliviado respira de novo a oração do vate.
E tal como quando com ela me encontrava nos cumes soalheiros,
Há um Deus que, interpelando-me do interior do templo, me devolve à vida.
Também quero viver! O verde surge! E como que dedilhado numa lira sagrada
Chega o apelo dos montes argênteos de Apolo!
Vem! Tudo foi como num sonho! As asas ensanguentadas já estão
Saradas e todas as esperanças renascem.
Ainda há muita grandeza por achar e quem assim
Amou é forçoso que entre na órbita dos deuses.
Acompanhai-nos, horas sagradas! E vós, solenes
Jovens! Permanecei, santos presssentimentos, e vós,
Súplicas ardentes! E vós, entusiasmos e todos vós,
Génios bons, a quem é grato estar entre os amantes;
Permanecei junto de nós até pisarmos o mesmo solo
Onde todos os deuses do Alto se preparam para regressar,
Onde estão as águias, as constelações, os mensageiros do Pai
Onde as musas se encontram e donde provêm os heróis e os amantes,
Que aí, ou também aqui, nos encontremos sobre uma ilha orvalhada,
Onde todos os nossos estarão, florescendo juntos em jardins,
Onde os cânticos serão verdadeiros e as Primaveras por mais tempo belas,
E de novo comece um ano para as nossas almas.”

Hölderlin – Pranto de Ménon por Diotima

Avesso do Contraluz



Nascente
Como o campo se afasta
ao encontro do crepúsculo, vago, longe
Montanhas! Além do frio do tempo
A flor: raríssima asa de ontem.


Dentro dos rios,
Agora,
O ceu estreita tão próximo
o braço canta
Na luz do plátano avoengo
A memória dos vivos engole a erva.


O coração do pássaro é uma pedra
Que voa na boca da asa do vento
Subindo nos perfumes
luzes que se recolhem na erva
Rasto do tempo na lentidão da hora


Mas
a mim mesma me suspendo
Nas pupilas menina dos olhos
luz e lábio, movente gesto
de nada agarrar
nem deixar flutuar
no rio a chuva que não há
a flor do tempo, fixa à raiz
de um pássaro calado
coladas asas
mudo, contra a surpefície
móvel da luz desfeita.

Gegenlicht / Contraluz

Crepúsculo.
Como desliza o campo
ao nosso encontro, a corrente larga,
planícies! Fria, fora de tempo,
a lua. Um golpe de asa agora.

Nas margens dos rios,
longe,
quando o amplo
céu os abraçava,
ouvimos cantar
na sombra das florestas. Um antepassado
procurava valas engolidas por ervas.

Coração de pássaro, leve, pedra
emplumada cavalgando o vento.
Caindo nas
névoas. As ervas e a terra
recolhem-te, um rasto
de morte no visco de um caracol.

Mas
a mim quem me suporta,
homem de olhos fechados,
boca perversa, com mãos
que nada seguram, que sequioso
segue o rio,
lançando na chuva
a respiração de outro tempo,
o que já não volta, o outro,
não nomeado, como nuvens,
um pássaro de asas abertas,
irado, contra o céu,
selvagem, contraluz.

- Johannes Bobrowski, "Contraluz", Tempo da Sarmácia, in Como um Respirar (antologia poética), selecção, tradução, introdução e notas de João Barrento, Lisboa, Cotovia, 1990, pp.11 e 13.

(In)Finitude


inefável
espaço
infinito
que me cobre
rodeia
apela
singela maneira de ser
tudo é fragmento, do querer
incontida ânsia
de plenitude
a revolta
da minha finitude!

sábado, 24 de janeiro de 2009

Convite para o Jogo do Mundo - 2ª, 26, 18.30 - Buchholz Chiado

Car@s Amig@s,

Tenho o prazer de vos convidar para o lançamento do meu livro O Jogo do Mundo. Ensaios sobre Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, apresentado pelo romancista e ensaísta Miguel Real, na próxima 2ªfeira, dia 26, pelas 18.30 h, na Buchholz Chiado, no Largo Rafael Bordalo Pinheiro, nº30 (ao Chiado).
Sendo dia de eclipse solar, seja também dia de não-eclipse do nosso encontro com o Jogo do Mundo e com a profundidade da nossa cultura poético-filosófica.

Abraços

"Reunimos neste livro seis estudos e ensaios sobre alguns dos temas mais singulares do pensamento de Teixeira de Pascoaes e FernandoPessoa, que visam mostrar toda a sua riqueza filosófica, em fecundo diálogo com a multiforme tradição planetária, de Ocidente a Oriente. O que de maravilhoso e inquietante a sua convergente visão metafísica nos diz é que todos os seres e fenómenos são a metamorfose contínua deum inefável fundo indiferenciado que neles se encobre e re-vela. Pode assim falar-se de um jogo ou i-lusão, palavra que à mesma noção etimológica de jogo acrescenta a ideia de algo que não aparece ou é percepcionado tal como é. Daí a metáfora de um carnavalesco baile de máscaras, como em Pascoaes, ou de uma multiplicação heteronímica, como em Pessoa, para falar da constituição da realidade e do universo enquanto ambígua manifestação daquele fundo sem fundo. No plano do sujeito, a heteronímia – literariamente assumida por Pessoa e implícita em Pascoaes – convoca-o ao constante auto-imaginar-se na e a partir da indeterminação primordial. Essa a grande aventura de toda a consciência livre e desperta que, desencobrindo-se Ninguém, pode por isso mesmo reconhecer-se Todo o Mundo, acedendo aí, simultaneamente, à experiência mais funda e singular de si mesma. Deste modo se desvela a muito significativa convergência de duas figuras maiores da cultura portuguesa e lusófona cuja relação permanece mais conhecida pela sua divergência pessoal e pelo contraste entre as correntes, movimentos e revistas literárias de que foram as personagens centrais: o movimento da Renascença Portuguesa, o saudosismo e A Águia, no que respeita a Pascoaes, e o modernismo, comas suas várias ramificações, bem como a revista Orpheu e outras, no que se refere a Pessoa. O seu contributo para o património da visão-experiência da profundidade da Vida e das nossas mais insuspeitadas potencialidades surge como um precioso interlocutor do nosso despertar pessoal e colectivo, em busca da urgente prática de um paradigma alternativo ao ofuscamento global da inteligência e da sensibilidade que parece abater-se sobre o mundo"

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

"Há um destino, mas nenhum caminho; aquilo a que chamamos caminho é a hesitação"

- Franz Kafka, Aforismos, edição, apresentação e tradução de Álvaro Gonçalves, Lisboa, Assírio & Alvim, 2008, p.50.

A Revolução Total

A Revolução Total - A Mente Religiosa - A Energia - A Paixão


Palavras de Krishnamurti



«A mente religiosa difere completamente da mente que crê na religião»


«Em todas as páginas deste livro, o que sempre nos interessou foi a realização, em nós mesmos e, por conseguinte, em nossas vidas, de uma revolução total fora da estrutura social ora existente. A sociedade, como atualmente está constituída, é uma coisa horripilante, com suas intermináveis guerras de agressão - não importa se agressão defensiva ou ofensiva. Necessitamos de uma coisa totalmente nova, de uma revolução, uma mutação na própria psique. O velho cérebro nenhuma possibilidade tem de resolver o problema humano das relações. O velho cérebro é asiático, europeu, americano ou africano, e, assim, interrogamos a nós mesmos se é possível operar-se uma mutação nas próprias células cerebrais.

Investiguemos, também, agora que chegamos a compreender-nos melhor, se é possível a um ente humano que vive sua vida normal de cada dia, neste mundo brutal, violento, cruel - um mundo que se está tornando cada vez mais eficiente e, por conseguinte, cada vez mais cruel - se é possível a esse ente humano promover uma revolução não só em suas relações externas, mas também em toda a esfera do seu pensar, sentir, agir e reagir.

Todos os dias vemos ou lemos coisas aterradoras que estão acontecendo no mundo, como resultado da violência no homem existente. Podeis dizer: "Eu nada posso fazer a esse respeito", ou "Como posso influir no mundo?". Eu acho que podeis influir no mundo de uma maneira admirável se em vós mesmo não sois violento, se viveis realmente, em cada dia, uma vida pacífica, uma vida sem competição, sem ambição, sem inveja, uma vida não causadora de inimizade. Pequenas chamas podem tornar-se em incêndio. Reduzimos o mundo ao seu atual estado de caos com nossa atividade egocêntrica, nossos preconceitos, nosso nacionalismo, e quando dizemos que nada podemos fazer a tal respeito, estamos aceitando como inevitável a desordem em nós mesmos existente. Partimos o mundo em fragmentos e, se nós mesmos estamos partidos, fragmentados, nossa relação com o mundo será também fragmentária. Mas se, quando agimos, agimos totalmente, então a nossa relação com o mundo passa por uma enorme revolução.

Afinal de contas, todo movimento que vale o esforço, toda ação de profunda significação, tem de começar em cada um de nós. Eu tenho de mudar primeiro; tenho de ver qual é a natureza e a estrutura de minha relação com o mundo - e no próprio ato de ver está o fazer - por conseguinte, como ente humano que vive neste mundo, devo criar uma coisa diferente, e essa coisa, a meu ver, é a mente religiosa.

A mente religiosa difere completamente da mente que crê na religião. Não podeis ser religioso e ao mesmo tempo hinduísta, muçulmano, cristão, budista. A mente religiosa nada busca, não pode fazer experiências com a verdade. A verdade não é uma certa coisa ditada por vosso prazer ou vossa dor, ou por vosso condicionamento hinduísta - ou qualquer que seja a religião a que pertenceis. A mente religiosa é um estado de espírito em que não há medo e, por conseguinte, não há crença de espécie alguma, porém, tão-só o que ê, o que realmente é.

Na mente religiosa há aquele estado de silêncio que já examinamos, que não é produzido pelo pensamento, mas é oriundo do percebimento, ou seja da meditação com completa ausência do meditador. Nesse silêncio há um estado de energia isento de conflito. Energia é ação e movimento. Toda ação é movimento e toda ação é energia. Todo desejo é energia. Todo sentimento é energia, todo pensamento é energia. Todo viver é energia. Toda vida é energia. Se se deixa essa energia fluir sem nenhuma contradição, nenhum atrito, nenhum conflito, ela é então ilimitada, infinita. Quando não há atrito, não há limites à energia. O atrito é que dá limites à energia. Assim, percebido isso, por que é que o ente humano sempre introduz o atrito na energia? Por que cria atrito, nesse movimento a que chamamos vida? A energia pura, a energia ilimitada é para ele apenas uma idéia? Não tem realidade?

Necessitamos de energia, não só para promovermos a revolução total em nós mesmos, mas também para podermos investigar, olhar, atuar. E, enquanto houver atrito, de qualquer natureza, em qualquer de nossas relações, seja entre marido e mulher, seja entre um homem e outro, entre uma e outra comunidade, ou uma e outra nação, ou uma ideologia e outra - se há qualquer atrito, interior ou exterior, em qualquer forma, por mais sutil que seja - há desperdício de energia.

Enquanto houver um intervalo de tempo entre o observador e a coisa observada, esse intervalo criará atrito e, por conseguinte, desperdício de energia. Essa energia se acumula até o mais alto grau quando o observador é a coisa observada, e nisso não há nenhum intervalo de tempo. Haverá então energia sem motivo, a qual encontrará seu próprio canal de ação, porque, então, o EU não existe.

Necessitamos de uma enorme abundância de energia para compreender a confusão em que estamos vivendo, e o sentimento "tenho de compreender" produz a vitalidade necessária para a compreensão. Mas, o descobrir, o investigar, implica o tempo, e, como já vimos, o gradual descondicionamento da mente não é a maneira certa de proceder.

O tempo também não é o caminho certo. Quer sejamos velhos, quer jovens, é agora que o integral processo da vida pode ser levado a uma dimensão diferente. A busca do oposto do que somos não é, tampouco, o caminho certo e também não o é a disciplina artificial imposta por um sistema, por um instrutor, um filósofo ou sacerdote; tudo isso é muito infantil. Ao percebermos isso, perguntamos a nós mesmos: "Será possível libertarmo-nos imediatamente desta secular e pesada carga de condicionamento, sem cairmos noutro condicionamento - sermos livres, com a mente completamente nova, sensível, viva, alertada, intensa, capaz?". Eis o nosso problema. Não há outro problema, porque, quando a mente se renova é capaz de enfrentar e resolver qualquer problema, É essa a única pergunta que temos de fazer a nós mesmos.

Mas, nós não a fazemos. Preferimos ser ensinados. Um dos aspectos mais curiosos da estrutura de nossa psique é o querermos, todos nós, ser ensinados, porquanto somos o resultado de uma propaganda de dez mil anos. Queremos ver o nosso modo de pensar confirmado e corroborado por outrem, ao passo que fazer uma pergunta é fazê-la a nós mesmos. O que eu digo tem muito pouco valor. Vós o esquecereis no mesmo instante em que fechardes este livro, ou vos lembrareis de algumas frases, as quais ficareis repetindo, ou comparareis o que aqui lestes com o que lestes noutro livro; não quereis olhar de frente a vossa própria vida. E só ela é que importa: a vossa vida, vós mesmo, vossa mediocridade, vossa superficialidade, vossa brutalidade, vossa violência, vossa avidez, vossa ambição, vossa diária agonia e infinito sofrer; é isso que tendes de compreender, e ninguém, nem na terra, nem no céu, pode salvar-vos, senão vós mesmo.

Vendo tudo o que se passa em vossa vida diária, em vossas atividades cotidianas, quando escreveis, quando falais, quando sais de carro ou passeais a sós numa floresta, podeis, num só alento, num só olhar, conhecer a vós mesmo, muito simplesmente, tal como sois? Quando vos conhecerdes como sois, compreendereis então toda a estrutura da luta do homem - seus embustes, suas hipocrisias, sua busca. Para tanto, tendes de ser sumamente honesto perante vós mesmo, em todo o vosso ser. Quando agis de acordo com vossos princípios, estais sendo desonesto, porque, quando agis conforme o que julgais ser correto, não sois o que sois. É uma coisa brutal - ter ideais. Se tendes ideais, crenças ou princípios de qualquer espécie, não podeis de modo nenhum olhar-vos diretamente. Portanto, podeis ser completamente negativo, manter-vos inteiramente tranqüilo, sem pensar, sem temer, e ao mesmo tempo estar extraordinariamente, apaixonadamente, vivo?

Aquele estado em que a mente já não é capaz de lutar constitui a verdadeira mente religiosa, e, nesse estado mental, podeis encontrar-vos com essa coisa denominada verdade ou realidade ou bem-aventurança ou Deus ou beleza ou amor. Essa coisa não pode ser chamada. Por favor, compreendei esse simples fato. Ela não pode ser chamada, não pode ser buscada, porque vossa mente é tão estúpida e limitada, vossas emoções tão vulgares, vossa maneira de vida tão confusa, que aquela imensidade, aquela coisa ilimitada não pode ser chamada a vossa pequena casa, ao insignificante canto em que viveis, tão pisado e cuspido. Não podeis chamá-la. Para a chamardes, deveis conhecê-la, e vós não podeis conhecê-la. No momento em que alguém, não importa quem, diz: "Sei" - não sabe. No momento em que dizeis que achastes, não achastes. Se dizeis que a experimentastes, nunca a experimentastes. Tudo isso são maneiras de explorar um homem - vosso amigo ou inimigo.

Perguntamos então, a nós mesmos, se é possível encontrar-nos com essa coisa sem a chamarmos, sem a esperarmos, sem a buscarmos ou explorarmos - se é possível ela "acontecer", tal como a brisa fresca que entra na sala quando deixamos a janela aberta. Não podeis convidar o vento a entrar, mas tendes de deixar aberta a janela - o que não significa ficar num estado de espera; essa é uma outra maneira de nos enganarmos. Não significa que devais "abrir-vos" para receber; essa é uma outra forma de pensamento.

Nunca perguntastes a vós mesmo por que aos entes humanos falta essa coisa? Eles geram filhos, satisfazem o sexo, têm ternuras, a capacidade de compartilhar as coisas num estado de companheirismo, de amizade, de camaradagem, mas essa coisa - por que razão não a tem? Nunca vos ocorreu, num momento de folga - ao andardes sozinho por uma rua imunda, ao viajardes num ônibus, ao passardes umas férias à beira-mar, ao passeardes numa floresta, entre os pássaros, as árvores, os regatos, os animais selvagens - nunca vos ocorreu perguntar por que razão o homem, que vive há milhões e milhões de anos, ainda não possui essa coisa, essa flor maravilhosa e imarcescível; por que razão vós, um ente humano, dotado de tanta capacidade, tanta inteligência, tanta sutileza; vós, que tanto competis, que possuis uma tão maravilhosa tecnologia, que sois capaz de elevar-vos aos espaços e de descer ao fundo do mar, de inventar fantásticos cérebros eletrônicos - por que razão não possuis essa única coisa verdadeiramente importante? Não sei se alguma vez já considerastes seriamente esta questão: Por que está vazio o vosso coração?

Que responderíeis se fizésseis a vós mesmo essa pergunta; qual seria vossa resposta imediata, inequívoca, sem sutilezas? Vossa resposta deveria corresponder à intensidade com que fizésseis a pergunta, e ao vosso sentimento de urgência; mas vós não sois intenso, nem sentis aquela urgência, e isso porque não tendes energia, a energia que é paixão - pois nenhuma verdade se pode descobrir sem paixão - paixão impelida por intenso fervor, paixão sem nenhum desejo secreto. A paixão é uma coisa um tanto assustadora, porque, se tendes paixão, não sabeis aonde ela vos levará.

Assim, será o medo a razão por que não possuis a energia daquela paixão, para descobrirdes por vós mesmo por que vos falta aquela essência do amor, por que não arde em vosso coração essa chama? Se examinastes com muita atenção vossa mente e vosso coração, sabereis por que não a tendes. Se sois apaixonado, no descobrir por que não a possuis, ela se vos mostrará. Só pela negação completa, a mais alta forma da paixão, torna-se existente aquela coisa que é o amor. Como a humildade, não podeis cultivar o amor. A humildade vem à existência com a total cessação da presunção - e, então, jamais sabereis o que é ser humilde. O homem que sabe o que significa ter humildade é um homem vaidoso. Do mesmo modo, quando aplicais vossa mente e vosso coração, vossos nervos, vossos olhos, todo o vosso ser, a descobrir o caminho da vida, a ver o que realmente é, e a ultrapassá-lo, a rejeitar total e completamente a vida que hoje vivemos - nessa negação do maléfico, do brutal, torna-se existente a outra coisa. E nunca o sabereis. O homem que sabe que está em silêncio, o homem que sabe que ama, não sabe o que é o amor ou o que é o silêncio».

Jiddu Krishnamurti, Liberte-se do Passado, XVI capítulo

http://www.jiddu-krishnamurti.net/pt/index.php

A propósito dum comentário a despropósito dum descomentário a certo, digamos, poema dum certo Nobel, digamos que "português” talvez incerto


Não será de todo inútil comparar - com o que, para Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, seja o mais fundo sentido de escrever - aquilo que um tal de Nobel, glória provavelmente muito meramente fortuita, diz do “acto” (diz ele) de escrever.
Se não, vejamos:

Dificílimo acto é o de escrever, responsabilidade das maiores.(...) Basta pensar no extenuante trabalho que será dispor por ordem temporal os acontecimentos, primeiro este, depois aquele, ou, se tal mais convém às necessidades do efeito, o sucesso de hoje posto antes do episódio de ontem, e outras não menos arriscadas acrobacias(...)”

José Saramago, “A jangada de pedra


Escrevendo, cedo apenas a uma necessidade espiritual de revelação ou confissão. Cumpro uma lei da vida

Teixeira de Pascoaes, “São Jerónimo


À minha sensibilidade cada vez mais profunda, à minha consciência cada vez maior da terrível e religiosa missão que todo o homem de génio recebe de Deus com o seu génio, tudo quanto é futilidade, mera-arte, vai gradualmente soando cada vez mais a oco e repugnante. Pouco a pouco, mas seguramente, no divino cumprimento íntimo de uma evolução cujos fins me são ocultos, tenho vindo erguendo os meus propósitos e as minhas ambições cada vez mais à altura daquelas qualidades que recebi. Ter uma acção sobre a humanidade, contribuir com todo o poder do meu esforço para a civilização, vêm-se-me tornando os graves e pesados fins da minha vida. E, assim, fazer arte parece-me cada vez mais importante coisa, mais terrível missão – dever a cumprir arduamente, monasticamente, sem desviar os olhos do fim criador-de-civilização de toda a obra artística. E por isso o meu próprio conceito puramente estético da obra de arte subiu e dificultou-se; exijo agora de mim mesmo muito mais perfeição e elaboração cuidada. Fazer arte rapidamente, ainda que bem, parece-me pouco. Devo à missão que me sinto uma perfeição absoluta no realizado, uma seriedade integral no escrito”.

Fernando Pessoa, “Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues”, citado por António Quadros, “Fernando Pessoa – A Obra e o Homem” vol. I, Editora Arcádia, Lisboa, 1981, pág. 146 e seg.

Qualquer coincidência é impura semelhança!

"Ich bin das Messer mit dem der Tote seinen Sarg aufsprengt" / "Eu sou a faca com que o morto abre o caixão"


Eu sou o anjo do desespero. Com as minhas mãos distribuo o êxtase, o adormecimento, o esquecimento, gozo e dor dos corpos. A minha fala é o silêncio, o meu canto o grito. Na sombra das minhas asas mora o terror. A minha esperança é o último sopro. A minha esperança é a primeira batalha. Eu sou a faca com que o morto abre o caixão. Eu sou aquele que há-de ser. O meu voo é a revolta, o meu céu o abismo de amanhã.
- Heiner Müller, "O anjo do desespero", in O Anjo do Desespero, tradução, posfácio e notas de João Barrento, Lisboa, Relógio d'Água, 1997, p.51.

Pessoal!

toca a arrebitar. já agora, curtia aqui avisar que voltei a escrever no meu blogue. serão, com certeza, só parvoíces, mas assim o é também a filosofia. é andarmos aqui a fazer ficção com conceitos. já chateia.

"Noigandres", Arnaut Daniel (1180-1210)




"Vejo vermelhos, verdes, blaus, brancos, cobaltos
Vergéis, plainos, planaltos, montes, vales;
A voz dos passarinhos voa e soa
Em doces notas, manhã, tarde, noite.
Então todo o meu ser quer que eu colora o canto
De uma flor cujo fruto é só de amor,
O grão só de alegria e o olor de noigandres*."

"Noigandres", de Arnaut Daniel
(citado em Ezra Pound, "ABC da Leitura",Editora Cultrix, São Paulo, 1977, pág.185)


*Nota dos tradutores:
"noigandres, enoi gandres" - expressão provençal, de sentido incerto. Num dos seus Cantos - o XX - Ezra Pound narra este diálogo que teve com o notável provençalista alemão Emil Lévy a respeito da enigmática palavra:

"...Sim, Doutor, o que querem dizer com noigandres?"
E ele disse: "Noigandres! NOIgandres!
Faz seis meses já
Toda a noite, qvando fou dormir, digo para mim mesmo:
Noigandres, eh, noigandres,
Mas que DIABO querr dizer isto!"

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

"...un sexe de femme caressé par une fleur sauvage..."

"Clou mon frère fou, toi que souvent la folie exaspère, tu es le seul être qui a ri d'un grand rire sain, lorsque je t'ai dit qu'un sexe de femme caressé par une fleur sauvage pouvait donner naissance à un androgyne de cristal"

- Daniel Pons, Le Fou et le Créateur, Canto 39, Paris, Albin Michel, 1990, p.373.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

"Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais."


Demissão

Este mundo não presta, venha outro.
Já por tempo de mais aqui andamos
A fingir de razões suficientes.
Sejamos cães do cão: sabemos tudo
De morder os mais fracos, se mandamos,
E de lamber as mãos, se dependentes.

José Saramago,
in "Os Poemas Possíveis"
Lisboa, Caminho, 1999

Um Ícaro

Trabalho de António Couvinha

Cansados estão os olhos
De ver subir as águas
Espelho do céu
Pedra polida
Ao pensamento torna
Acesa em luz e vida.
(...)
Um arrepio longo
De viagem
Nos olhos tardos do frio.

"De amigo"

E olla meu amigo.
Agora
perante nós
o nada xurde derradeiro
coma toda orixe.

Olla no valeiro do ver.

Aonde, dime, agora, ou en cal peito
baixaría a mañán
para alumear os páxaros
que endexamáis voaron
das miñas maus ao dia.

Imaxe de ninguén
em tódollos espellos.

A ponla do mencer
esmoreceu na noite
e ti no irse
meu eu de min.
O nada.

E olla meu amigo.

- José Angél Valente [Orense, 25.4.1929-Genebra, 18.7.2000], Cántigas de alén, in El Fulgor, Antología poética (1953-2000), Barcelona, Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores, 2001, p.342.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Água do Mar

O tempo cura tudo, dizia a minha avó. A água do mar cura as feridas. Tantas pessoas a quererem que o tempo não passe tão depressa e eu à espera que ele passe o mais rapidamente possível. Passa Tempo, passa. A água do mar cura as feridas, o tempo cura tudo, só a água do mar cura tudo. Quero afogar-me devagarinho neste mar, deixar-me cair suavemente até à areia do fundo, macia, perder-me entre os corais e os peixes multicoloridos, talvez ser devorada por um tubarão ou salva por um golfinho, mas nunca cedo demais. Quero mergulhar no azul, verde e prata do esquecimento. Quero que o fogo se apague na água salgada, que o sol se filtre em luz branca no macio do ventre do planeta. Quero perder a memória, que o coração se plante no fundo e crie raízes e que as correntes abanem suavemente as veias e artérias desfeitas e as abracem. Quero que a mente se recrie ostra e os cabelos, algas, verde-escuras. Quero que as mãos se transfigurem em pequenos cavalos marinhos e as pernas em barcos afundados por piratas. Quero que a boca se esqueça das palavras e solte os beijos todos na espuma do mar. Quero que os ouvidos ensurdeçam para tudo o que não seja o cantar das baleias. Quero que as asas se soltem nos albatrozes e nos papagaios do mar. Quero que os braços se agigantem em tímidos marmotos que brincam. E no final, quero descer ainda mais, muito mais, ao coração da Terra, curada pela água e regressar núcleo vivo, equilíbrio, plenitude e brilhar na aurora boreal.

Criação e destruição da linguagem, dinamitação e pulverização de sentido



I
PANDEMOS


Dentífona apriuna a veste iguana
de que se escalca auroma e tentavela.
Como superta e buritânea amela
se palquitonará transcêndia inana!

Que vúlcios defuratos, que inumana
sussúrica donstália penicela
às trícotas relesta demiquela,
fissivirão boíneos, ó primana!

Dentívolos palpículos, baissai!
Lingâmicos dolins, refucarai!
Por manivornas contumai a veste!

E, quando prolifarem as sangrárias,
lambidonai tutílicos anárias,
tão placitantos como o pedipeste.



IV
AMÁTIA


Timbórica, morfia, ó persefessa,
meláina, andrófona, repitimbídia,
ó basilissa, ó scótia, masturlídia,
amata cíprea, calipígea, tressa

de jardinatas nigras, pasifessa,
luni-rosácea lambidando erídia,
erínea, erítia, erótia, erânia, egídia,
eurínoma, ambológera, donlessa.

Áres, Hefáistos, Adonísio, tutos
alipigmaios, atilícios, futos
da lívia damitada, organissanta,

agonimais se esforem morituros,
necrotentavos de escancárias duros,
tantisqua abradimembra a teia canta.


Jorge de Sena, "Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena",
in "Poesia II", Moraes Editores, Lisboa, 1978, págs. 151 e seg.



Na sua nota sobre “Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena”, que consta do posfácio ao livro “Metamorfoses", dois dos quais aqui se transcrevem, diz Jorge de Sena:

"Quanto aos Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena, […] trata-se de uma experiência (...) para sugerir mais amplamente do que a própria metáfora ambígua, com as suas fixações de sentido, o poderia fazer. Não se trata, portanto, creio eu, nem da transposição do limbo onírico da linguagem, como faz o Joyce de Finnegans Wake, nem da amplificação estilística da linguagem escrita, pela intromissão das formas da deformação oral, como faz Guimarães Rosa. O que eu pretendo é que as palavras deixem de significar semanticamente, para representarem um complexo de imagens suscitadas à consciência liminar pelas associações sonoras que as compõem.
Eu não quero ampliar a linguagem corrente da poesia; quero destrui-la como significação, retirando-lhe o carácter mítico - semântico, que é transferido para a sobreposição de imagens (no sentido psíquico e não estilístico), compondo um sentido global, em que o gesto imaginado valha mais do que a sua mesma designação. No último soneto, a maior parte das palavras não é inventada, mas os epítetos gregos de Afrodite.
E creio ser curioso como, ligeiramente transformados na acentuação (alguns), igualmente contribuem para a criação de uma atmosfera erótica, concreta, cuja concretização não depende do sentido das palavras, mas da fragmentação delas integrada num sentido mais vasto, evolutivo e obsessivo. E creio que, assim, é possível dizer tudo em linguagem poética, sem dizer o que, pelo carácter simbólico e conciso desta linguagem, não pode ser dito sem mau gosto e sem ridículo, como aconteceu ao D.H. Lawrence, quando quis misturar "poesia" e "prosa" para dizer "tudo".
O tudo expressamente dito, é, e tem de ser cada vez mais, o apanágio da ficção. E é preciso que se liquide de uma vez a ilusão de que a ficção pertence à poesia como tal: só pertence à poesia genericamente considerada como criação e construção de estilo. A poesia como criação de linguagem é supra-real, isto é, engloba a realidade e a sua mesma representação linguística.
"


Nota: Se bem que com pressupostos e intenções diferentes, também Ângelo de Lima e Antonin Artaud haviam feito anteriormente experiências com os limites da linguagem, de que se transcrevem alguns exemplos.


EDD'ORA ADDIO...--MIA SOAVE!..._
Ângelo de Lima

Aos meus amigos d'Orpheu


--Mia Soave...--Ave?!...--Alméa?!...
--Maripoza Azual...--Transe!...
Que d'Alado Lidar, Canse...
--Dorta em Paz...--Transpasse Idéa!...

--Do Occaso pela Epopéa...
Dorto... Stringe... o Corpo Elance...
Vae Á Campa...--Il C'or descanse...
--Mia Soave...--Ave!...--Alméa!...

--Não Doe Por Ti Meu Peito...
--Não Choro no Orar Cicio...
--Em Profano...--Edd'ora... Eleito!...

--Balsame--a Campa--o Rocío
Que Cahe sobre o Ultimo Leito!...
--Mi' Soave!... Edd'ora Addio!...


Fonte: http://www.gutenberg.org/ebooks/23621


Poemas em glossolalia
Antonin Artaud


ratara ratara ratara
atara tatara rana

otara otara katara
otara retara kana

ortura ortura konara
kokona kokona koma

kurbura kurbura kurbura
kurbata kurbata keyna

pesti anti pestantum putara
pest anti pestantum putra


* * *

potam am cram
katanam anankreta
karaban kreta
tanamam anangteta
konaman kreta
e pustulam orentam
taumer dauldi faldisti
taumer oumer
tena tana di li
kunchta dzeris
dzama dzena di li

* * *

Talachtis talachtis tsapoula
koiman koima Nara
ara trafund arakulda


Fonte: http://gismontizado.blogspot.com/2008/12/antonin-artaud.html

O Homem Invisível

O homem invisível decidiu dar cabo de mim
A sua presença é um convite permanente para a depressão
Estou sempre à espera de mais algum dos seus golpes baixos
Empurra-me para labirintos donde não há evasão

Ele já sabe há muito tempo que eu não posso detê-lo
Já sabe há muito tempo que eu não tenho meios para o apanhar
Sou eu quem dá a cara
Quem desperdiça a força que ele acaba por neutralizar

O homem invisível foi uma péssima invenção
Vive à custa do meu mal e não tem nada de bom para dar
E embora, às vezes, ele faça aliciantes promessas
Nenhuma delas até hoje me conseguiu acalmar

Eu sou apenas mais um entre os seus milhões de vítimas
Muitos já tentaram dar-lhe a volta, atirá-lo ao chão
Mas toda a gente falha
São todos contaminados pela sua má vibração

O homem invisível já é velho e cheira mal
Extremamente imoral, é capaz de vender a própria mãe
Não acredita no sonho, o seu amor é o dinheiro
E vive no terror constante de perder o que tem

Talvez eu nunca mais chegue a ver-me livre do monstro
Mas enquanto ele anda aí também vai ter que me aturar
Enquanto eu tiver voz
E algum sangue nas veias ele não vai conseguir descansar

Jorge Palma
Álbum Lado Errado da Noite, 1985

Olhar magistral

Reconhece na Tristeza as alegrias que choras
e prossegue desequivocado a queda nos abismos que te erguem fundo.

Sophia de Mello Breyner e Eugénio de Andrade

Hoje deixo aqui dois poemas. Um de Sophia de Mello Breyner, em resposta a Morrer de Luz e outro de Eugénio de Andrade, sobre As Palavras, por ocasião do aniversário do seu nascimento. E aproveito para desejar um bom dia a todos, cheio de claridade...

Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.

[Sophia de Mello Breyner]

As Palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

[Eugénio de Andrade]

"Man muss noch über Gott"/"Deve-se ir ainda além de Deus"




"Wo ist mein Aufenthalt? Wo ich und du nicht stehen.
Wo ist mein letztes End, in welches ich soll gehen?
Da, wo man keines findt. Wo soll ich denn nun hin?
Ich muss noch über Gott in eine Wüste ziehn"

“Onde é a minha morada ? Onde eu e tu não estamos.
Onde é o meu fim último, para o qual devo ir ?
Aí onde nenhum se encontra. Para onde irei então ?
Devo ir ainda além de Deus, para um deserto”

- Angelus Silesius, Cherubinischer Wandersmann, I, 7, in Sämtliche Poetische Werke, III, edição e introdução de Hans Ludwig Held, Munique, Carl Hanser Verlag, 1949, pp.7-8.

Morrer de luz

“Gostaria de perder a razão com uma única condição: ter a certeza de me tornar um louco alegre e jovial, sem problemas nem obsessões, folgazão de manhã à noite. Se bem que deseje ardentemente êxtases luminosos, não os quereria no entanto, pois são sempre seguidos de depressões. Quereria, em contrapartida, que um banho de luz de mim brotasse para transfigurar o universo – um banho que, longe da tensão do êxtase, conservaria a calma de uma eternidade luminosa. Teria a ligeireza da graça e o calor de um sorriso. Quereria que o mundo inteiro flutuasse neste sonho de claridade, neste encanto de transparência e imaterialidade. Que não haja mais obstáculo nem matéria, forma ou confins. E que, neste paraíso, eu morra de luz”

- Emil Cioran, Sur les Cimes du Désespoir, in Oeuvres, Paris, Gallimard, 1995, p.31.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Edgar Allan Poe (1809-1849) - Bicentenário do nascimento



(Poema dito pelo actor Vincent Price)



Marcando o bicentenário de nascimento de Edgar Allan Poe, escritor americano e celebrado autor do poema justamente célebre "The Raven"("O Corvo"), traduzido em português, entre outros, por Fernando Pessoa e Machado de Assis, aqui se deixa uma singela homenagem à sua memória.


The Raven
Edgar Allan Poe

Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
"'Tis some visitor," I muttered, "tapping at my chamber door-
Only this, and nothing more."

Ah, distinctly I remember it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow;- vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow- sorrow for the lost Lenore-
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore-
Nameless here for evermore.

And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me- filled me with fantastic terrors never felt before;
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating,
"'Tis some visitor entreating entrance at my chamber door-
Some late visitor entreating entrance at my chamber door;-
This it is, and nothing more."

Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
"Sir," said I, "or Madam, truly your forgiveness I implore;
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That I scarce was sure I heard you"- here I opened wide the door;-
Darkness there, and nothing more.

Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortals ever dared to dream before;
But the silence was unbroken, and the stillness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word, "Lenore!"
This I whispered, and an echo murmured back the word, "Lenore!"-
Merely this, and nothing more.

Back into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon again I heard a tapping somewhat louder than before.
"Surely," said I, "surely that is something at my window lattice:
Let me see, then, what thereat is, and this mystery explore-
Let my heart be still a moment and this mystery explore;-
'Tis the wind and nothing more."

Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and
flutter,
In there stepped a stately raven of the saintly days of yore;
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayedhe;
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door-
Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door-
Perched, and sat, and nothing more.

Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore.
"Though thy crest be shorn and shaven, thou," I said, "art sure no craven,
Ghastly grim and ancient raven wandering from the Nightly shore-
Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

Much I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
Though its answer little meaning- little relevancy bore;
For we cannot help agreeing that no living human being
Ever yet was blest with seeing bird above his chamber door-
Bird or beast upon the sculptured bust above his chamber door,
With such name as "Nevermore."

But the raven, sitting lonely on the placid bust, spoke only
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing further then he uttered- not a feather then he fluttered-
Till I scarcely more than muttered, "other friends have flown before-
On the morrow he will leave me, as my hopes have flown before."
Then the bird said, "Nevermore."

Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken,
"Doubtless," said I, "what it utters is its only stock and store,
Caught from some unhappy master whom unmerciful Disaster
Followed fast and followed faster till his songs one burden bore-
Till the dirges of his Hope that melancholy burden bore
Of 'Never- nevermore'."

But the Raven still beguiling all my fancy into smiling,
Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird, and bust and door;
Then upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore-
What this grim, ungainly, ghastly, gaunt and ominous bird of yore
Meant in croaking "Nevermore."

This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
This and more I sat divining, with my head at ease reclining
On the cushion's velvet lining that the lamplight gloated o'er,
But whose velvet violet lining with the lamplight gloating o'er,
She shall press, ah, nevermore!

Then methought the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung by Seraphim whose footfalls tinkled on the tufted floor.
"Wretch," I cried, "thy God hath lent thee- by these angels he hath sent thee
Respite- respite and nepenthe, from thy memories of Lenore!
Quaff, oh quaff this kind nepenthe and forget this lost Lenore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

"Prophet!" said I, "thing of evil!- prophet still, if bird or devil!-
Whether Tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate yet all undaunted, on this desert land enchanted-
On this home by horror haunted- tell me truly, I implore-
Is there- is there balm in Gilead?- tell me- tell me, I implore!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

"Prophet!" said I, "thing of evil- prophet still, if bird or
devil!
By that Heaven that bends above us- by that God we both adore-
Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels name Lenore-
Clasp a rare and radiant maiden whom the angels name Lenore."
Quoth the Raven, "Nevermore."

"Be that word our sign in parting, bird or fiend," I shrieked, upstarting-
"Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken!
Leave my loneliness unbroken!- quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!"
Quoth the Raven, "Nevermore."

And the Raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon's that is dreaming,
And the lamplight o'er him streaming throws his shadow on the
floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted- nevermore!



Para a tradução de Fernando Pessoa:
http://pt.wikisource.org/wiki/O_Corvo_(tradu%C3%A7%C3%A3o_de_Fernando_Pessoa)

Para a tradução de Machado de Assis:
http://pt.wikisource.org/wiki/O_Corvo_-_Tradu%C3%A7%C3%A3o_de_Machado_de_Assis

Portal dedicado a Poe:

http://www.poebrasil.com.br

Uma folha de erva

fotogafia "Death is not the end" by Paulo A. in www.olhares.com/Dion

Pedes-me um poema.
Ofereço-te uma folha de erva.
Dizes que não chega.
Pedes-me um poema.

Eu digo que esta folha de erva basta.
Vestiu-se de orvalho.
É mais imediata
do que alguma imagem minha.

Dizes que não é um poema.
É uma simples folha de erva e a erva
não é suficientemente boa.
Ofereço-te uma folha de erva.

Estás indignada.
Dizes que é fácil oferecer uma folha de erva.
Que é absurdo.
Qualquer um pode oferecer uma folha de erva.

Pedes-me um poema.
E então escrevo uma tragédia acerca
de como uma folha de erva
se torna cada vez mais difícil de oferecer

e de como quanto mais envelheces
uma folha de erva
se torna mais difícil de aceitar.


Brian Patten
Qual é a minha ou a tua língua?
Cem poemas de amor de outras línguas,
organização - Jorge Sousa Braga,

"Ela está condenada! Está salva!"

À Ana Moreira, que comemorando o seu aniversário ontem tão generosamente nos prendou com o magnífico "Faust", de Charles Gounod, no São Carlos.
Esta litografia de Wilhelm Hensel (1794-1861) ilustra o "Sie ist gerichtet! Ist gerettet!" ("Ela está condenada! Está salva!"), o instante sublime em que Margarida recusa a possibilidade de libertação que Mefistófeles e Fausto lhe oferecem e se entrega, como vítima sacrificial, ao cadafalso, assimilando-se assim ao Cristo cuja ressurreição imediatamente após se proclama.
Possamos nós assim nos oferecer, transmutando no coração toda a dor e treva em luz, pelo bem de todos os seres!
Gratos, Ana!

domingo, 18 de janeiro de 2009

Viagem

Ainda não parti, mas a minha viagem já começou. A alma lança-se primeiro para a frente, na antecipação do vôo. A mente segue-a, receosa, medrosa, ainda hesitante. Assim se vai abrindo o caminho que me vai separar de ti. Colocar o meu pé físico nos primeiros centímetros desse caminho vai ser uma das coisas mais difíceis que já fiz. O meu corpo não quer separar-se de ti. Nem a alma, mas essa, essa anda sempre a esvoaçar de um lado para o outro. Vai e volta, vai e volta. Nem sabe que vai para sempre. Sabe o quê, a alma? A alma é uma tonta. Feita apenas de voo, emoção e luz e sombras, sabe lá para onde vai, ela. Vai para onde a mandam, ora essa. Vai com o corpo, porque está presa a ele. A mente é que tem medo, mas foi a mente que decidiu. A mente protege em primeiro lugar o corpo. E o corpo, ultimamente, fora muito atacado pelas bicadas da alma, que se queria libertar. A alma enterrou-lhe o bico e as garras e começou a destruir o corpo. O corpo não se mexe. Ou melhor, não se mexia. Mas a mente começou a ver que a coisa estava a ir longe demais. Sentiu o corpo a falhar, as células a avariarem e a errarem a programação, a respiração cada vez mais ofegante, a visão a nublar-se, a circulação a interromper-se em vários pontos. Por isso, olhou no futuro e mudou-o imperceptivelmente. Poucos sabem, mas quando o presente acontece, não é causado pelo passado. É causado pelos nossos pensamentos colocados no futuro. O tempo, ao contrário do que se pensa, tem dois sentidos. O corpo pode percorrer apenas um, mas a mente percorre os dois, infindavelmente, sem mesmo se dar conta. Quando a mente olhou para o futuro e viu a morte do corpo, assustou-se e criou um futuro diferente. Do futuro para o presente chegaram então novos acontecimentos, devagar, ao princípio, depois numa sucessão cada vez mais rápida. Embateram um a um, primeiro como cascalho, depois pedras, depois pedregulhos, contra os muros que rodeavam o corpo, até que estes caíram. O caminho abriu-se. O caminho que me separa de ti. Onde irei dar em breve o primeiro passo. A alma é uma tonta, mas acaba por conseguir sempre o que quer. O corpo prende a alma, a mente é que decide, mas afinal a alma é que manda. Essa tonta. Não sabe para onde vai, só sabe que não quer ficar. Sofre e nem sabe porquê. Morde e arranha, quando enlouquece e pouco lhe importa o mal que faz ao corpo, porque afinal, para ela, o corpo não passa de uma prisão. Não fosse a mente e a alma matava o corpo em três tempos. Talvez num tempo apenas. Como um traço de pincel flutuante ou um lenço de seda puxado pelo vento na direcção de um caminho que ainda mal se abriu, branco, tão branco, como uma fina tela pousada no chão, mal sabe a alma o que a espera. Quando sentir a tua falta, quererá voltar. Mas será tarde demais. O corpo só pode percorrer o tempo num sentido e também os caminhos abertos pela vida não têm regresso. Não sei como a mente e o corpo irão conseguir acalmá-la, à tonta da alma, quando ela perceber que se quebraram os laços entre ela e a tua alma. Neste momento ainda está entrelaçada na tua. Não sabe que vai separar-se. Chilreia, alegremente, numa estúpida emoção sem sentido, que a minha mente se apressa a tentar esmagar. Em vão. A mente é mais densa do que a alma, tal como o corpo é mais denso que a mente. Mas enquanto a mente tenta acertar com um tabefe na alma tonta, esta vai-se distraindo e por vezes, até já se separa da tua, esvoaçando para um lado e para o outro. A tua alma está presa em ti, mas a minha alma não corre para mim, que ainda aqui estou, traça pinceladas coloridas no caminho branco e canta. À medida que o caminho se vai abrindo, com pinceladas e mais pinceladas de vôo, o meu corpo prepara-se para partir também. Eu também vou ter de ir com ele. Estou presa à minha alma. Sou ainda menos densa que ela. Pensam que ela é tonta? Parece tonta, mas não é, sou eu que a controlo. Mas nada decido e nunca intervenho. Nem sei quem sou. Desdobro-me em multiplicidades infinitas. Interrogo-me. Tão sómente.

E ainda um comentário ao post anterior, que vale por si...

Publico um comentário ao post anterior, de Petrus, lido também no mesmo blog:

A invenção de aparelhos sem fio, por Jagadis Chandra Bose, foi anterior à de Marconi. Bose foi o primeiro a inventar um coesor sem fio e um instrumento para indicar a refração das ondas elétricas. Mas o inventor indiano não explorou comercialmente suas invenções. sua atenção logo se desviou do mundo inorganico para o organico. Suas revolucionarias descobertas sobre a fisiologia das plantas estão ultrapassando até mesmo suas radicais realizações como físico. No dia seguinte fiz uma visita ao sábio em sua casa, que ficava próxima da minha.

....Regressei recentemente de uma visita as sociedades científicas ocidentais, disse Bose. Seus membros manifestaram intenso interesse nos delicados instrumentos de minha invenção, que demonstram a unidade indivisivel de toda vida. O crescógrafo Bose permite ampliar dez milhões de vezes. O microscópio aumenta apenas alguns milhares de vezes, apesar disso, deu impulso vital a ciencia biológica. O crescógrafo desvenda incalculaveis horizontes.

....Estudei em Cambridge. Admirável é o método ocidental de submeter toda teoria à escrupulosa verificação experimental. Tenho aliado sempre o procedimento empírico ao dom da introspecção, que é a minha herança oriental. Juntos, os dois processos me permitiram sondar os silencios dos reinos da natureza, incomunicaveis há longo tempo. Os reveladores gráficos de meu crescógrafo são provas, aos olhos mais céticos, de que as plantas possuem um sistema nervoso sensivel e uma vida emocional variada. Amor, ódio, alegria, medo, prazer, dor, excitabilidade, esturpor e inúmeras outras reações a estímulos são tão universais nas plantas como nos animais.

....O singular palpitar da vida em toda a criação poderia parecer uma imagem poética antes de sua descoberta, professor! Conhecí um santo que jamais arrancava um flôr. " Deveria ofender sua dignidade com meu rude gesto de despi-la?"

As palavras de compaixão do santo são literalmente comprovadas pelas descobertas que o senhor fez.
....Afirmou Yogananda.

....O poeta é um íntimo da verdade, enquanto o cientista se aproxima dela desajeitadamente.

Um dia, venha ao meu laboratório e veja o inequívoco testemunho do crescógrafo.

Quando o Instituto Bose foi inaugurado, compareci a solenidade.

Seguem trechos do discurso de abertura pelo cientista Bose.

No decorrer de minhas pesquisas, fui inconscientemente levado às fronteriras da física e da fisiologia. Para meu espanto, descobrí que as linhas limítrofes se desvaneciam, e que pontos de contato emergiam entre os reinos do vivo e do não vivo.

A matéria inorganica foi percebida como algo não inerte, vibrava intensamente sob a ação de forças numerosas.

Uma reação universal parecia colocar o metal, o vegetal e o animal sob a mesma lei. Todos exibiam essencialmente os mesmos fenômenos de fadiga e depressão, com possibilidades de recuperação e de estímulo, bem como permanente falta de reação associada à morte.

Cheio de assombro diante desta fantástica generalização, foi com grandes esperanças que anunciei minhas descobertas para o Royal Society - descobertas demonstradas através de experiencias.

Os fisiologistas presentes, porém me aconselharam a limitar minhas pesquisas ao campo da física, onde reconheciam meu sucesso, em vez de invadir os seus reinos estanques. Sem querer, eu me extraviara nos dominios de um desconhecido sistema de castas, ofendendo a sua etiquêta.

Um inconsciente preconceito teológico apresentou-se tambem: o que confunde ignorancia com fé.

Frequentemente esquecemos que Aquele que nos cercou com o mistério da criação, sempre em evolução, deu-nos tambem o desejo de questionar e de entender.

Incompreendido pelos outros durante muitos anos, finalmente entendí que a vida de um devoto da ciencia está inevitavelmenbte repleta de esforços interminaveis.

Cabe a ele lançar sua vida em ardente oferenda--encarando perda e ganho, sucesso e fracasso, como a mesma coisa.

Com o tempo as principais sociedades cintíficas do mundo aceitaram minhas teorias e descobertas, reconhecendo a importancia da contribuição indiana à ciencia.

O trabalho já realizado pelo laboratório Bose sobre a reação da matéria e sobre as inesperadas revelações da vida vegetal, descortinou vastas áreas de pesquisa na física, na fisiologia, na medicina, na agricultura, e até na psicologia.

Problemas até então encarados como insolúveis são agora trazidos à esfera da investigação experimental.

Foram comprovados através do teste do crescógrafo,o delicadíssimo sistema circulatório que conduz a seiva pelas plantas.

A vida mineral registrada através de impulsos amplificados e projetados numa tela mostraram que os metais manifestam várias reações.

Os instrumentos Bose demonstraram que metais como o aço, usados em tesouras e maquinaria, estão sujeitos à fadiga e recuperam a eficiencia após pausas periódicas.

A pulsação da vida nos metais sofre danos sérios, e pode até ser extinta, quando se emprega correntes elétricas ou pressão muito forte.


Trechos extraídos do livro Autobiografia de um Yogue, de Paramhansa Yogananda.

Os Mistérios da Água

Então aqui fica algo sobre a água, lido aqui: Liberdade de Expressão e Cultura

A água tem memória e registra o que ocorre à sua volta, à semelhança dos seres humanos. Esta é a conclusão a que cientistas japoneses e russos chegaram após estudos com a água em diversas condições: sob a forma de gelo, pura, contaminada por esgotos ou mesmo quando presente a manifestações das emoções e sentimentos humanos.

O livro “A mensagem da água”, do pesquisador japonês Masaro Emoto, traz fotografias com o registro de como a água ‘reage’ tanto diante de fenômenos físicos como a poluição ambiental, como de emoções, casos do amor e do ódio. Os resultados da pesquisa foram confirmados por acadêmicos russos, como o cientista Iúri Rakhmanín, vice-presidente da Academia das Ciências Naturais: “A água é uma fonte de energia e armazena informação. Ela pulsa oxigênio e hidrogênio”, diz. O vídeo (com áudio em espanhol) Os segredos da água (clique no título para assistir), com cerca de uma hora de duração, apresenta depoimentos e experimentos sobre o tema.

Histórica e curiosamente, a ex-URSS (e atual Rússia) sempre esteve na vanguarda das investigações supra ou paranormais, muitas vezes desdenhadas -ou apenas temidas- pela Ciência convencional. Não por acaso, foram os russos que criaram a chamada fotografia Kirlian, pela qual é possível registrar os movimentos do campo bioeletromagnético dos seres vivos conhecido como aura.

Embora o mecanismo que demonstre como a água armazena informações ainda não esteja inteiramente explicado, a descoberta deverá contribuir para um avanço na compreensão do funcionamento de medicinas como a homeopatia e Florais de Bach. Na homeopatia, a matéria-prima original utilizada para a formulação do remédio é diluída (dinamizada) até não deixar traços; e nos Florais de Bach não há nenhum agente diluído, exceto a água exposta ao sereno da madrugada. Ambas medicinas são reconhecidas e recomendadas pela própria OMS – Organização Mundial da Saúde.

As imagens a seguir mostram cristais de gelo vistos sob as lentes de um microscópio. As legendas são auto-explicativas. As fotos revelam ainda outra curiosidade: quanto mais harmoniosas as formas assumidas pela água, maior sua semelhança com as células de uma colméia, o núcleo de formato hexagonal onde as abelhas depositam seu alimento (o mel) ou que serve de berço para as operárias do reino das flores. Há 300 milhões de anos, esta forma se mantém imutável.




Livros recomendados:

A mensagem da Água, de Masaro Emoto
A vida secreta das plantas, de Peter Tompkins e Christopher Bird
A vida das abelhas, deMaurice Maeterlinck

sábado, 17 de janeiro de 2009

Dama Imóvel




Andas aí
Na Margem
A roubar para os teus cabelos
Verdes
A brisa do mar
A noite peca por tocar-te
Queria, fosse lua
Contigo contrastar,
Incrustrar no escuro
Imóvel e nua


"Depois que eu descobri
Que há você
Nunca mais existi..." (Djavan - Doidice)

A cintura é a parte mais importante

photography by Edward Weston, American, (1886-1958)


a cintura é a parte mais importante

do corpo de uma mulher,

o pequeno arco em que gira

todo o seu movimento.


para baixo e para cima fica a desordem

que as rotações imprimem:

imagens fugitivas, desfocadas,

de costelas, seios,

braços, ombros e cabelos;

ou virilhas, nádegas,

pernas múltiplas, como

na dança, sob a retina fotográfica.


formam-se assim linhas circulares,

pura luz,

mas com uma trajectória, que cria

o espaço e o tempo.


quem quisesse porém encontrar

um eixo vertical imóvel, ou seja,

possuir ilusoriamente a mulher,

teria de a pontuar no olhar, no meio

dos lábios, no umbigo,

no ponto mais sensível do clítoris,

na junção dos pés.



esta é a ciência antiga do tacto

- o que fixa o fluido,

e crucifica a carne

à eternidade do conceito.


Vítor Oliveira Jorge
“Pequeno Livro de Aforismos
Seguido de Algumas Alumiações”
Porto, 2005