quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Alguma coisa que nos devore

Que procuramos nós nas paisagens?
Alguma coisa que nos devore

- Pascal Quignard, Vie secrète, Paris, Gallimard, 1998, p.254.

13 comentários:

  1. Terá isso a ver com a saudade que sentimos diante de certas paisagens, diante das vastidões do mar, do deserto ou da montanha?

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  2. " Essas madrugadas deixaram em mim, para sempre, não sei que fria sensação do mistério e do silêncio e o terror sagrado das paisagens."

    Teixeira de Pascoais

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  3. Creio que a saudade que sentimos diante da paisagem é a saudade de havermos sido devorados, de a paisagem estar dentro de nós, nós dentro dela ou de nós e ela estarmos dentro de algo sem dentro nem fora.

    Talvez seja isso que se sente como mistério e silêncio em terror sagrado.

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  4. Para mim, adentrar-me na floresta, olhar, tocar nas árvores,nas pedras, no chão, lembra-me e faz-me sentir a minha finitude: tudo aquilo que é tão velho me sobreviverá.
    Também por isso, o campo inspira-me ficar, recolher,pura deter. O mar impele à partida, a desvairadas intentonas.Ambos pincéis na minha pintura/paisagem individual.

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  5. O mundo também tem fome
    também nos deseja e possui

    O combate inútil e vão da história e da civilização para lhe fugir

    quanto mais julgamos dominar a natureza mais estamos já a ser devorados por ela

    devorados, digeridos e evacuados em nada

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  6. Paisagem é, creio, qualquer âmbito sensorial (ainda que onírico) de sentido, carregado de fala silenciosa.

    Há paisagens que devoramos com os sentidos, e outras que nos devoram o sentido, ou de sentido.

    As primeiras, no devorarmo-las, mais nos devoram, de tão ávidos estarmos delas.
    As segundas, apossando-se de nós, mais largueza íntima nos permitem, posta a vastidão e o excesso de "empaísamento" que nos apossa.

    Isto constitui, ao que se me afigura, a paisagem enquanto tal: o ver de alguma parte do mundo, "enquadrado" num âmbito com-plexo (ainda que possa ser simples) de "detalhes" que como tal interagem connosco, a que o sentir confere um nexo e carrega de significado.

    Não há paisagem independente do ver: é o ver, sentindo (com todos os sentidos), que a faz.

    No limite, a natureza é, na verdade, antropófaga.

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  7. Comer não é ter fome de ser comido?

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  8. A uma certa fome, que a si mesmo se devora em processo uroboros, porventura inútil:

    Falar é não ter medo de ser calado?

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  9. Pois que pensas e dizes senão Uroboros? Não é esse o símbolo-rosto que escolheste?

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  10. Escrever/inscrever é coisa diversa de auto-morder-se!

    Tem, precisamente, a parede sem porta que vai do ex-crever, pelo des-crever, ao ins-crever, triádica triunívia!

    Ademais, o bisturi que escreve/inscreve fá-lo mutuamente no pulso: ali, onde se irmana o sangue e se cumpre os pactos da liberdade...

    ... sobremaneira aqueles, da mais iludente roda urobórica, que se rompe ...

    (grato pela observação...)

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  11. Tudo é voragem que se auto-devora e, simultaneamente, jejum infinito.

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  12. Assim, continuaremos ad aeternum passeando estultamente sobre o fio da lâmina, "decepados" pelo todo, em duas metades que são o todo de partes outras...

    Mais vale a holónica de Koestler...
    É bem mais libertadora e "comprehensive"...

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