sábado, 31 de janeiro de 2009

Aceno da Torre Oeste



Era preciso agradecer às flores

terem guardado em si,

límpida e pura,

aquela promessa antiga

duma manhã futura.


Sophia de Mello Breyner


Passaram por aqui tantos bandos de aves que quase taparam o céu. Cada bando seguia em sua direcção, espalhados, disseminados, como pólen pelos ventos da rosa. Levavam vozes. Esperavam silêncio. Moviam as asas em direcção aos lagos, às montanhas, ao deserto; à imensa planura que se põe em fogo para os lados de onde se deita o rei.
Da torre Oeste, o mar olhava o céu, o seu refelexo, a sua luz branca. Afinal não caímos no mar, guardamos intactas as gotas na face de uma pérola que brilha no mar tranquilo dos olhos. Mas a terra não chega, a ilha tarda. Do alto da torre e do terraço do mar lembrado adormecem as memórias e os sentidos. Ser a baba da espuma, o respirar da água. Uma saudade divina a saudar o divino corpo dos deuses. Por a terra não chegar nos fomos ao mar, e o mar em nós se foi à ilha que esperava. Ser alma da lembrança, barca do mar a navegar ao leme de uma raíz de luz. À barca! À barca! Pescador de pérolas no coração do mar. Passaram pela torre tantas bandeiras em uma una e única universal e livre. Pátria universal, o mar:templo aberto ao vento da navegação.Embarcai, ó almas que trazeis ao peito uma cruz e uma rosa de saudade. Sobreviventes de todos os desastres, marinheiros de todos os portos; cansados de todas as guerras! É Hora!
A ilha chora pelo consolo da Hora, o gesto heróico de nehuma pátria chama. Uma pátria saudosa, a sangrar sobre as feridas da hora tardia. Prefigurando-se ilha, a torre atira ao vento brando, os zéfiros de antes de haver vento. Mesmo antes de haver ilha ela mesmo se fazia espera de si, guardado canto de sereia. E a ilha tinha a forma de um círculo em fogo, e uma pátria morria nessa chama. Antes do aceno dos navios e da viagem. Circumnavegação atenta do sem limite que sonha. É lá!... É lá!... - Gritava a distância. Sorria Amor seus frutos dados.
Porque um país que é rosto e fita o longe sempre há-de merecer - segundo o que colher da viagem que se faz no interior de um rio que há-de sempre ser foz- um canto saudoso. Há-de sempre desbravar para além do real, uma ilha coralínea, curvilínea, crisalina e cristalina que, redonda e para além dela, ser, se aproxima em canto à bainha do mar.

6 comentários:

  1. "Afinal não caímos no mar, guardamos intactas as gotas na face de uma pérola que brilha no mar tranquilo dos olhos"

    só sei dizer que ADOREI!!
    palavras corajosamente bem sentidas - não desviam a atenção!



    abraço fraterno!

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  2. Ainda bem que esta ilha que nem daqui era, tocou em algum ponto da sua sensilibdade: corda de sentir, música, talvez...

    Nesse ponto no sencontrámos.

    abraço fraterno

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  3. ... "Levavam vozes. Esperavam silêncio".

    "É lá!... É lá!... - Gritava a distância"


    "(...) a terra não chega, a ilha tarda"
    ...

    E D. guarda silêncio...

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  4. Em perfeita sintonia com a tua música saudosa.

    Um Aceno Atlântico

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  5. Lapdrey,

    Às vezes é preciso que a distância seja mesmo distância; às vezes é preciso mandar calar o rei, outras pedir a D. que leve consigo esse silêncio longe, para o país onde habitam as aves...

    Um abraço

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  6. Caro João,

    Agradeço esse Aceno Atlântico. Essa Rosa de Sal e de Saudade...

    Um abraço

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