Crepúsculo.
Como desliza o campo
ao nosso encontro, a corrente larga,
planícies! Fria, fora de tempo,
a lua. Um golpe de asa agora.
Nas margens dos rios,
longe,
quando o amplo
céu os abraçava,
ouvimos cantar
na sombra das florestas. Um antepassado
procurava valas engolidas por ervas.
Coração de pássaro, leve, pedra
emplumada cavalgando o vento.
Caindo nas
névoas. As ervas e a terra
recolhem-te, um rasto
de morte no visco de um caracol.
Mas
a mim quem me suporta,
homem de olhos fechados,
boca perversa, com mãos
que nada seguram, que sequioso
segue o rio,
lançando na chuva
a respiração de outro tempo,
o que já não volta, o outro,
não nomeado, como nuvens,
um pássaro de asas abertas,
irado, contra o céu,
selvagem, contraluz.
- Johannes Bobrowski, "Contraluz", Tempo da Sarmácia, in Como um Respirar (antologia poética), selecção, tradução, introdução e notas de João Barrento, Lisboa, Cotovia, 1990, pp.11 e 13.
Paulo,
ResponderEliminarDo comentário a este texto nasceu-me um outro que acima deixo.
Espero que tudo corra bem no lançamento do livro que hei-de ler.
Contraluz é um paradoxo de si: está voltado nele o ver para a luz, mas a mesma cegueira o não deixa ver que seja a sombra que vê.
ResponderEliminarQuem sabe, não é este o nosso estado habitual de ver e per-ceber, per-saber pelo que em nós faz sombra, em contraluz de nós.
Obrigado, Paulo, por este extraordinário poema, um verdadeiro "tratado" da mais agudizante "ciência" óptica, do não-ver...
Abraço!