terça-feira, 26 de agosto de 2008
Ave Mãe-Mar
"Vem, ó noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti.
Ó carinhosa do Além, senhora do luto infinito,
Mágoa externa da Terra, choro silencioso do Mundo.
Mãe suave e antiga das emoções sem gesto,
Irmã mais velha, virgem e triste, das ideias sem nexo,
Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos,
A direcção constantemente abandonada do nosso destino,
A nossa incerteza pagã sem alegria,
A nossa fraqueza cristã sem fé,
O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases,
A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos,
A nossa vida, ó mãe, a nossa perdida da vida...
... não sei ser humano, conviver
DE DENTRO da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo ser prático, ser quotidiano, nítido...
(...)
Por isso sê para mim materna, ó noite tranquila...
Tu, que tiras o mundo ao mundo, tu que és a paz,
Tu que não existes, que és só a ausência de luz,
Tu que não és uma coisa, um lugar, uma essência, uma vida,...
Vem para mim, ó noite, estende para mim as mãos,
E sê frescor e alívio, ó noite, sobre a minha fronte...
Tu, cuja vinda é tão suave que parece um afastamento,
Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bafeja,
Tem onda de carinho morto, frio de mares de sonho,
Brisas de paisagens supostas para a nossa angústia excessiva...
Tu, palidamente, tu, flébil, tu, liquidamente,
Aroma de morte entre flores, hálito de febre sobre margens,
Tu, rainha, tu castelã, dona pálida, vem...
(...)
Ah, sê materna!
Ah, sê melíflua e taciturna
Ó noite aonda me esqueço de mim
Lembrando...
(...)
Quando eu abandonar o meu ser como uma cadeira donde me levanto
Deixar atrás o mundo como a um quarto donde saio,
Abandonar toda esta forma, de sentidos e pensamento...
Como uma capa que me prenda,
Quando de vez minha alma chegar à superfície da minha pele
E dispersar o meu ser pelo universo exterior,
Seja com alegria que eu reconheça...
um sol... na antemanhã do meu novo ser."
Álvaro de Campos
Ó carinhosa do Além, senhora do luto infinito,
Mágoa externa da Terra, choro silencioso do Mundo.
Mãe suave e antiga das emoções sem gesto,
Irmã mais velha, virgem e triste, das ideias sem nexo,
Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos,
A direcção constantemente abandonada do nosso destino,
A nossa incerteza pagã sem alegria,
A nossa fraqueza cristã sem fé,
O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases,
A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos,
A nossa vida, ó mãe, a nossa perdida da vida...
... não sei ser humano, conviver
DE DENTRO da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo ser prático, ser quotidiano, nítido...
(...)
Por isso sê para mim materna, ó noite tranquila...
Tu, que tiras o mundo ao mundo, tu que és a paz,
Tu que não existes, que és só a ausência de luz,
Tu que não és uma coisa, um lugar, uma essência, uma vida,...
Vem para mim, ó noite, estende para mim as mãos,
E sê frescor e alívio, ó noite, sobre a minha fronte...
Tu, cuja vinda é tão suave que parece um afastamento,
Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bafeja,
Tem onda de carinho morto, frio de mares de sonho,
Brisas de paisagens supostas para a nossa angústia excessiva...
Tu, palidamente, tu, flébil, tu, liquidamente,
Aroma de morte entre flores, hálito de febre sobre margens,
Tu, rainha, tu castelã, dona pálida, vem...
(...)
Ah, sê materna!
Ah, sê melíflua e taciturna
Ó noite aonda me esqueço de mim
Lembrando...
(...)
Quando eu abandonar o meu ser como uma cadeira donde me levanto
Deixar atrás o mundo como a um quarto donde saio,
Abandonar toda esta forma, de sentidos e pensamento...
Como uma capa que me prenda,
Quando de vez minha alma chegar à superfície da minha pele
E dispersar o meu ser pelo universo exterior,
Seja com alegria que eu reconheça...
um sol... na antemanhã do meu novo ser."
Álvaro de Campos
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8 comentários:
Todo o pensamento do homem torna-o Lunático
É isso!... Agora vejo totalmente porque me sinto fora do mundo! A humanidade vive dentro de si mesma, da sua mente consciente, não vive na superfície inconsciente do seu corpo, da Terra. Sim! Vivo literalmente fora do mundo!! Porque a maioria da gente vive dentro de si, porém, sem se dar conta que o seu verdadeiro interior é o que lhes está fora... que não é possível ser pensado: é a Matér-ia-fruto do Amor divino. Sou inteiramente aquilo que vejo, sou o que me está exterior a mim, porque é isso que me é a mim! O interior do Homem é a Lua... o exterior o Sol. Para que o homem nasça realmente de si próprio precisa de voltar a viver no chão da Terra, no Sol, deixar de pensar, porque pensar é estar, em todo o seu sentido, na Lua!
Não vivemos, somos vividos
Acordar inteiramente é passar a viver na superfície externa do corpo-Terra, e esta não existe dentro dos nossos pensamentos. O interior do corpo é que é alimentado pelo exterior, não o contrário, a Terra é que nos está a ser a nós, é ela que nos fornece o ar, a luz, os alimentos, não nós a ela: a Terra é que nos está a criar. O pensamento é um acessório dispensável ao nosso desenvolvimento, pois é sempre o inconsciente natural que comanda o leme do barco. É sempre a mão do capitão que o gira, nunca o seu pensamento de o girar, em tudo é só o corpo não-pensante que vive, não a mente. O ganho de consciência não altera em nada, o Homem continua a ser animal e a vida a acontecer sobre um corpo-terra mudo de pensamentos.
(a confusão do H e do h - do homem, é só que há uma distinção entre cérebro de homem e mulher... mas nada que nesta sociedade que quer falsamente igualizar os sexos se note por aí além... a mulher abandona a Terra achando que estar na Lua como o Homem é um direito seu, e foi-o por certo... mas... cumprir-se como Mãe-Terra também o seria...)
(perdão, há excepções... a minha avó da terra ainda pensa na terra - duplamente) :)
Anita,
...E abraço-a e peço consolo à carinhosa enfermeira do Além, à cuidadora dos aflitos; à mãe dolorosa dos simples, à mátria de seios escuros, complementar ao mamilo do Sol que tudo deixa ver, até a cegueira.
A "que tira mundo ao mundo", a apaziguadora, a minha irmã que abre uma estrada de ausência e me visita, ritualmente e inevitavelmente, e atira para dentro dos meus sonhos toalhas frescas que me tiram a febre do rosto... e te afastas silenciosa como apareceste, ó guardadora da aurora que te guardas dentro de mim
e afagas os meus cansaços; e trazes nos braços pulseiras de estrelas e pó lunar para o frasco guardado do
veneno que não mata e adormece...
Não sei. Já por aí vou com a noite e eu amo este poema e sinto-o em cada poro da minha pele que a noite
antiquíssima vem beijar...
Um beijo de Saudades
:)) e "ela" é tão minha enfermeira quanto aparece aos outros... ou é enfermeira de si própria... mas a sua ferida é grande... e só se curará quando vir todos os homens a serem si mesmos... ;)
... cui-dados por si mesmos.
... e vou postar aqui a noite que me trouxeste para juntar à que havia...
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