O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Pollock para a A. (I)



Esta noite Pollock não vai beber, não vai ver nem a neve cair, nem a névoa lavanda encobrir os rios. Esta noite Pollock vai chorar ao ouvir-te falar e as suas lágrimas vão pintar este quadro para ti, para a A.

Esta noite não vai acender o cigarro e olhar entristecido para as latas abandonadas em cima da tosca mesa de madeira onde só restos e só descuidos o angustiam. Esta noite Pollock vai pintar um quadro, com a cor da lata de tinta vazia, para ti, para a A.

Esta noite quando olhar a velha caveira que tem entre as caixas, os pincéis e os ácidos, as garrafas vazias, numa bebedeira de verão azul e amarela, A., Pollock vai rasgar na sombra e no inerte os contornos fugazes dos rostos atravessados pelo silêncio das aves que só existem na sua alma depois do álcool. Vai revisitar o teu.
As aves submersas no branco opaco da lua, no branco lunar da tela, em movimentos ilimitados e de aproximação visionária, entrarão para dentro do quadro vazio-pleno e deixar-se-ão tocar para tu os escutares no silêncio das noites, nas madrugadas de vendaval, no promontório onde como árvore cantarás não a solidão, mas a suspensão. As aves são para ti, porque as árvores são a habitação dos pássaros e também dos que foram inventados no caos criador, nesse caos para que apontas com as mãos e te entusiasmas em metáforas e cogitações. Sabes A., é nesses entusiasmos que pincelas com a mão de Pollock e consegues a aceleração para o seu ritmo primevo e originante.


7 comentários:

Anónimo disse...

Minha querida Isabel,

Apesar de estares em tempo de merecido descanso, de férias, não te esqueças que tens trabalho de casa para fazer! Hoje, sem falta!... risos.

Beijinhos

Anónimo disse...

Isabel,

Experimento dificuldades de comunicação... mas com a preciosa ajuda da Serpente cá nos entendemos!
Sem êxito! Nada de relevante. Há pouca coisa... vê o mail.

Beijinhos

Unknown disse...

Quem quer que seja A., estas palavras só podem ecoar intensamente em quem ainda se sinta, viva - ou em quem a isso deseja regressar.
A água que jorra da fonte e que corre naturalmente rio abaixo, renovando tudo à sua passagem, passou por aqui, por si, ou melhor, você tornou-se a própria água - que é. Ou é isso que aqui sinto escrito.

Anónimo disse...

Cantas-me em Soprano... e eu só sei soprar beijinhos. Estico-te os braços etéreos da brisa para te abraçar ao entardecer.

Anónimo disse...

recebo o abraço e os beijos já na madrugada e sinto que cumpri os sopros há muito guardados. Da próxima serei soprano e canatrei a Turandot para ti!

Espero que A. responda também à primeira frase do que comentaste no outro post, e desculpa ficar aquém do que mereces. Mas hei-de encontar mais Pollocke A.

Também te abraço envolta em vozes de rei.

Anita Silva:

A. também pensa que quando escrevo sou líquida...obrigada. mas o mérito~, se o há, não está em mim, mas em A.

Unknown disse...

o mér-ito... é o pequeno grande mar de cada um, que é cada um.

Miguel Raposo disse...

Que bonito! Foi bom relembrar que, na sua mão, a tinta ganha asas e toca nos céus de cada leitor. Vislumbre singular... Um beijo
(deu-me indicações para estas bandas uma antiga colega do nosso antigo Cartaxo)

Miguel Raposo