O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 23 de agosto de 2008

O Vazio da Página


Uma página branca é a síntese ardente de todas as possibilidades.
Para o poeta é um poço, vertigem, mergulho no espelho
De múltiplas faces. Um alfabeto radioso, a chuva na varanda!

O poeta olha o branco do seu olho no branco imaculado da folha
Sente tremer o papel. Desvia o olhar. Lá fora há um mundo intranquilo
A mulher move-se e curva-se devagar na folha em branco do muro.

Começa a chover. O poeta guarda as palavras, dobra-as devagar,
Protege-as dos ventos fortes e o seu rosto chove vazios de mundo.
Uma vez ainda o vazio parece explodir. Não é nada. É só o silêncio

A riscar a distância e a estranheza da sombra dos dedos pausados
À espera de florir. A varanda dá para as letras, escorre por elas
A água transparente das pontes. O poeta afunda-se na página em cascata.

Mudo de excesso o mundo recolhe-se para dentro da folha, poente.
O vento fechou a porta e a mulher dobrou a página do muro. Cega.

4 comentários:

Unknown disse...

ah será daí que vem o nome que dão lá na terra à cigarra que só sabe cantar: Cega-Rega? :)

GS disse...

... poderá ser a angústia que advém em dias em que a inspiração se ausenta... mas está lindo!

Lobo Antunes discorre muito bem sobre esta temática!

Durante vários anos, estive ligada, leituras mútuas apenas, a um 'blogger' [adorava ler a sua poesia e ele meus 'escrevinhares', outros espaços] cujo nome era precisamente o seu 'serpente emplumada'!

Anónimo disse...

Anita,

"Cega-Rega", sim. O som é tão intenso
que a página se vira por si própria e é a folha que se escreve a si mesma, Cega-(rega).

Um abraço de Saudades

Anónimo disse...

Fragmentos culturais

...poderá ser apenas a escrita a fazer-se sozinha... cega,a chuva que não há, rega-a. O poeta guarda as palavras para adiar o abismo...

Este espaço abraça o mundo. Tem um mentor, agora ausente, a soprar pontes para além do atlântico,o nome que foi por ele escolhido. Quando fui devorada no ventre da Serpente, já ela era alada e emplumada.

Um abraço, irei ao seu novo espaço.