sábado, 23 de agosto de 2008
O Vazio da Página
Uma página branca é a síntese ardente de todas as possibilidades.
Para o poeta é um poço, vertigem, mergulho no espelho
De múltiplas faces. Um alfabeto radioso, a chuva na varanda!
O poeta olha o branco do seu olho no branco imaculado da folha
Sente tremer o papel. Desvia o olhar. Lá fora há um mundo intranquilo
A mulher move-se e curva-se devagar na folha em branco do muro.
Começa a chover. O poeta guarda as palavras, dobra-as devagar,
Protege-as dos ventos fortes e o seu rosto chove vazios de mundo.
Uma vez ainda o vazio parece explodir. Não é nada. É só o silêncio
A riscar a distância e a estranheza da sombra dos dedos pausados
À espera de florir. A varanda dá para as letras, escorre por elas
A água transparente das pontes. O poeta afunda-se na página em cascata.
Mudo de excesso o mundo recolhe-se para dentro da folha, poente.
O vento fechou a porta e a mulher dobrou a página do muro. Cega.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
ah será daí que vem o nome que dão lá na terra à cigarra que só sabe cantar: Cega-Rega? :)
... poderá ser a angústia que advém em dias em que a inspiração se ausenta... mas está lindo!
Lobo Antunes discorre muito bem sobre esta temática!
Durante vários anos, estive ligada, leituras mútuas apenas, a um 'blogger' [adorava ler a sua poesia e ele meus 'escrevinhares', outros espaços] cujo nome era precisamente o seu 'serpente emplumada'!
Anita,
"Cega-Rega", sim. O som é tão intenso
que a página se vira por si própria e é a folha que se escreve a si mesma, Cega-(rega).
Um abraço de Saudades
Fragmentos culturais
...poderá ser apenas a escrita a fazer-se sozinha... cega,a chuva que não há, rega-a. O poeta guarda as palavras para adiar o abismo...
Este espaço abraça o mundo. Tem um mentor, agora ausente, a soprar pontes para além do atlântico,o nome que foi por ele escolhido. Quando fui devorada no ventre da Serpente, já ela era alada e emplumada.
Um abraço, irei ao seu novo espaço.
Enviar um comentário