quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
A DESPEDIDA
- João! Você viu minha perna por aí? A esquerda...
- De novo Dona Maria! Por onde anda a sua cabeça?
Os últimos meses de Maria passaram-se numa busca constante aos pedaços de corpo que perdia em cada um dos seus passeios à rua. A perna esquerda brigava com a direita, o braço direito tomava partido num pranto sufocado entre lamurias. Tantas lutas perdidas, mil desculpas exclamadas. Todos pecados em catadupa a comporem a culpa.
Foi um pedaço de mulher. Nas horas vazias gritava por Deus, nas outras fingia. Nas horas fingidas amava.
Com a idade seu corpo foi-se fazendo à tormenta. De madrugada acordava com uma perna encostada à cabeça. Perdida no tempo cegou o futuro.
- João! Agarre a perna que ela se perde. ..
- De novo Dona Maria? E a coleira que o sr. Nuno lhe deu?
- Está na perna direita
Com um sorriso desajeitado levantava a saia mostrando a perna acorrentada.
- Está muito apertada, Dona Maria. Assim estrangula.
- Doutra forma a perco, João.
A memória despediu-se quando Maria deixou de saber coordenar os seus membros. Inventou o passado só para poder sentir saudades do que nunca viveu.
Um dia sossegou. Quieta na cama esperou. Sempre lutou contra todas as despedidas, mas essa era por fim bem vinda.
As pernas deixaram-na estar descansada, os braços abraçaram seu peito delicadamente, a cabeça largou-se sem medo entre os ombros, o ventre sempre tão dilatado deixou de brigar.
Maria sorriu na partida. Sozinha.
- De novo Dona Maria! Por onde anda a sua cabeça?
Os últimos meses de Maria passaram-se numa busca constante aos pedaços de corpo que perdia em cada um dos seus passeios à rua. A perna esquerda brigava com a direita, o braço direito tomava partido num pranto sufocado entre lamurias. Tantas lutas perdidas, mil desculpas exclamadas. Todos pecados em catadupa a comporem a culpa.
Foi um pedaço de mulher. Nas horas vazias gritava por Deus, nas outras fingia. Nas horas fingidas amava.
Com a idade seu corpo foi-se fazendo à tormenta. De madrugada acordava com uma perna encostada à cabeça. Perdida no tempo cegou o futuro.
- João! Agarre a perna que ela se perde. ..
- De novo Dona Maria? E a coleira que o sr. Nuno lhe deu?
- Está na perna direita
Com um sorriso desajeitado levantava a saia mostrando a perna acorrentada.
- Está muito apertada, Dona Maria. Assim estrangula.
- Doutra forma a perco, João.
A memória despediu-se quando Maria deixou de saber coordenar os seus membros. Inventou o passado só para poder sentir saudades do que nunca viveu.
Um dia sossegou. Quieta na cama esperou. Sempre lutou contra todas as despedidas, mas essa era por fim bem vinda.
As pernas deixaram-na estar descansada, os braços abraçaram seu peito delicadamente, a cabeça largou-se sem medo entre os ombros, o ventre sempre tão dilatado deixou de brigar.
Maria sorriu na partida. Sozinha.
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4 comentários:
Macabro... por demais. JCN
se encontrares por aí pedaço do que sou, por favor devolve-me. que eu parta inteira.
Qual é a contrapartida? JCN
nunca peço nada em troca do que dou. porque pedes sempre uma contrapartida? Diz-me tu o queres e eu farei possível para te dar.
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